Argélia, um 3 de julho para não ser esquecido

Tempo de leitura: 2 min

Argélia, um 3 de julho para não ser esquecido.

por Gilson Caroni

Há quatro anos, quando esteve na Argélia, Lula agradeceu ao povo argelino “por ter acolhido muitos brasileiros, obrigados a sair do país durante o regime militar“. Tempos depois, ao declarar”que o continente africano não quer mais colonização, e sim cooperação”, o presidente brasileiro reiterou o lugar ocupado pela África em uma política externa que, tanto no âmbito propriamente político quanto no relacionamento comercial, tem na soberania dos povos sua marca clara, nítida, inconfundível.

De fato, desde o início do processo de descolonização, as principais lideranças do continente pugnam por uma ordem internacional diferente, mais justa, que permita aos que se libertaram do jugo colonial assumir o papel de sujeitos ativos do seu próprio desenvolvimento. E esse ponto nos remete a uma data especial, rica em simbolismos políticos por seu caráter quase inaugural.

Há exatos 48 anos, em 3 de julho de 1962,  a nação argelina se tornava independente, após mais de um século de submissão ao colonialismo francês. A guerra travada entre a resistência patriótica e forças colonialistas devastou o país, passando para a história como uma das mais sangrentas de toda a era contemporânea. Na luta, durante oito anos (1954-1962), perderam a vida mais de um milhão de pessoas. Reavivar esses dias é comemorar a vitória contra a tirania colonial, é desmentir a crença, generalizada e falsa, de que momentos constituintes na vida de um povo são idealizações impossíveis.

Os setores mais conservadores da França nos anos 50 não estavam dispostos a perder a colônia argelina, após a retumbante derrota sofrida na Indochina, em 1954, justamente o ano em que se inicia a luta armada liderada pela Frente de Libertação Nacional (FLN). O descontentamento, através de uma violência incomum, refletia a inviabilidade de alternativas políticas que permitissem alcançar quaisquer formas aceitáveis de governo autônomo ou de administração dos próprios destinos.

Jean Paul-Sartre, o filósofo existencialista, escreveria que o “nacionalismo argelino não é a simples retomada de antigas tradições ou conhecidas afeições. Ele é o meio de que eles dispõem para fazer cessar sua exploração”. Sartre, um dos muitos franceses progressistas a apoiar, incondicionalmente, a revolução argelina, com certeza enxergava na ação da FLN um “alargamento do possível”, um fenômeno que se impunha como escolha livre, porém “situada”.

A guerra sangrou o país, desestruturando sua economia. Além disso, a emigração maciça após a independência (milhares de pessoas abandonaram a Argélia quando o governo provisório da FLN assumiu o poder) prejudicou sensivelmente o processo de reconstrução e edificação do projeto socialista.  Embora os resultados iniciais tenham sido satisfatórios na educação e habitação, muitas promessas não se concretizaram. Com 34 milhões de habitantes, o segundo país da África conheceu vários períodos de instabilidade política desde a conquista da soberania política.

Hoje, um em cada dez trabalhadores está desempregado e 95% das exportações estão concentradas em petróleo e gás. A diversificação da economia é o grande desafio para o governo de Abdelaziz Bouteflika no momento em que é retomado o processo de reconstrução do país.

Há muito a ser feito além dos acordos de cooperação conjunta firmados na visita presidencial. As carências na área de infraestrutura, sobretudo na geração de energia e na construção civil, podem ser supridas pelo incremento da política Sul-Sul do Itamaraty. Ao empresariado brasileiro há várias portas de entrada para o mercado africano. Aos argelinos, a possibilidade de descobrir no Brasil o parceiro desejável para consolidar as promessas de um 3 de julho inacabado. Um devir que abraça dois continentes.


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Comentários

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Moacir

Amigos:
Estive na Argélia no ano de 2001, participando do Festival Mundial da Juventude Democrática, que acontece de 04 em 04 anos. Das impressões que pude colher, lembro de um povo muito inteligente, estudado, acolhedor, do respeito que os argelinos tinham com nossa delegação brasileira, do trânsito um pouco bagunçado, assim como a arquitetura (meio francês, meio árabe), com poucos idososo e muita população na fase adulta (talvez fruto dos mortos na luta pela independência) e de um museu que conta toda a história da formação da Argélia desde os primórdios, passando pela luta contra a França. São quatro andares, projetados pelo Oscar Niemayer, lindo mesmo. Também conheci a Univerdade, que inclusive nos hospedou (e às delegações da AL inteira) e que também é obra do Niemayer. Enfim, um belo país, cuja história emociona. Assistam "A Batalha de Argel".

