Carlos Ocké: Devagar com o andor, o santo é de barro!

Tempo de leitura: 3 min
Fotos: Cézar Ogata/Secom Prefeitura de SP, Qualicorp e rede social

DEVAGAR COM O ANDOR, QUE O SANTO É DE BARRO!

Por Carlos Ocké*

“Três verdades incontornáveis sobre a saúde no Brasil passaram pela CPI: a rede pública é subfinanciada, o setor privado é predador e há disparidades sociais que fazem a vida de uns valer menos que a vida de outros” (Mário Scheffer, As verdades da CPI sobre a saúde no Brasil, Estadão, 29 de outubro de 2021) [1]

Em 2022, provavelmente, o Partido dos Trabalhadores disputará as eleições presidenciais contra a extrema direita.

Será fundamental elegermos Lula, organizando uma frente democrática com ampla mobilização popular, capitaneada pela oposição de esquerda.

No entanto, depois do golpe jurídico parlamentar contra Dilma e da prisão de Lula, em nome da futura governabilidade, o pragmatismo de outrora não pode nos cegar.

O SUS, por exemplo, é inegociável: saúde é um dever do Estado e um direito do cidadão.

Isso não deveria ser figura de retórica entre lideranças, dirigentes e parlamentares do PT.

Reconhecemos a firmeza ética do companheiro Haddad, mas, em sendo verdadeira a notícia (veja PS do Viomundo), não entendemos o que fazia o CEO da Qualicorp [2], Bruno Blatt, nas negociações do partido sobre a sucessão do governo de São Paulo [3] 

De um lado, os empresários da saúde ganham fortunas (Gráfico 1), capturam a agência reguladora (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e não perdem a chance de lucrar com a doença: os casos relatados na CPI da Covid, em particular sobre a Prevent Senior, não deixam dúvidas acerca dos abusos e horrores praticados pelo setor privado de saúde.

De outro, a Qualicorp é expressão concreta do processo de financeirização do setor, [5,6] movimento que favorece a mercantilização do SUS e a privatização do sistema de saúde, bem como faz parte de um fenômeno global, que tem produzido no Brasil fome, pobreza, desigualdade e desemprego.

Tendo em mente os interesses do país, no plano econômico, um debate realista com os donos de planos, hospitais, organizações sociais e laboratórios, passa necessariamente por cinco questões:

(i) a presença do capital estrangeiro;

(ii) a desmercantilização do SUS;

(iii) o fortalecimento do Estado no complexo econômico-industrial-digital da saúde;

(iv) a redução dos gastos das famílias e dos trabalhadores com bens e serviços privados;

(iv) o fim dos subsídios [7].

Afinal de contas, há anos as pesquisas de opinião vêm apontando a saúde como o principal problema dos brasileiros.

Desse modo, a partir do legado da reforma sanitária brasileira, ou o PT assume o compromisso (i) de fortalecer o padrão de financiamento público, revogando o teto de gasto e promovendo uma reforma tributária que incida sobre os super-ricos, (ii) de aumentar os recursos das ações e serviços públicos de saúde (iii) e de acabar com o parasitismo do mercado sobre o SUS, ou a universalidade e integralidade da Constituição Cidadã de 1988 se tornarão cada vez mais letra morta com graves consequências sobre as condições de vida e saúde da população.

É um desafio gigantesco e precisamos acumular força política e ideológica, mas será um erro tático e estratégico tratar a saúde como moeda de troca.

Temos que dialogar com todas e todos interessados em superar o neoliberalismo e derrotar o bolsonarismo, priorizando as demandas das classes populares e médias, que, durante a pandemia, passaram a ter certeza de que daqui para frente o melhor plano de saúde é o SUS.

*Carlos Ocké é economista, ex-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) e militante do COLETIVO LUTA SAÚDE (PT-RJ).

PS do Viomundo: A notícia publicada por Veja e reproduzida por vários veículos é que o ex-deputado Gabriel Chalita promoveu um jantar de aproximação entre Fernando Haddad e Geraldo Alckmin — com as esposas — na cobertura do CEO da Qualicorp, Bruno Blatt. Para Chalita, que tem atuado como consultor de Blatt, a oposição a Rodrigo Garcia e João Doria poderia unir a dupla em 2022.

[1] https://politica.estadao.com.br/blogs/diario-da-cpi/verdades-sobre-a-saude-no-brasil/.

[2] Cujo fundador, José Seripieri Filho, segundo a Polícia Federal, esteve no topo da cadeia criminosa, que envolveu supostos repasses ocultos de R$ 5 milhões para a campanha do tucano José Serra (PSDB) ao Senado em 2014 (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/07/21/serra-e-fundador-da-qualicorp-estao-no-topo-de-cadeia-criminosa-diz-pf.htm?cmpid=copiaecola).

