Daniel Valença: Democracia em vertigem, o golpe de 2016 e a honestidade intelectual de Petra

Tempo de leitura: 3 min
Foto: Diego Bresani/divulgação

“Democracia em vertigem”, o golpe de Estado de 2016 e o lugar de fala

por Daniel Valença*, especial para o Viomundo

Há um ano estive no Chile e, para minha surpresa, um dos primeiros comentários do proprietário do apartamento em que fiquei foi sobre o documentário “O Mecanismo”.

Esse locador não se aproximava do que podemos chamar base lavajatista, aquela massa que tem o combate à corrupção como horizonte de mundo e ditadores como ídolos.

Não, ele não reverenciava a Pinochet.

Respondendo a pergunta dele, como brasileiro, coloquei que a obra era ideológica, que ela partia da fantasia para transformar a realidade e, ademais, alterava descaradamente os fatos, como trecho do suposto diálogo de Lula.

Naquele momento, não tive mais dúvidas quanto à impossibilidade de vencermos a narrativa da Lava Jato, considerando todo o aparato ideológico que dispunha – TVs, revistas, Igrejas, documentários, etc. –, diante das ações de militâncias das esquerdas.  À época,  até entre nós havia os que estavam, de maneira ativa ou por inércia, do lado do lavajatismo.

Surpreendeu-me, portanto, quando vi o trailer de Democracia em Vertigem.

Pela primeira vez, teríamos ao menos um instrumento de luta cultural de amplo alcance e, principalmente, lançado em um período em que as condições econômicas e políticas do país retiraram da Lava Jato a sua sacralidade.

Antes de assisti-lo, porém, me deparei com críticas de pessoas que se situam no campo das esquerdas:

O filme assume ser feito por uma ricaça que confessa ter problemas com o espelho e consegue mostrar a marca da feiura que todo rico carrega em si: a desigualdade da população.

Realmente muito bom pra imagem da esquerda elevar um documentário de uma neta de empreiteiro que estudou nos Estados Unidos como ícone da análise progressista sobre o golpe e a ascensão da extrema direita.

A perspectiva singular da Petra é de alguém com a legitimidade de assumir em primeira pessoa que a sua família teve algum papel no golpe, assim como todas as elites empresarial, industrial e oligárquica […] Mais do que um mea culpa muito do safado, Petra tenta inscrever na história um documento, um testemunho raro.

Fica na superficialidade dos fatos e toma a biografia de uma filha (Petra Costa) da elite, que acredita exclusivamente na democracia burguesa, como única via para a transformação.

Essas e outras opiniões erram ao afastar o objeto e focar sua análise principalmente na legitimidade do sujeito.

Mas, ao contrário da honestidade intelectual da Petra, que do início ao fim afirma seu lugar de fala, tais críticas omitem que a neta de empreiteiro é também filha de militantes de esquerda, presos, torturados e exilados durante a ditadura.

De maneira sutil, ela transparece que o martírio de sua família não foi um problema para a sua “outra família”.

Ademais, as críticas terminam por provocar, também, um equívoco na compreensão do objeto: ao trazer sua família para o filme, Petra nada mais faz que demonstrar que as elites brasileiras nunca conviveram com a democracia e que, no interior das famílias de setores médios e altos, sempre houve quem se levantasse e enfrentasse a realidade imposta por essas elites.

Mas, considerando sua opção metodológica, cabe então a pergunta: o que diz seu documentário?

Diz que :

*a ditadura, vivenciada por seus pais, caiu por obra, principalmente, da classe operária e suas greves históricas de fins da década de 1970;

*o PT, maior partido de massas que o país já teve, é fruto desta mesma classe trabalhadora que não se enxergou no parlamento;

* 2002 foi o ano de um país em esperança, mas que esta começou a ser desmontada quando, em 2013, Dilma começou a destituir emedebistas envolvidos em corrupção e anuncia, em um histórico 1º de Maio, que os bancos deveriam pagar a conta da crise, e não os trabalhadores.

O governo Dilma, até então com alta popularidade, enfrenta o ataque da direita, com o direcionamento tomado pelas Jornadas de Junho, com as articulações golpistas de Temer, Aécio, Cunha, com a Lava Jato.

Tudo isto, direta ou indiretamente, está lá.

Mas Petra vai além.

Ao contrário do que amplas massas “limpas” da esquerda brasileira à época profanavam, Petra termina o documentário com três conclusões.

Primeira: não deixa dúvidas quanto ao fato do impeachment ter sido um golpe de Estado e a prisão de Lula ser parte desse golpe.

Daí, tira-se a conclusão de que não há luta contra o golpe de Estado sem a centralidade do “Lula Livre”.

Segunda: ao comentar o diálogo do empresário que responde ao político sobre ele ser o passageiro (o momentâneo), não incorre no erro de determinada esquerda brasileira que vê os problemas do país no Estado, e não nas classes proprietárias que construíram suas riquezas dilapidando o Estado.

