Charles Carmo: No Recôncavo baiano, população é “proibida” de sair à noite

Tempo de leitura: 4 min

Nos últimos anos, a região conquistou importantes avanços. Porém, diariamente, a partir das 18h30 as vans param de circular até as cidades vizinhas e vice-versa, comprometendo a infraestrutura instalada.  Por exemplo, a Universidade Federal do Recôncavo Baiano está presente em quatro cidades: Amargosa, Cachoeira, Cruz das Almas e Santo Antônio. Como ficam os estudantes do curso noturno? O  Recôncavo tem agora também um Hospital Regional. Como o povo pode se deslocar até a insituição sem transporte coletivo?

por Charles Carmo, no blog O Recôncavo

Milton Santos situa o Recôncavo Baiano como uma das áreas urbanizadas mais antigas das Américas. Outro baiano ilustre, Antonio Risério, é quem nos relata que o historiador István Jancsó, em seu livro Na Bahia, Contra o Império, ao descrever as vilas do Recôncavo no século XVIII, escreveu:

“Essas vilas configuravam uma malha urbana significativa, e sua imbricação, como nós de um sistema mais amplo de sociedade, economia e governo, girando como satélites em torno de Salvador, integravam, com esta, um conjunto consideravelmente urbanizado pelos padrões da época, superior, neste sentido, aos índices da Escandinávia, da Suíça ou ao verificado na Europa centro-oriental”.

Somos, portanto, herdeiros de uma rede urbana que, no passado, impressionara o mundo e se destacava em importância, superando as redes urbanas encontradas em países como a Suíça e grande parte da Europa.

É impressionante constatarmos que com tantos antecedentes de planejamento urbano, o Recôncavo Baiano, não obstante todos os investimentos públicos recentes que impulsionam a cultura, educação e o acesso à saúde na região, a exemplo da implantação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e o Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus, não possui uma rede de transportes que assegure à população o deslocamento seguro entre as cidades vizinhas.

Ocorre, então, um fato absolutamente inexplicável, sobre o ponto de vista das políticas públicas então implantadas: a rede de transportes regional, da forma que está configurada, corre  no sentido inverso das políticas territoriais de desenvolvimento e se torna um empecilho à sua concretização. Ao mesmo tempo em que equipamentos públicos, de abrangência regional, vão sendo implantados, a rede de transportes mal planejada impossibilita à população beneficiada o acesso a estes mesmos equipamentos e serviços.

Senão vejamos: a última “topique” com destino à Cachoeira e São Felix, partido de Cruz das Almas, saí às 18h30min. No caminho de volta o horário limite é o mesmo. Ou seja, os estudantes dos cursos noturnos da UFRB, moradores de cidades diversas, por conta desta engrenagem desconexa, são obrigados a alugar vans e “topiques” para se deslocarem até a sua faculdade. Se perderem o horário das vans alugadas, não possuem nenhuma alternativa que lhes assegure a presença em sala de aula. A UFRB não pode, sozinha, resolver este problema, pois a solução depende de outras instituições, e isto foi pautado e debatido no encontro do PPA Participativo no Território de Identidade do Recôncavo Baiano.

O fato ainda é mais grave devido à ilegal e abusiva prática dos responsáveis pelas vans intermunicipais que se negam a cumprir o itinerário que lhes é atribuído pela AGERBA, deixando seus passageiros em pontos anteriores ao de seu destino. Os motoristas das vans deixam os passageiros com destino em São Felix, antes, na cidade de Muritiba. Sem outra alternativa, estes passageiros são obrigados a pegar outro transporte até a cidade vizinha, ponto final da linha.

É como se, em Salvador, eu entrasse em um ônibus com destino ao Aeroporto e o motorista avisasse que “hoje só vamos até Itapuã”.

Mas o itinerário não é estabelecido pela AGERBA? Não se trata de uma Concessão Pública para a realização de um serviço público? Sim, tudo isso é verdade, mas no mundo real estas obrigações são sumariamente desobedecidas pelos donos das vans.

Como podemos admitir que, à noite, os moradores do Recôncavo não tenham nenhuma opção de transporte público intermunicipal, justamente numa das áreas urbanizadas mais antigas das Américas?

Como os cidadãos do Recôncavo terão então acesso aos indispensáveis serviços públicos implantados em nossa região, de alcance territorial, como o Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus, se o último transporte até lá sai às 18h30min?

Que se notifique então as doenças para que apareçam somente em horário condizente!

Estas graves distorções e abusos devem ser objeto de estudo por parte do poder público municipal e estadual, sob pela de sabotarem as políticas públicas de cunho territorial, de mérito inquestionável, implantadas em nossa região nos últimos anos. O PPA Participativo apontou o problema e impõe uma resposta.

O Recôncavo Baiano precisa dar-se conta de seu tamanho e de sua importância na história mundial. Se vivemos uma nova fase de desenvolvimento, e isto pode ser notado a olhos nus, a verdade é que ainda não temos um sistema de transporte que assegure a circulação de seus cidadãos, que não possuem sequer a garantia de transporte noturno.

No passado, o mundo se deslocava atravessando o mar e as estradas do Recôncavo Baiano. Hoje, nem os moradores da região podem igualar esta façanha.

