Comissão resgata a história de filhos de presos de esquerda sequestrados na ditadura

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Na mesa, da esquerda para direita: Eduardo Reina, Débrah Duprat Helder Salomão, Eugênia Gonzaga e Hamilton Pereira da Silva. Foto: Fernando Bola

Bebês e crianças sequestrados durante a ditadura: uma história para não esquecer

por Pedro Calvi, CDHM

Nesta terça-feira (6/8), a história de crianças e bebês filhos de militantes contrários ao governo militar que foram retirados dos pais e mães e entregues para ser adotados por outras famílias foi, em parte, resgatada em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM).

O jornalista Eduardo Reina, que escreveu um livro sobre o tema, e que até agora era mais conhecido nos casos das ditaduras militares de países vizinhos, especialmente a Argentina e Chile, participou do encontro.

Cativeiro sem Fim

O título do livro é Cativeiro sem Fim, porque alguns não descobriram até hoje quem são os verdadeiros pais e os que conseguiram ainda tentam reconstruir a vida.

Reina localizou e entrevistou dezenove filhos de desaparecidos políticos brasileiros e que foram entregues para serem adotados por outras famílias. O trabalho de pesquisa e reportagem durou duas décadas.

“Conseguimos furar uma bolha de invisibilidade e de ocultação sobre um dos crimes mais cruéis da ditadura brasileira das décadas de 60 e 70, o sequestro de bebês e crianças, filhos de militantes de esquerda”.

O escritor lembra que na Argentina esse crime foi relatado pelo menos 500 vezes. “Isso levou para a cadeia um presidente da república, militares, familiares e adotadores. O mesmo aconteceu no Uruguai, Chile, Paraguai e Bolívia. Raramente esses fatos foram citados na mídia”.

Reina destacou a importância de debate o tema para que a população tenha conhecimento do que aconteceu na história recente do país e, dessa forma, não acontecer novamente. “Essas dezenove vítimas de sequestro não sabem quem elas são, não têm identidade, não sabem quem são os pais, foram ocultadas e invisibilizadas”.

Ele acrescenta que “nada mais propício, neste momento de mentiras escritas e imagens editadas, infiltradas em lares e mentes, distorcendo a realidade e tentando apagar a verdade, buscarmos áreas de esclarecimento e informação”.

Para a procuradora regional da República Eugênia Augusta Gonzaga, ex-presidente da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos, o livro de Reina dá visibilidade aos fatos praticados na ditadura.

“Fatos terríveis que mostram que a ditadura brasileira foi, sim, muito violenta”, afirmou.

Ela informou que na Comissão, há cerca de dez dias, o próprio jornalista sugeriu uma iniciativa que já existe na Argentina.

“Lá, as pessoas que têm desconfiança de ser filhos de presos daqueles períodos, fazem parte de um banco de DNA. Essa ideia ficou como um projeto pendente da Comissão, mas lá já temos um banco de análise de DNA de familiares e de análises ósseas no caso da Vala de Perus”.

A procuradora lembrou o que o torturador confesso Major Curió já relatou que existe “uma espécie de confraria de quem cometeu crimes em nome da ditadura militar, que mantém um acordo de ninguém falar nada, se falar morre e para quem falou morre também. E isso não é coisa do passado”, conclui.

Durante a audiência, houve manifestações de solidariedade à procuradora. Ela e outros membros da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos foram demitidos pelo governo federal e substituídos por outros representantes.

Para Camilo Capiberibe (PSB-AP), filho de exilados políticos, “existe hoje no Brasil um processo de tentar reescrever a história, mas isso é impossível”.

Hamilton Pereira da Silva, poeta e ex-preso político, considerou fundamental o trabalho feito por jornalistas como Eduardo Reina. “No Brasil vivemos uma espécie de círculo perfeito, as tiranias no nosso país que nos perseguem às vezes vestem fardas e, outras vezes, togas”.

“Defendo que a história seja resgatada e que toda essa história escondida debaixo do tapete venha à tona. Quer seja de direita, quer seja de esquerda”, disse Eli Borges (Solidariedade/TO).

Filhos retirados de mães indígenas ou usuárias de crack

Déborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão, afirmou que a procuradoria já abriu 7 procedimentos sobre desaparecimentos de bebês e crianças durante a ditadura.

“Mas nunca conseguimos informações mais concretas porque todos os dados estão sob sigilo. Tenho dúvidas se essas crianças existem ainda, temos pouca clareza sobre o que aconteceu com nossas crianças na ditadura”.

Duprat destacou também que situação semelhante já aconteceu com crianças indígenas.

“Elas foram retiradas de seus pais porque, supostamente, eles cometeram crimes como ocupação de terras. O mesmo com mães usuárias de crack, que entraram no hospital para o parto e acordaram sem o filho, que eram retirados através de termos de ajuste do Ministério Público.”

“O silêncio do governo é uma ameaça à nossa democracia, e que não reconhece essa dívida histórica que temos com essas famílias e essas vítimas”, afirmou Sheridan (PSDB/RR).

O presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES), disse que a pesquisa de Eduardo Reina é essencial para uma reflexão sobre o problema. “Ainda existem muitas dúvidas, muitas situações não foram elucidadas e as famílias ainda sofrem a dor da perda dos seus entes queridos”.

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NOTA DO PRESIDENTE DA CDHM

Nota do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), Helder Salomão (PT/ES), sobre declaração do presidente Jair Bolsonaro.

“Novamente Jair Bolsonaro afirma que Brilhante Ustra foi “herói nacional”. Ustra foi chefe do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) de 1970 a 1974, reconhecidamente atuante na repressão política de opositores do regime militar.

Ele foi o primeiro agente do Estado condenado, em ação declaratória, como responsável pelos crimes de sequestro e tortura no período da ditadura.

A declaração de Bolsonaro é mais uma entre incontáveis manifestações de elogio à tortura e dos crimes contra a humanidade.

Os crimes lesa humanidade são aqueles atos deliberadamente cometidos como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil, e incluem aqueles praticados pelo regime de exceção praticado em 1964. Não podemos jamais naturalizar esse tipo de manifestação”.

Helder Salomão (PT/ES)

Brasília, 8 de agosto de 2019


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