Conceição Tavares: O Brasil e a crise econômica

Tempo de leitura: 4 min

Economia| 26/11/2010 | Copyleft

“Brasil precisa se proteger e cuidar das contas externas”

A economista Maria da Conceição Tavares defendeu nesta sexta-feira, durante a Conferência do Desenvolvimento, promovida pelo IPEA, em Brasília, que o Brasil deve proteger sua economia, reverter o processo de sobrevalorização do real e adotar mecanismos de controle de capital para evitar um ataque especulativo. Em sua fala, ela deixou algumas sugestões para o futuro governo Dilma: “Eu diria que a primeira preocupação agora é, sem dúvida nenhuma, com o setor externo. Se ele continuar assim vai haver degradação da indústria, déficit crescente da balança de pagamentos e uma fragilidade externa que na crise de 2008 nós não tivemos”. O artigo é de Katarina Peixoto.

Katarina Peixoto, na Carta Maior

O sexto painel da Conferência do Desenvolvimento, promovida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em Brasília, apresentou um tema abrangente e desafiador: Macroeconomia e Desenvolvimento. Um tema à altura da homenagem feita pelo IPEA aos 80 anos da professora Maria da Conceição Tavares, formadora de mais de uma geração de economistas brasileiros. Bem humorada, ela brincou com a relação entre a homenagem e o tema escolhido para a conferência:

“Esta homenagem está gloriosa, porque o clima é Woodstock, não é. Vamos ver se sou capaz de tocar guitarra elétrica. O tema proposto para mim, só tocando guitarra elétrica. Macroeconomia e desenvolvimento não são temas pensados conjuntamente, geralmente”.

O propósito da política macroeconômica, lembrou, é evitar os desequilíbrios. E agora mais do que nunca em função da crise econômica mundial. Maria da Conceição Tavares fez um rápido resumo do quadro atual.

“Neste ano que passou foram os países ditos emergentes que cresceram. O primeiro mundo não cresceu nada. A crise de 2008, agora em 2010, veio repicada com a crise na Europa. A política macroeconômica na Europa deve estar fazendo Keynes se remover na tumba. Um desemprego cavalar e eles vêm com ajuste fiscal. Além de tudo há uma pletora de dólares. O Banco Central europeu está sustentando os países mais pobres da UE, mas o problema não é de liquidez, mas de insolvência”.

Frente a essa situação, alertou, o Brasil precisa ficar atento:

“Nossa taxa de juros é historicamente cavalar. Não é uma maluquice do presidente do Banco Central. Desde a década de 70 que a taxa de juros primária é muito alta. E as taxas ativas dos bancos também são muito altas. Então estamos numa situação braba: que tipo de investimentos essa taxa de juros elevada atrai? O investimento direto não tem nenhum problema, desde que sejam estertores importantes do desenvolvimento. Mas nossas taxas de juros fazem com que sejamos atrativos para o capital especulativo. Resultado: estamos com uma grande sobrevalorização do real”.

Diante deste quadro, acrescentou, a economia brasileira precisa se proteger, não apenas dos Estados Unidos, mas também da China. Neste ponto, ela fez algumas advertências importantes ao governo Lula e, principalmente, ao futuro governo Dilma:

“Temos aumentado desvairadamente as importações. Está um festival de importação. Nós estamos diminuindo o conteúdo de valor agregado de nossa indústria, até com coeficiente em importação em aço, no qual temos competitividade internacional, temos 15% da importação em aço. Há sobra de aço na Europa, que está fazendo dumping para cima da gente e nós deixamos. Eu diria que a primeira preocupação agora é, sem dúvida nenhuma, com o setor externo. Se ele continuar assim vai haver degradação da indústria, déficit crescente da balança de pagamentos e uma fragilidade externa que na crise de 2008 nós não tivemos. Foi a primeira vez que o Brasil passou por uma crise sem se arrebentar. Ao contrário, somos credores líquidos internacionais. Passar dessa situação, outra vez, para devedor líquido é péssimo. Só não passamos a tanto porque o governo é credor líquido. Mas as grandes empresas, o capital privado já está devendo. O que significa que qualquer repique da crise internacional pode nos trazer problemas”.

