Chomsky: EUA estão seguindo seu manual no Egito

Tempo de leitura: 4 min

Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now, Noam Chomsky analisa o desenrolar dos protestos no Egito e o comportamento do governo dos Estados Unidos diante deles. Na sua avaliação, o governo Obama está seguindo o manual tradicional de Washington nestas situações: “Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome”.

por Amy Goodman, em Democracy Now, via Carta Maior

Nas últimas semanas, os levantes populares ocorridos no mundo árabe provocaram a destituição do ditador Zine El Abidine Bem Ali, o iminente fim do regime do presidente egípcio Hosni Mubarak, a nomeação de um novo governo na Jordânia e a promessa do ditador de tantos anos do Yemen de abandonar o cargo ao final de seu mandato. O Democracy Now falou com o professor do MIT, Noam Chomsky, acerca do que isso significa para o futuro do Oriente Médio e da política externa dos EUA na região. Indagado sobre os recentes comentários do presidente Obama sobre Mubarak, Chomsky disse: “Obama foi muito cuidadoso para não dizer nada; está fazendo o que os líderes estadunidenses fazem habitualmente quando um de seus ditadores favoritos têm problemas, tentam apoiá-lo até o final. Se a situação chega a um ponto insustentável, mudam de lado”.

Amy Goodman: Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?

Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak. O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.

Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.

Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.

Amy Goodman: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?

Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.

Os Estados Unidos tem um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.

Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses. Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.

Amy Goodman: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?

Noam Chomsky: Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes. Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.

Amy Goodman: Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?

Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.

Amy Goodman: O que acontecerá com a Jordânia?

Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.

Tradução: Katarina Peixoto


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Luci

Circulam notícias que Hosni Mubarak renuncia hoje, é questão de horas.
É preocupante se o exército assumir o vice é homem de confiança do ditador. Realmente é um situação complicada. As ditaduras quando se instalam, se mantém por longas décadas com manipulações e subterfúgios como apontado por Noam Chomsky. Ésempre o mesmo modelo "alta concentração de riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente".
Some-se a isto os domínio dos meios de comunicação de massa pela oligarquia.

Luci

Entrevista a BBC de Londres do primeiro ministro do Egito "Hosni Mubarack pode renunciar". Já vai tarde demais.

Luci

Ahmed Shafic, primeiro ministro do Egito deu entrevista a BBC onde afirmou que: ""O presidente Hosni Mubatack pode renunciar". Assim seja o povo do Egito merece por toda luta, resistência, enfrentamento ao ditador Hosni e pela união.

Domínio

Quem deve estar pressionando Obama é Israel. Concordo com o leitor Paulo, cartilha escrita por Israel, ão sejamos inocentes.

Urbano

O otrama enganou a torcida do mundo inteiro. Agora está provado por A + B que o prêmio Nobel (que deve estar altamente decepcionado) concedido a ele foi uma grande trapalhada. Risível até, já naquela época.

Helder L Coutinho

Tudo que diz respeito ao EUA, é preventivo,as guerras no Iraque , afeganistão, o premio nobel para o Obama,isso é um absurdo, a ONU tem ser reformulada já urgentemente.
E tem outra questão o MUbarak, é amigo do tio Sam, Chavez , Fidel,Morales entre outros são considerados ditadores.

Regina Braga

Pra variar um texto maravilhoso…Azenha,adoro como vc seleciona os artigos.Quero fazer minhas as palavras de Chomski…Que coragem do Povo,que determinaçaõ,que exemplo´para os Arábes e para o resto do Mundo.Tenho certeza, que nada mais será o mesmo no Egito.Qto ao EUA vai continuar sem a criatividade que lhe é peculiar. No fundo o EUA nunca entendeu o Mundo Arábe,talvez por issso tenha explodido,qdo Lula consegue o acordo com o Irã e Turquia. A OPEP mostrou que já naõ pode manter a produçaõ de petróleo nos níveis atuais,o que significa que, o EUA vaõ ter que aprender a negociar.Falidos e mantidos pela China,vaõ ter que correr para obter apoio…Seja no Oriente Médio ou na América do Sul.Vaõ aprender a conversar,pois naõ vaõ manter mais regimes ditatoriais.

Bonifa

Vejam vocês que coisa gozada… O Primeiro-Ministro da França esteve de férias com a família no Egito, com tudo pago pelo seu amigo Mabarak… Agora está tentando desesperadamente se explicar para o desavisado povo francês… O Berlusconi pelo menos é sincero, gosta do Mubarak e pronto. Causa frouxos de risos, como dizem os portugueses, ver os políticos europeus em palpos de aranha.

Hell Back™

Puxa; que região mais problemática! Estão em conflito desde antes de Cristo e até hoje não acharam uma solução! Acredito que os conflitos é o que os mantém vivos.

Francisco

EUA = ACM

jcm

E deram um nobel pro obama! Tira do obama e dá pro Chomsky já!

Ronaldo Caetano

Se, hipoteticamente, o Império Romano tivesse construido um sistema jornalístico como o que os USA construiu após a 2a GG, com controle interno da informação nos principais países ocidentais, jamais teria perdido o controle do mundo. É esse sistema que Chomsky – um dos maiores intelectuais vivos – combate firmemente.