Sérgio C Morales

Há quem queira, hoje em dia, as "negociações" entre palestinos e israelenses em condições extremamente desfavoráveis para os palestinos. Se os palestinos não se submetem as estas "negociações" com os colonialistas sionistas, vindos da Europa, são chamados de terroristas. Terrorista era a denominação que o colonialismo francês, há mais de um século na Argélia (Israel não tem nem 70 anos), atribuía à resistência nacional argelina. Como Sartre, então, em relação à Argélia, hoje, apoio INCONDICIONALMENTE a resistência palestina contra o sionismo.

O Brasileiro

Os líderes das "grandes potências" deveriam aprender a diferença entre dominar e conquistar.
Evitaria a morte de muitos garotos em seus suntuosos exércitos!

Jairo_Beraldo

Uma pena que argelinos como Zinedine Zidane, foram vestir a camisa do país que oprimiu e massacrou seu povo. talvez tenha sido por isso que o tempo fez com que sua carreira fosse encerrada de forma vergonhosa, em uma agressão ao adversário e expulsão do campo de jogo…tal qual o país que defendia fez com sua terra natal.

Lucas Cardoso

Um em cada dez trabalhadores é desempregado? 10%?

O índice de desemprego nos EUA é quanto? 9,5%.

E a Europa? 10% é o mínimo.

A Argélia tem taxa de desemprego de primeiro mundo.

Marat

Amigos, quem ainda não assistiu, deve assistir urgentemente: A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo – Filmaço!!!!!!!!!

Roberto Locatelli

A mesma França que massacrou a Argélia votou a favor de sanções ao Irã.
Só lembrando: a França tem bombas atômicas.

    Marat

    Os países que se dizem sérios, com respaldo da impren$$$a oficial é que ditam quem é bonzinho, quem é malvado, quem pode roubar, quem pode assassinar, quem pode roubar petróleo etc… e ainda tem muita gente no Brasil que bajula esse povinho malaco da Europa e EEUU…

anarquista

Zidane para presidente da Argélia!

Gerson Carneiro

Gente, lembrei de um filme ótimo envolvendo esse tema: "Dias de Glória".
Drama – Direção: Rachid Bouchareb – Ano: 2006
Aí está o trailer.
[youtube GsudiuhL7UE http://www.youtube.com/watch?v=GsudiuhL7UE youtube]

Ed.

Enquanto "abaixadores" chics de nossa diplomacia Waackiana da Globo News declaram, a obviedade Nelson Rodriguiana de que "manda mais quem pode mais"… (oooh!), li em algum lugar que o Reino Unido, conservador, declarou que vai aumentar o foco de suas relações para países emergentes e de terceiro mundo, ou seja: estão começando a seguir a "doutrina Lula, hehe

Gerson Carneiro

Argélia não é do Kadafi?
Lembro ainda quando garoto os EUA atacando Trípoli com F-14 e matando a filha bêbe do Kadafi.
Tem uma letra do Djavan que me remete ao povo da África, que é:

Kinshasa, beirute
maranhão
o negro que lute
pra poder sonhar
em mudar isso aqui
o poder tem tantas mãos
e só sabe mentir
quanto mais se diz
e mais o povo quer
eleição
ninguém esperava ver
a terra estremecer
com o apartheid
deus salve soweto
subtrai do calor
do gueto
em cada canto do mundo
meu amor
com tantos assuntos
e eu a te adorar
absurdo seria
não pensar que é normal
se armar todo dia
para combater o mal
o povo votaria
e assim eu amarei
a serra, a mar é
o litoral
deus salve soweto
subtrai de governo
os que trairão,
esses não
já tem gente demais
a querer mandar
o povo quer florescer
e ganhar a vida.
Soweto – Djavan

    Jorge Nunes

    Não o Kadafi é o presidente da Líbia. A Argelia tentou organizar uma república mais ou menos francesa… acho que estão tentando.

    Gerson Carneiro

    Ah é, verdade. Tem um filme ótimo sobre esses fatos chamados "Dias de Glória".

    É a história de soldados argelinos recrutados pelo governo francês durante a Segunda Guerra Mundial, que lutaram em território francês contra os nazistas.

    É um drama baseado nessa história real. Inclusive filmado em 2006 na França, Marrocos, Argélia e Bélgica.

    São recrutas de origem humilde, muitos analfabetos que se entregam à defesa do que eles chamam de "pátria-mãe". Mas, apesar da determinação e do êxito, o reconhecimento pelo empenho é nulo.

    Assista. Vou até vê-lo novamente.

    Leider_Lincoln

    Deve ser por isso que os berberes (cabilas, sobretudo) passam a gato entre a maioria árabe. Seria mais interessante algo menos repressivo com as minorias…

    Leosfera

    Kadaffi é da Líbia, não?

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