O governo tem de estar atento, enfatizou a economista, para não agravar o déficit fiscal. “A inflação é de custos, não de demanda. Então, não é o caso elevar taxa de juros, para não agravar o déficit fiscal, aumentando o serviço da dívida. Isso tira a possibilidade de desenvolvimento. Como se faz desenvolvimento com uma taxa de juros dessas?” – indagou.

A economista garantiu que não discutiu pessoalmente esses temas com ninguém do governo. E reafirmou a defesa da adoção do controle de capitais para proteger o país de um ataque especulativo.

“Já disse publicamente e repito, penso que numa situação como essa tem de ter controle de capitais. Todos os controles quantitativos. Aumenta o compulsório. Controla a taxa de crédito. Mas não com essa taxa de juros. Mesmo que o FMI tenha dito que controle de capitais pode ser recomendado, na atual conjuntura, o “mercado” e “os do mercado” aqui no Brasil não suportam ouvir isso. Mas temos no Banco Central gente discreta, não vedetes. Eu acho que a mudança do presidente do BC se prende a isso”.

O Brasil, recomendou ainda a economista, precisa fazer uma política fina e ir diminuindo lentamente a taxa de juros e a taxa de câmbio. “Devagar com o andor que o santo é de barro. Tem de andar devagar”, enfatizou.

E criticou aqueles que defendem o corte de gastos para promover um duro ajuste fiscal.

“O eixo deste governo é a política econômica com eixo social. Esse é o nosso custeio. Cortar para investir, para agradar a imprensa? Eu acho que não há sentido nenhum. No desenvolvimento econômico, o eixo social está correto. Mas se não cuidarmos da parte cambial, não conseguiremos fazer política industrial e tecnológica e, no longo prazo, não há desenvolvimento econômico regredindo nessas coisas”.

Maria da Conceição Tavares manifestou confiança na capacidade da presidente eleita Dilma Rousseff enfrentar esses problemas:

“Graças a deus a nossa presidente é uma mulher de coragem, de discernimento e economista competente. Este primeiro ano dela é complicado, em todos os sentidos. Enfim, que deus a proteja. Não adianta pedir que deus proteja individualmente nestas questões. Nestas questões é melhor proteger o coletivo”.

“Tenho muita fé na presidente, mas uma coisa é saber, outra é operar – não sei se a proporção de forças dos industriais pesam tanto quanto a dos banqueiros. Para sair dessa encrenca, agora mais do que nunca, não dá para deixar para o mercado ou a divina providência. A solução é humana e de todo o governo. Até o fim dessa década vamos erradicar a miséria, para que isso ocorra não podemos fazer coisas que abortem essas intenções.”

O Brasil tem um caminho duro pela frente, concluiu, e “deve agir com a autonomia de um país independente e soberano”. “Precisamos fazer uma defesa soberana da política industrial, cambial e de balanço de pagamentos. Não quero que me impinjam política macroeconômica que me atrapalhe o desenvolvimento. E que não se espere que o G7, G20, o G 400 resolvam alguma coisa, porque a ordem mundial está uma bagunça e o mundo hoje é multipolar. Acho melhor cumprir o nosso papel”.


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Comentários

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Sagarana

Noossssaaaaa, como é que a Dilma não pensou nessa senhora para o Bacen? Ia ser divertido!

Eduardo Britto

Nossa grande professora!
Competência estabelecida. Quem não a tem, que não se estabeleça. E que aproveite o momento para ficar calado… ou vá estudar história!

Renato

Economista competente, não foi ela que tinha uma loja quebrada que vendia produtos de R$ 1,99?
Eu já estou pensando no meu plano B, pois pelo Plano A (Plano da esquerda e socialista) não ficarei rico.

Sandra Bitencourt

Economista??? não foi Dilma que faliu lojinha de 1,99??? sei…

Sandra Bitencourt

Desde quando Dilma é economista competente???

A "Doutora" economista competente??? o que Dilma fez até hoje que possa sustentar tal afirmação??? faliu lojinha de 1,99???

Meu Deus, internem essa senhora.

José A. de Souza Jr.