A força americana não advém apenas do poderio econômico; advém especialmente de um sistema de informação mundial totalmente submisso aos seus interesses. Funciona como uma autêntica arapuca para o cidadão comum que através de um sofisticado sistema de envolvimento jornalístico, sempre acaba iludido pela máxima de que, pelo que lê, os inimigos americanos são piores do que eles.

Mauro Silva

Caro Azenha.
Arrisco um nome para neo-tírtire ianque do Egito, a partir de notícia da folha hoje: "Aos 30 anos, Wael Ghonim, o jovem diretor de marketing do Google para o norte da África e o Oriente Médio, tornou-se uma espécie de símbolo dos jovens manifestantes que exigem a saída do ditador Hosni Mubarak e não se veem representados pela oposição tradicional".
Alguém duvida?
Quando acontecerem a eleições, depois do couro que esse yuppie vai levar, o PIG local e internacional abrirão fogo a acusar a "fraude que impediu o bom moço"; "o moderno"; "jovem dinâmico"; "o lindinho" de vencer.
Na seqüência, leva no tapetão.
É a velha receita intervencionista de sempre com os dedinhos sempre sujos do judiciário.

    Bonifa

    Grande sacada, Mauro Silva. É muito provável. E o fato do "lindinho" ter dado entrevista a canal de televisão privado do Egito, que deve ser muito mais ocidentalmente perigoso que o canal estatal, e de tal entrevista ter sido veiculada amplamente pelas agências ocidentais, torna mais possível ainda sua suposição. É a maquiavélica construção da confiabilidade do candidato a títere.

francisco p. neto

É interessante notar que Chomsky é professor do conceituado MIT e não tem papas na língua.
Fala o que acha que é certo e que coincide com todas as opiniões mundo afora das pessoas com o mínimo de bom senso.
Muito diferente daquí quando se procura a opinião de um catedátrico que dificilmente vai se contrapor com a posição do seu governo.
Seria muito mais comodo para Chomsky defender os EUA, país em que trabalha.
Obama disse: Mubarack é um homem bom!!!
Realmente ele é um homem bom com uma fortuna estimada em 70 bilhões de dólares.
Esse Obama!!!!

    Heitor Rodrigues

    Obama equivocou-se. Mubarak não é um homem bom. É um homem de bem, de bens, muitos bens, diria o Prof. Hariovaldo.

Douglas O. Tôrres

O que vier a ocorrer no oriente médio vai depender do que acontecer no Egito,se tudo continuar como antes,colocando um nome de confiança do povo,mas tambem do governo americano tudo volta a "normalidade".Mas se instalar um governo popular e progressista,ai muda tudo no tabeleiro.Os palestinos ganham um aliado,outros regimes podem ser contaminados(se é que já nã estão).O problema é que esta revolta não tem um lider ou lideres destacados,há organizações politicas e religiosas apoiando,então quem podera apaziguar,ser esta liderança,aí que esta o rumo que seguirá o Egito e parte do oriente médio.e consequencias ou não ao Sionismo(diferencio o povo israelense,destes loucos nazi-facistas,os sionistas) e da influencia da ja decadente politica imperialista yanke.

Paulo

Cartilha escrita por Israel. Hoje mesmo Israel proibiu a entrada de palestinos no Egito e o puxa saco aceitou e seguiu as orientações.

Niveo Campos e Souza

Os EUA estão sempre tentando dar a entender que é necessário mudar o cenário, para atender os anseios do povo.
Os únicos anseios reais são a manutenção do poder após 30 anos de apoio ao ditador Mubarak.
É conversa fiada.
É "mudança" para continuar tudo do mesmo jeito: Suez, Oriente Médio, Iraque, Irã, etc, etc.
Os povos árabes estão acordando e cansados…… vamos ver onde vai dar tudo isso.

NIveo Campos e Souza

Niveo Campos e Souza

Nelson

É isso mesmo. O que os governo dos EUA estuda é uma forma de ludibriar o povo revoltado e, como já afirmou o sociólogo argentino, Atílio Borón, "seguir com o 'mubarakismo' sem Mubarak".
Algo como aquela velha estória: "mudam-se as moscas e a merda continua a mesma"

monge scéptico

Xômiski tem razão . A USA e esfola já tem sua cartilha ensebada de tão velha.
É só seguir o conteúdo. O obama, prêmio nobel da paz, (quá, quá quá,) apenas
segue o texto imundo.
Quando os latinos asáticos e menos ainda os africanos vão perceber, que a USA
usa todo tipo de artifício para continuar a exploração? NUNCA pois o que nos falta
é percepção, inteligência e vontade de largar a saia da USA e esfola e procurar
caminhos de cooperação, cooperativa entre os povos.
A cartilha é usada em todo caso na AL, da nojo contar quantas vezes foram colo-
-cadas e retirados sátrapas a serviço da USA e espolia e contra seu próprio povo.
Conta outra noam xômsqui

Deixe seu comentário

Leia também