Terceira: a história “larga” e “curta” do Brasil demonstra que há dois lados irreconciliáveis ante uma nação que preserva os fundamentos coloniais da escravidão.

A opção de Petra de colocar-se como sujeito do filme, expondo como irreconciliável a relação com sua família, apenas reforça que, na política, a reconciliação também será impossível.

Daniel Araújo Valença, professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFERSA, coordenador do Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América Latina (Gedic).


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Zé Maria

Golpe de 64 Reloaded

Ao Jornal FasciPaulista Estadão restará publicar receitas de bolo
E à Globo, editoriais de retratação ao longo das próximas décadas.
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A Mídia e a Maldição da Lava Jato

Calando-se, ante a investida de Moro
[contra o Jornalista Glenn Greenwald],
[a imprensa brasileira] revelará toda sua impotência,
sua fragilidade, na defesa de suas próprias prerrogativas.

Por Luis Nassif, no GGN (https://t.co/g67jiuyaNQ)

Primeiro, incutiram o ódio.
Foram anos e anos de campanha negativa, criminalizando todos os atos,
criando versões conspiratórias de todas as políticas.

Depois, trataram de jogar a autoestima brasileira no seu nível mais baixo,
naquele que deveria ser o momento mais alto de celebração nacional,
uma Copa do Mundo.

Antes disso, tinham levado a disputa política para outro campo, o da Justiça,
embriagando o Ministério Público com o porre da celebrização, transformando
jovens imaturos em heróis nacionais, entregando o poder a um juiz ambicioso,
inescrupuloso até a medula, e pressionando um Supremo temeroso a ponto de
esquecer de suas obrigações constitucionais.

Depois, convocaram as multidões para as ruas, bradando discursos de ódio.

Cometeram, contra si próprios, a pior das autoimolações:
desacreditaram a essência do seu trabalho, as informações, os conceitos,
os pactos que regem sociedades civilizadas, a própria Constituição e as leis,
valores que legitimavam sua missão em ambientes democráticos.

Apelaram para fakenews sem fim, as invasões das FARCs, os dólares em garrafas
de rum, os lobistas com narrativas improváveis.
Aliaram-se a organizações criminosas, como a de Carlinhos Cachoeira,
montaram parcerias com grampeadores e procuradores inescrupulosos.
E recorreram ao jogo recorrente de manipulação da informação, juntando informações verdadeiras – o vasto e histórico esquema de corrupção política
que existia -, como âncora para toda sorte de teorias conspiratórias e de ataques
seletivos aos adversários.
Ao usar a corrupção como instrumento político seletivo, foram corruptos,
e eles sabem disso.
Esse é o drama.

E os céus amaldiçoaram a mídia e os que implantaram o terror, o ódio fratricida
e abriram as jaulas para a selvageria, julgando que, com o chicote e as cenouras,
com os quais influenciavam o país institucional, manteriam o país selvagem
sob controle.

Os bárbaros ajudaram a trucidar o governo deposto e não mais pararam.

Primeiro, tomaram da mídia o controle sobre as informações, com suas redes
de WhatsApps, e estratégias de viralização montadas por consultores internacionais,
muito mais eficientes.

Criaram seu próprio público, cortando o cordão umbilical com a mídia,
se apropriando do discurso de ódio com muito mais propriedade do que
a geração inicial de cronistas do ódio, uma mescla de cronistas culturais,
novos e velhos jornalistas tentando se reciclar, atendendo à demanda da mídia,
visando atrair e instrumentalizar o sentimento de ultradireita que emergia
globalmente.
Com todas as regras civilizatórias e sociais revogadas, os almofadinhas da mídia,
que fingiam falar duro, os cronistas-ternura que ocuparam a demanda
por discursos de ódio foram rapidamente destronados por bestas-feras autênticos, daqueles que coçam o saco, arrotam em público, batem
em velhinhas vestidas de vermelho.

Finalmente, os hunos conquistaram o poder político, elegendo um capitão da reserva,
deputado baixo clero, com vinculações claras com as milícias e um ódio visceral
à mídia.
Só aí caiu a ficha da mídia, de que seu poder derivava diretamente da
Democracia, do respeito às regras do jogo, da credibilidade das informações
e, especialmente, das narrativas.

Ao colocar em xeque as instituições, expunha-se a si própria a qualquer
autoritário de plantão.
E, especialmente, perdia o controle para outros praticantes de fakenews
e de teorias conspiratórias, desses que acreditavam que o Jornal Nacional
e a Veja eram instrumentos das esquerdas.

