Caroni: A geopolítica do crepúsculo

Tempo de leitura: 3 min

A geopolítica do crepúsculo

Gilson Caroni Filho, na Carta Maior

Fala-se que a política externa de um país é a expressão de sua política interna, da dinâmica de forças sociais que expressam um projeto de inserção no cenário mundial. Se for assim, como devem ser vistas as críticas de setores neoliberais que, em sintonia com a retórica de britânicos e estadunidenses, classificam-na como desastrosa, “sem uma avaliação adequada de nossas possibilidades e reais interesses”? A questão é importante, pois revela que, em uma eventual vitória da oposição na eleição de outubro, o Brasil sofrerá um processo de continuidade nessa área. Um lamentável retorno a teses e conceitos de uma geopolítica de vice-reinado.

As declarações de ex-chanceleres do governo FHC denunciam, com toda a clareza possível, a natureza e orientação da subalternidade planejada. Seríamos reduzidos a uma máquina de segurança mercadológica dos produtos exportáveis, relegando a meras cerimônias aspectos substantivos que, nos últimos oito anos, passaram a refletir um país democrático e maduro.

A integração regional soberana daria lugar ao antigo alinhamento com o capitalismo central, recolocando o país no segundo plano do jogo internacional das nações. As diretrizes e os meios de ação desse retrocesso são esboçados no discurso de José Serra e na linha editorial das corporações midiáticas que lhe dão sustentação.

O objetivo é continuar silenciando inspirações e práticas brilhantes que têm origem no pensamento altivo de Araujo Castro e San Thiago Dantas, entre outros. O Itamaraty, como lugar ideal de formulação e execução de políticas soberanas não é compatível com o ideário mercantil dos velhos sedimentos estamentais.

Convém lembrar a história do Brasil, em particular, sua independência. A ruptura dos laços com a metrópole portuguesa, sob o bafejo do capital inglês, não redundou na criação de um Estado nacional de corte burguês. Antes, permitiu que uma oligarquia fundiária e escravocrata articulasse um tipo de dominação senhorial que impôs à emergente sociedade brasileira uma superestrutura política, liquidada apenas no século XX.

A estratégia das nossas elites, desde então, operou no sentido de frustrar a democratização social, realizando a exclusão do povo da cena pública. A construção do Estado Nacional, entre nós, realizou-se sistematicamente com o controle e a manipulação, pelo alto, da intervenção popular. Mesmo as mais notáveis inflexões no processo de constituição e desenvolvimento desse Estado não conseguiram reverter essa tendência. Aliás, todas as vezes em que a ameaça de reversão se fez sentir, como em 1964, as classes dominantes não hesitaram em recorrer à violência.

É por tudo isso que o discurso da direita deve merecer uma atenção especial. Mais do que nunca é preciso motivar a reflexão e a análise de todos. A integridade e a soberania nacional só se fundem em um Estado que expresse os interesses da maioria dos seus cidadãos. Ainda recente e inconclusa, a superação das mais sérias patologias de nossa formação histórica tem sido pedagógica. Aprendemos, em pouco tempo, que a independência de um país só pode se fundamentar na legitimidade do seu regime político e na participação social dos setores organizados.

A política externa multilateralista do governo Lula, por afirmar interesses nacionais, amplia áreas de atrito com grandes potências. Por isso mesmo é alvo da “retórica do medo”, por parte dos que advogam o retorno do alinhamento incondicional com os Estados Unidos, Europa e Japão.

Como os caminhos da política externa são indissociáveis dos rumos das opções internas, ficam claras as marcas constitutivas das frações de classe que apóia a candidatura de José Serra: subalternidade nas relações internacionais e retomada, no âmbito interno, de políticas excludentes. Nas frestas de velhos pactos coloniais, o retrocesso sempre se apresenta como crepúsculo e destino.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil


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Comentários

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Luiz Moreira

Pessoal! bom seria lerem o livro "A armadilha da globalização". Entrando com o titulo no GOOGLE, vão ver um site com nome dissidentex.wordpress.com, onde os eleitores serristas vão ver a droga das propostas de globalização. Emprego previsto 20×80. O 80 são os desempregados. A Europa está tremendo com a visão de desemprego em massa. Seria bom para abrir a cabeça do TIAGO. Leia e depois pense nas propostas neo-liberais de globalização.

francisco.latorre

capítulos de história colonial – capistrano de abreu
http://kfz-capistrano.blogspot.com/

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Tiago

Com todo o respeito ao articulista e aos demais leitores, discordo de praticamente tudo o que está escrito.