[3] https://veja.abril.com.br/blog/radar/o-jantar-de-fernando-haddad-e-geraldo-alckmin-em-sao-paulo/.

[4] OCKÉ-REIS, C.O.; MARTINS, N.M; DRACH, D.C. Desempenho econômico-financeiro das operadoras líderes do mercado de planos de saúde (2007-2019). Rio de Janeiro: Ipea, 2021. (Nota Técnica, n. 96 ).

[5] SESTELO, J.A.F. Planos de saúde e dominância financeira. Salvador: EDUFBA, 2018 (ver p. 254-270).

[6] LAVINAS, L.; GENTIL, D.L. A política social sob regência da financeirização. Novos Estudos Cebrap, v. 37, n. 2, p. 191-211, 2018.

[7] Com tendência de alta, os subsídios destinados aos planos de saúde somaram aproximadamente R$ 20 bilhões em 2018. Ver OCKÉ-REIS, C.O. Avaliação do gasto tributário em saúde: o caso das despesas médicas do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Rio de Janeiro: Ipea, 2021. (Texto para Discussão, no prelo)


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Comentários

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Zé Maria

Excerto e Adendos

Segundo o deputado [Patrus Ananias (PT=MG), o programa de Guedes/Bolsonaro] que prevê substituir [extinguir] o Bolsa Família,
“mostrou-se inócuo, fragmentado e sem lastro”, com várias
deficiências, entre elas a “falta de definição da população
beneficiária”, pois não esclarece o que significa ser família
em condição de extrema pobreza ou em condição de pobreza.
“Sem essa definição é impossível saber quais e quantas famílias
serão atendidas”, explica …

“Além disso, o texto é inconstitucional, pois não demonstra de onde sairão
os recursos orçamentários e financeiros. E também não define os valores
que cada família irá receber, tampouco os reajusta”,
afirma Patrus.

Christian Fernandes

Devagar, sim, mas cuidado com essas fotos: a do Haddad + Chuchu é de 2013, não de agora.

    Conceição Lemes

    Obrigada, Christian. A foto do encontro atual é da Veja. Não sabia que a que usamos é de 2013. Obrigada. abs

Edgar Rocha

Parabéns ao Haddad. Mais uma vez não vou votar nele. Votei pra presidente na base do “não tem tu”. Mas pra prefeito no segundo mandato e agora, nem pensar. Não dá pra confiar em alguém que costura com o fascista maldito, cruel e bebe-quieto do Alckmin. E eu ainda não engoli a postura do Haddad que me fez anular o voto pra prefeito: dizer que funk de rua é manifestação cultural e que ocorre porque o jovem da periferia não tem espaço pra exercer seu direito de expressão é de matar. Sobretudo porque não teve nada que fizesse a prefeitura cuidar dos espaços públicos na minha região (Itaquera). Praças foram tomadas, invasões bancadas pelo PCC ocorreram e o cidadão ficou no vácuo, denunciando sem que nada acontecesse.
E a cereja no bolo: ouvir o Haddad dizer que seria melhor que cada região pudesse eleger seu subprefeito. Assim, o prefeito vira a rainha da Inglaterra. Menos até, já que não servirá pra nada além de costurar acordos com oposição pra poder governar. Bonito isto.
Minha vontade é que alguém colocasse um paredão de funk na porta da casa da mãe do candidato e a fizesse escutar uma madrugada inteira a seguinte maifestação cultural:
“Tá estressado? Vai dar o cu que passa!”
“Meu vizinho na quebrada tem um nome: zé povinho!”
Se eu conheço bem o tipo deste intelectual da USP, logo, logo ele ia chamar de tortura, dizer que tudo tem limite e que não se pode confundir liberdade com abuso. Coisa e tal. Guardo esta raiva pro dia em que o Haddad aparecer no meu bairro pra fazer campanha. Ele que vá pedir voto pros caras do PCC e pros milicianos do Alckmin.
Depois não adianta chamar o “zé povinho” de reaça. Nunca votei no PSDB nem no Alckmin. Também não voto em quem está com eles por questão de classe social.
Pra este poste do Lula, se ele não vê, não é demanda. E a polícia deve tratá-lo muito bem. A ele e a estes pragmáticos do PT. Quisera eu que a pauta entre ele e o Alcknib fosse só os planos de saúde. Tenho certeza que não é.
Minha raiva do Haddad é tanta que chego a ter vontade de fazer campanha contra. O que me impediu até agora foi minha raiva maior do PSDB. E pelo jeito, já não vou ter mais pretexto pra “contemporizar”.

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