Em tempo: para entender um pouco mais desta história, recomendamos a leitura de excelente artigo de Adriano Bittencourt Andrade A espacialização da rede urbana no Recôncavo baiano setencetista à luz da cartografia histórica”, publicado nos Anais do III Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica. De lá extraímos dois dos mapas que apresentamos nesta matéria. É interessante observar a influência dos rios, das estradas e do mar para a configuração das vilas e a ocupação dos espaços no Recôncavo.


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Comentários

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ratusnatus

Em Brasília é igual.
A maioria das linhas só circula até as 19 horas. Depois disso, metro. Mas o Metro foi feito longe da população e tem que se pegar um taxi para chegar no Metro.

É por estas e outras que aqui, dono de empresa de onibus vira dono de companhia aérea.

Murilo Costa

Caro Azenha,

Um componente importante do texto de Charles Carmo que passou desapercebido: as queixas sobre o transporte intermunicipal surgiram da realização de encontros do PPA Participativo.

Isto demonstra a disposição do Governo do Estado em dialogar com a sociedade em instâncias que permitam e estimulem a participação direta. Outro bom exemplo são as conferências estaduais temáticas.

Precisamos estimular e valorizar esse tipo de mecanismo de participação social.

Abraços.

sadaki yama

Pois é pessoal. Tudo na Bahia acontece como se fosse governado por PMDB/DEM/PSDB/ Pobre que se dane. Durante a greve das Universidades Estaduais, um professor descreveu muito bem o nosso governador. Na pratica este atual e igualzinho a governo do Malvadeza, . Desse jeito o Grampinho vai querer reivindicar direito autoral do avo Grampão , e de troco dizer que com essa tecnologia sabe governar melhor. Alguem ja procurou saber quanto ganha um professor de Universidades Estaduais da Bahia? E professores do colegial e fundamental ?E humilhante. Voces reclamam do AGERBA, bota mais nisso. Todos eles estao no ar condicionado, calculando, calculando, escrevendo, escrevendo, e cade onibus depois das dez em Salvador ? Cade a passegem mais cara do Brasil ? Cade a sujeira das Rodoviarias. Porque coisa de pobre tem de ser necessariamente suja ? Porque onibus tem de ser sujo e lotado ? Porque supermercado tem de ter fila longa?
Porque banco tem de ter fila longa ? Porque empresas desviam , milhões em impostos depois de cobrados nas mercadorias ( ja estao com dinheiro nas mãos ) ninguem vai preso, ainda por REFIS, paga o que roubou em suaves dezenas de prestacões, enquanto faminto que roubou um pote de manteiga e devolve, leva surra do guarda do supermercado, talvez tao pobre quanto ele, vai preso por meses.? So funcionario publico nao ve isso. E olha que sao milhares de funcionarios publicos aqui na bahia.. A ja sei estao trabalhando dentro do escritorio por isso nao podem ver nada que acontece nas ruas. Estou falando de funcionarios publicos de instituicoes que gerenciam concessões,
A maldiçao de bahianos, e nao ter em quem votar. Ninguem e retardado para votar no PSDB ou no DEM emuito menos nos coligados. PMDB ? Esta louco ? Veja a prefeitura de Salvador.
Esse governador atual ou ele nunca saiu do palacio, ou se saiu, de tanto ver merda nas ruas e nas instituicoes, merda virou natural, normal. Pode se pensar. Ele viaja muito. Sera que ele nao tem sentimento ? Sera que nunca viu nada diferente la fora ? Talvez seja coisa da cabeça dele. nao conseguir sentir nem ver.
Pois é. Ou o PT muda o criterio de escolha de candidatos, ou vai sobrar!!! Mente petrificada basta o que esta ai.

Francisco

Esse maldito Lula! Foi turbinar Universidade no reconcavo e deu nisso!! Esse povo agora descobriu que é gente. E ainda quer enquadrar as autoridades! Ômessa!! Pode não! Já se viu! Imagina o dia que esse povo tabaréu se lembrar que o primeiro tiro a derrubar o primeiro morto na primeira briga do primeiro quebra-pau da independência foi lá? Váte! Sipovo!! Já é tão pernóstico de natureza que se regala: danou-se, Lula os caramba, quem fez a universidade FUI EU!!!

Ô povo insuportável!!! Extrato fino do melhor da alma brasileira. Amada Bahia, quanta saudade.

bissolijr

pois é, houvesse transporte à altura da importância/necessidade apontada da região, não haveria tal matéria. e quando houver o transporte público suficiente, podem crer, será cobrada tarifa exorbitante, como de resto acontece em todo o país. os empresários do setor são os financiadores das campanhas. essa prostituição/parceria é tb uma das facetas que mostram como neste país, ao contrário do que a
parece, existe uma enorme parcela da população que financia políticos (com tributos) e empresários (com lucros), como se estes fossem os reis, a nadar no mar da tranquilidade. tudo igual ao feudalismo, ou não? fransporte público tem que ser estatal e com fiscalização dos usuários! por uma nova "revolução francesa", desta vez onde a base da pirâmide social seja o elo mais forte.

Roberto S Sardeiro

Parabéns Charles, pela sua iniciativa em defesa dos estudantes da UFRB que necessitam transitar para
assistir aulas nos diversos CAMPI -Cruz, Cachoeira, Santo Antonio e Amargosa- principalmente à noite.
A interiorização do ensino superior na Bahia necessita da implementação efetiva e desenvolvimento, o que com certeza acontecerá , contando com iniciativas como esta.

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