Vincular a política externa do Brasil a interesses ideológicos, como é o caso do atual governo, é simplesmente desastroso.

O articulista expoe argumentos contrários à política do "sim, senhor" automático para os EUA; e o "NÃO" autómatico, por acaso, é aceitável?

O articulista defende um governo que ele chama de "democrático". Por acaso, Cubã, Irã, ditaduras africanas, são "democráticas", como o autor do texto deseja que o Brasil seja?Não podemos desejar que os povos desses países sejam livres? Não, segundo escreve o autor. E devemos nos aliar a governantes bufões e megalomaníacos, porque eles se opõe ao "império". É de dar dó.

Achei muito corajosa a atitude do Lula no caso do Irã e em Honduras, por exemplo; mas um negociador que defende um lado perde toda a credibilidade. Nossa chancelaria não conseguiu se ocupar da atual questão Colômbia-Venezuela, e quer palpitar sobre o Oriente Médio…

Se esse viés ideológica suplanta a defesa dos direitos humanos,na visão do articulista, só posso discordar de sua opinião.

Obrigado.

carlos hely

Quando o mundo vivia na idade negra onde as pessoas eram ignorantes e a igreja catolica dominava pelo medo do pecado, o mundo ainda vê no Brasil um país de ignorantes e sem letramento e pretendem impor medo, eles ainda acham que vão conseguir. O Brasil mudou e o povo brasileiro está amadurecendo, chegou a nossa vez!

Ed.

Estes abaixadores da diplomacia descalça esquecem que, diferentemente do antigo contraponto da URSS, potência militar e científica (apenas), sem investimentos sustentáveis, já está chegando aí uma outra que:
Tem tanto ou mais história que qualquer país existente.
Tem ciencia e tecnologia sustentável.
Já é a segunda e será a primeira potência econômica em alguns anos.
Tem o maior mercado doméstico do mundo.
É capitalista.
É comunista.
Tem a maior população do planeta.

Fernando Marques

“… O alinhamento incondicional com os Estados Unidos, Europa e Japão…” é o sonho da direitona brasileira. Afinal, no capitalismo, se todos começarem a produzir, quem vai consumir?

A direitona é herdeira dos exploradores extrativistas, bandeirantes e outros sanguessugas que abundavam no período colonialista, e sempre acreditou que país rico em minerais, matérias primas e cobertura vegetal não precisa produzir para gerar e, principalmente, distribuir riqueza (aliás distribuir pra que? Desde que eles fiquem ricos, basta).

Já os plantadores de cana de açúcar, café e outros produtos sempre fizeram parte daqueles que acreditam na produção como forma de se gerar e distribuir riqueza (embora também gostem mais do gerar do que do distribuir).

A subordinação aos interesses destas potências corre no sangue destes entreguistas, do qual o PSDB se aproximou, e faz questão de representar nas instituições do poder nacional.

Entregar, pelo voto, o poder a este grupelho é entregar a soberania nacional. Fora Serra e sua indissociável camarilha!

    tst

    Concordo com seu comentário, exceto pelo "distribuir riquezas" dos plantadores de café e cana e outros…
    Além de igualmente geradores, foram também concentradores de riqueza e escravagistas. Mesmo os imigrantes europeus foram submetidos à exploração (conheci uma senhora japonesa que foi semi-escrava).
    A diferença é que os europeus não vieram de tribos indígenas ou africanas…
    Hoje substituem os escravos por mecanização, para continuar mantendo a máxima eficiência na manutenção de seus ganhos e riquezas. Pelo pode econômico, organizaram as oligarquias que até hoje ainda persistem por aí.
    A diferença (positiva) deles para os extrativistas é a palavra "produção", ao invés de "extração" (predatória).

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