Ali, rompeu-se o pacto com Satanás e o jornalismo tentou o duro regresso,
a recuperação dos valores jornalísticos, a defesa, ainda que tímida, de bandeiras
legitimadoras.
Colunistas foram liberados, então, para criticar Bolsonaro e se concentrar
na defesa de temas sociais, de meio ambiente, retomando a crítica à ditadura,
mas poupando a Lava Jato.
Os jovens jornalistas foram apresentados a uma biografia repaginada dos seus ídolos,
da qual foi apagada não a história passada, mas a história recentíssima.
E poupando a Lava Jato.

Mas o passado recente sempre voltava para atormentar e ele atendia
pelo nome de Sérgio Moro e da Lava Jato.

Como justificar, para seu público, que tudo não passou de uma enorme armação,
na qual a bandeira legítima do combate à corrupção serviu de escada
para golpes políticos, onde o prêmio final foi o cargo de Ministro da Justiça
conferido ao campeão da moralidade?

Teve início, então, um malabarismo de Houdini:
criticar Bolsonaro e poupar Moro, como se ambos não fossem
da mesma natureza, disputando o mesmo projeto de poder autoritário.

Não escaparam da maldição que acompanha todos os que brincam com a
Democracia.
Arrumaram álibis para a nomeação do seu campeão para Ministro da Justiça.
Ele seria a âncora de racionalidade do governo, o que não permitiria
que o arbítrio se fizesse ao largo das leis.

Calaram-se quando o campeão passou a aceitar todas as irracionalidades
do seu padrinho presidente, em uma subserviência chocante, especialmente
se confrontada com o estilo anterior, do juiz implacável, inclemente,
que executava adversários feridos no campo de batalha.

Depois, quando alvo de ataques, o campeão se encaixou debaixo da asa
protetora do seu presidente, que o exibiu como um troféu em jogos de futebol,
mostrando que, agora, ele havia se tornado o avalista da âncora. E ainda balbuciou palavras de agradecimento à confiança, não da opinião pública,
não da mídia, mas a confiança que lhe foi depositada por Bolsonaro.
E se agarrou ao que imaginou ser sua boia de salvação, as manifestações de rua,
que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.

Agora, a mídia entra na sua escolha de Sofia.

Sérgio Moro é acometido pela síndrome do escorpião e atravessa o Rubicão,
valendo-se do COAF para retaliar o jornalista que divulga suas falas.

É o mais grave atentado à liberdade da imprensa desde a redemocratização,
porque se valendo do poder de Estado, do comando da Polícia Federal,
para interromper a divulgação de notícias de interesse público.

E eles sabem disso. Pior: eles sabem que os leitores também sabem disso.

E agora?

O Globo esconde a informação, o Estadão esconde, a Folha caminha sozinha
para recuperar a aura das diretas, perdida nos últimos anos.

Em parceria com a Globo, a Lava Jato tenta de todas as maneiras criar
uma contra-narrativa.

Desenterra as delações de Palocci, sustentando que Lula era o comandante,
tudo isso depois do The Intercept revelar como eram feitas as salsichas
das delações premiadas.

A reconstrução da mística jornalística ficará pela metade.
Os jovens repórteres, inebriados com congressos em que os colegas mais velhos
discorrem sobre as virtudes do jornalismo, apagando uma história de infâmia
muito recente para ser esquecida, não terão nem o consolo da hipocrisia
para manter a chama acesa.

Esta é a maldição final, terrível, dolorosa, o desafio final a ser enfrentado
pela mídia.

Calando-se, ante a investida de Moro, revelará toda sua impotência,
sua fragilidade, na defesa de suas próprias prerrogativas.

E o país está coalhado de inimigos, à esquerda, mas, principalmente, à direita,
esperando o primeiro sinal de fraqueza para avançar.

https://twitter.com/luisnassif/status/1146409519578255361
https://jornalggn.com.br/midia/a-midia-e-a-maldicao-da-lava-jato-por-luis-nassif/

Zé Maria

Sergio Moro detonou a Democracia, quando detonou a Política
como instrumento de Promoção do Bem Comum e da Paz Social,
elevando o Fascismo institucional ao Patamar Mais Alto do País.
O Clã Bolsonaro e as Milícias dos Milicos e do Olavo de Carvalho
se sustentarão enquanto o Moro não for Afastado da Vida Pública.

Zé Maria

“Esta ação, já arquivada, foi proposta dias antes da eleição pra ajudar o papai a ganhar.
O dia em que vocês explicarem ao país a evolução patrimonial da sua família
de preguiçosos você posa de honesto, taoquei?
By the way, cadê o Queiroz?”

Professor Fernando Haddad
em Resposta a um comentário Fake
do Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL),
vulgo Dudu Pintinho, 03 do Bozo.

https://twitter.com/Haddad_Fernando/status/1146062726852071426

Zé Maria

Exército do Brasil homenageou Major alemão que lutou no Exército nazista.
É o que diz, inclusive, o próprio texto do jornal compartilhado por eles.
Lamentável
https://twitter.com/gugachacra/status/1145848917508145152

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