César Minto e Marcelo Pagliosa: Suspensão do pagamento da dívida em 2020 é mais do que justa; é necessária

Tempo de leitura: 3 min

Saúde, emprego e renda em tempos da Covid-19

por César Minto e Marcelo Pagliosa*

A Covid-19, pandemia causada pelo novo coronavírus, pode durar meses.

Especialistas alertam que os sistemas de saúde podem ser exauridos.

Economistas advertem que setores produtivos podem entrar em colapso devido ao fechamento do comércio.

Isso tudo impõe um enorme desafio mundial.

Tal desafio demanda que os países invistam muito mais recursos financeiros nas áreas de saúde e pesquisa, sobretudo para priorizar a vida de trabalhadoras/es (formais, informais e sem empregos) e afiançar a subsistência de empresas (principalmente de micros, pequenas e médias), para preservar empregos.

No Brasil, desde a EC nº 95/2016, que travou o investimento nas áreas sociais, os recursos para a saúde pública vêm caindo.

Em 2017, os gastos com a área significavam 15,8% da arrecadação da União, em 2019 apenas 13,5% − cerca de R$ 20 bilhões deixaram de ser investidos na saúde pública. Urge rever tal perda e destinar novos recursos para enfrentar a pandemia.

A Itália é um dos países mais fustigados pela pandemia.

Segundo a OMS, é de 3 a 5 o número ideal de leitos disponíveis para cada mil habitantes.

Por exemplo,  no Japão esse número é 13, na Alemanha 8, na Itália 3,2 e no Brasil 2,4 e com distribuição desigual.

Ou seja, a situação do país é preocupante.

A OMS recomenda de 1 a 3 leitos de UTI para cada 10 mil habitantes e consta que o Brasil tem 2/10 mil habitantes (~ 42 mil).

Um leito de UTI (com cama, respirador, monitor e demais quesitos), com o mercado inflacionado pela epidemia, está custando cerca de R$ 150 mil, fora a manutenção.

Ou seja, para enfrentar a disseminação do novo coronavírus o país necessitará de, no mínimo, mais 21 mil leitos UTI, um investimento da ordem de R$ 3,15 bilhões.

Afora isso, cabe considerar que será necessária ampla infraestrutura logística, que inclui, além dos aspectos citados, a construção de centros médicos permanentes ou hospitais de campanha, uma grande quantidade de kits de testes para detecção, equipamentos de proteção individual, para salvaguardar a saúde dos profissionais da saúde que estarão na linha de frente, e a contratação de pessoal qualificado para a empreitada.

Tudo isso custa muito, mas trata-se de investimento social indispensável. O próprio Ministério da Saúde está prevendo que o impacto do novo coronavírus para o SUS poderá ultrapassar R$ 10 bilhões em custos adicionais.

No mercado de trabalho, já há muitos relatos de demissão de empregadas domésticas e diaristas, que são pessoas com pouca proteção social e sujeitas a ficar sem qualquer fonte de renda.

Cerca de 40% de brasileiras/os trabalham por conta própria e/ou na informalidade, a maioria não subsiste sem ganhos por semanas ou meses. A depender de onde atuam, as pessoas que estão na formalidade também terão seus empregos ameaçados.

No setor econômico, associações de donos de restaurantes alertam que cerca de um terço dos estabelecimentos poderão falir.

Micros e pequenos empresários, em geral com pouco capital de giro, estão aflitos com a perspectiva de fechar parte de seus comércios. Talvez isso atinja até muitas indústrias.

Grandes e médios empresários começam a planejar a contração ou mesmo a suspensão de investimentos e negócios. O horizonte de recessão poderá jogar inúmeros trabalhadoras/es na miséria e inviabilizar muitos empresários, sobretudo micros, pequenos e médios.

No mundo todo, governos buscam soluções. Fatias expressivas de orçamentos nacionais estão sendo destinadas a preservar empregos e negócios, seja para prover parte dos salários de trabalhadoras/es, para garantir renda mínima a desempregadas/os ou para subsidiar setores produtivos.

No Brasil, as ações dos governos têm sido pífias.

Na maioria, apenas adiantam recursos já planejados, por exemplo, antecipam parte do 13º salário a aposentadas/os e pensionistas, ou postergam o vencimento de impostos, financiamentos e contas a pagar.

E, por incrível que possa parecer, poucos novos recursos para a saúde e para a efetiva preservação de empregos.

A atual pandemia exige medidas robustas e ousadas. Migalhas não irão preservar a vida de pessoas que possivelmente serão infectadas pela Covid-19 e nem garantirão empregos e cadeias de produção ora estagnadas.

Cabe aos governos assumirem forte e exemplar protagonismo nessa empreitada cívica.

O orçamento federal executado em 2019 foi da ordem de R$ 2,7 trilhões, sendo que 38% (~ R$ 1,0 trilhão) foi gasto com a dívida, encargos e rolagem.

Só uma ação contundente poderá prover os recursos que o país precisa para garantir a saúde da população e preservar os empregos e a economia.

A suspensão – excepcional – do pagamento da dívida em 2020 é mais do que justa: trata-se de criar as condições efetivas para enfrentar a maior crise que as atuais gerações experimentam em suas vidas!

*César Minto é professor na Faculdade de Educação da USP. Marcelo Pagliosa é professor na Universidade Federal do Maranhão


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Comentários

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Zé Maria

Seria uma boa colocar a Dívida Pública em quarentena e aproveitar o momento para realizar uma Auditoria Independente.

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