Cícero Querido: O leite, o livro e a gratidão imensa a todas as inesquecíveis professoras mães

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Cícero Nardini Querido, no dia em que se formou médico, e Dona Maria Luiza, sua mãe e primeira professora

O leite e o livro

Por Cícero Nardini Querido*

Minha mãe foi minha primeira professora.

Escapo logo ao clichê parafraseando Brás Cubas: mãe professora, e não professora mãe, o que essa mulher viria a ser apenas alguns anos mais tarde.

Explico: dela recebi o leite antes do livro, primazia incontestável.

Uns poucos, pretensos sabedores de meus antecedentes pré-natais, argumentarão em sentido contrário, recorrendo ao fato de que a escolha de meu nome se deu porque a professora (à época já mãe de dois, mas não a minha) gostava muito de um aluno, homônimo (à época já Cicero, mas não eu).

Eu teria sido, então, aluno, antes de ser filho? A gente ainda nem é gente, e já foi projeto.

Primazia das funções à parte, me parece que para ela o que se impôs foi a materialidade do acúmulo das funções, na lida diária com os filhos e alunos.

Como muitas das mulheres, das professoras e das mães desse mundão machista, brigou diariamente para cumprir com grandeza as duas profissões, e nunca foi reconhecida verdadeiramente à altura.

Ela ainda era “apenas” (se é que se pode usar “apenas” para qualificar tamanha façanha) minha mãe, e eu já a observava preparando, com carinho, materiais para ensinar o inglês a seus estudantes, e pequenos crachás de papelão para que decorasse logo em uma ou duas aulas os nomes de todos os seus incontáveis alunos.

Foi só mais tarde, portanto, que eu tive de enfrentar a dupla autoridade em sala de aula. Sofremos, ambos.

Passei noites em claro pensando se deveria chamá-la “mãe”, “mother”ou “teacher”, na frente daqueles sempre implacáveis colegas de 6ª série de um colégio de freiras.

Penso hoje que não tive coragem, à época, de preterir uma das tão honrosas atribuições, e sentei em cima do muro da infância, apenas sinalizando com a mão quando precisava chamá-la.

Como vingança, a professora dizia publicamente, arrancando risadas, que se eu não trouxesse impecável a lição de casa, mandaria comunicado para que minha mãe assinasse.

Dá pra entender porque fui, forçosamente, sempre um bom aluno. Mãe penso que nunca serei, e tenho me esforçado diariamente para que tenha algum sucesso na difícil e nunca terminada missão de ser um bom médico e um bom professor.

Penso que, se é que tenho algum sucesso na empreitada, é porque tive uma mãe professora e me deparei, ao longo do caminho, com inúmeras e inesquecíveis professoras mães.

A todas essas, a minha gratidão.

*Cícero Nardini Querido é médico do Núcleo de Assistência Domiciliar (NADI), do Hospital das Clínicas de São Paulo e mestrando da Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da USP.


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