Enquanto a criação de dinheiro (aquilo que faz a economia girar) estiver sob o controle absoluto da intermediação financeira (criação de dívida), estaremos todos reféns de seus interesses. O Estado soberano, pode, alternativamente criar quanta moeda quiser para adquirir tudo que é ofertado sob sua jurisdição, sem se endividar. Mas precisa ter uma capacidade tributária de excelência para tanto. Mais ou menos assim: a mesma mão que cria quanto dinheiro for preciso, o retira de circulação com a mesma intensidade e sem a menor cerimônia, para que a economia funcione a contento. De quem? Da maioria. A isso denomina-se finança funcional, em contraposição à finança "saudável", tão a gosto do "mercado". Por essa razão brada-se tâo alto contra a "excessiva" carga tributária brasileira. Luta de classes, coração!

Fabio_Passos

O capital vadio continua nos depenando… e ainda provoca a hipervalorização do real.

O centro está mergulhado na estagnação (eua) e na crise (europa) porque a hegemonia neoliberal continua sua marcha irresponsável e auto-destrutiva.

O Brasil precisa se proteger e descolar do sistema neoliberal arruinado privilegiando o mercado interno.
É preciso promover uma maciça distribuição de riqueza e fechar de uma vez o cassino da especulação.

JC Rodrigues

Parabéns, Azenha e Conceição. Acho que o Vi o Mundo vai dar, mais uma vez, uma grande contribuição à blogosfera. A crítica à velha mídia e a releitura do que lá se publica é importante, mas a produção de conteúdo é igualmente fundamental. O contraponto ao PIG só se completará quando a blogosfera produzir mais notícias e reportagens para mostrar a realizada do Brasil. É assim que ela pode contribuir para que os internautas deixem de ser reféns da agenda da mídia golpista.

assalariado.

O capitalismo e suas matemáticas para mante-lo vivo,quer dizer,numa ponta,estão os gerentes do capital a tentar/continuar gerando lucros para o capital ,na outra ponta gerando miséria/ violência/ sofrimento para os assalariados em geral..Eu como não estou nem um pouco preocupado em salva-lo, quero mais que se exploda,e passemos desta para melhor -(sociedade socialista)-.A estas contradições que a Sra.Conceição Tavares apresenta,cito mais duas causas das crises do capital:(capital x trabalho) e (anarquia na produção). A 1ª, é que como Marx disse,o capitalismo tem que manter os lucros conservando baixos salários, mas,com isso destrói o consumo de mercadorias.Está aí como a separação(e contradição) entre capital e trabalho leva as crises de superprodução. A 2ª,é anarquia na produção,o interesse da burguesia é sempre obter lucro pra acumular capital e,aumentar a produção para aumentar as vendas sem levar em consideração as reais necessidades de sobrevivencia da sociedade que,por sua vez provoca encalhe de mercadoria enfim,é a abundância de mercadorias em meio a miseria do povo,seguindo a lógica do capital,tudo muito coerente…

    Renato

    Blablablá socialista. Cara, essa idéia morreu com a queda do muro de berlim, oque existe hoje é roubo.

Messias Macedo

Pomar lembra que PT precisa ir pro combate
publicada sexta-feira, 26/11/2010 às 21:00 e atualizada sexta-feira, 26/11/2010 às 21:05
COMEMORAR MUITO, MAS DE SANDÁLIAS
por Valter Pomar
em http://escrevinhador.com.br/ – ínclito, competente e impávido jornalista Rodrigo Vianna

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… A esse processo de repensar e refundar o PT – propugnado pelo Valter Pomar – brotará a possibilidade de superação do atual modelo petista de governar e de interagir com a sociedade. Se o PT hegemonizar o seu protagonismo histórico contemporâneo no bojo da governabilidade em detrimento dos seu papel revolucionário além do poder, o apelo midiático à propalada 'alternância do poder' poderá nos conduzir a sérios retrocessos… O neto do "dotô" Tancredo será a bola da vez da direitona em 2014…

Messias Franca de Macedo
Feira de Santana, Bahia
Transição República de Nós Bananas/Brasil Nação

mpnge scéptico

E A FÁTIMA HEIN? JÁ FOI DE ENDOIDARHEHEHEHEI
VIU DEUS? MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES PEDIU PROTEÇÃO COLETIVA PRÁ TODOS
NÓS. vALE TAMBÉM PRO SERRA ET TURMA? ARGH!!!!!!!!!!

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