Antonio Corrêa de Lacerda: O uso do “empobreça o seu vizinho”

Tempo de leitura: 3 min

Câmbio, competitividade e a OMC

por Antonio Corrêa de Lacerda*, no Estadão

Na semana que passou o Brasil conseguiu um importante passo no âmbito das relações econômicas internacionais, ao conseguir adicionar a temática cambial na pauta dos temas de discussão na Organização Mundial do Comércio (OMC), conforme reportou Jamil Chade, correspondente deste jornal (“OMC discute ‘guerra cambial’ a pedido do Brasil”, OESP, 11/05/2011, p.B-9).

É verdade que o fato de introduzir o tema na agenda não garante resultados, muito menos imediatos, como reconhece o embaixador brasileiro na OMC Roberto Azevedo. Há países contrários à inclusão do tema, como os EUA e , principalmente, a China.

A discussão do assunto no âmbito dos órgãos multilaterais é oportuna e o governo brasileiro faz bem em tomar esta iniciativa, que deve também se estender ao G-20 e FMI (Fundo Monetário Internacional). A economia mundial apresenta um quadro de desordem monetária e cambial, especialmente agravada depois da crise de 2008/2009. Desvalorizações cambiais, assim como emissões de  moeda, com fez no final do ano passado o FED (Federal Reserve), têm provocado distorções na competitividade internacional. As taxas de juros muito baixas nos EUA, Europa e Japão têm estimulado um brusco reposicionamento dos portfólios. A operações carry trade, a arbitragem entre taxas de câmbio e de juros, desloca fluxos de capitais para países que praticam taxas de juros mais altas, o que provoca a valorização das suas moedas.

Do outro lado, a China definiu há décadas uma estratégia de cambio desvalorizado, o que reluta em alterar,  como fator principal da sua competitividade. Isso é também agravado por práticas desleais na produção e comércio internacional, como desrespeito às patentes e propriedade intelectual, meio ambiente, utilização do ‘dumping social’ e outras distorções.

Diferentes análises internacionais apontam para o Yuan chinês subvalorizado em cerca de 40% relativamente ao Dólar norte-americano, enquanto que o Real está sobrevalorizado em cerca de 20%. Isso, na prática, significa que somente pelo aspecto do câmbio, o custo de um produto fabricado na China, expresso em dólares norte-americanos que é a base de comparação internacional, é cerca de 60% menor que o produzido no Brasil, sem considerar os outros fatores de competitividade.

Muitos outros países tem se aproveitado da conjuntura para fortalecer sua posição competitiva desvalorizando sua moeda como fator de incentivo às exportações e de proteção à produção doméstica. É uma forma de criar um antídoto para os efeitos da crise, visando principalmente a retomada da atividade, assim como preservar emprego e renda, na linha ‘empobreça seu vizinho’.

Todas as disparidades apontadas transformam as negociações comerciais no âmbito multilateral uma verdadeira peça de ficção. O nível de alíquotas de proteção aduaneira, nas quais se baseiam as rodadas de negociação, são amplamente superadas pelos artifícios monetários e cambiais.

A OMC (Organização Mundial do Comércio) sucedeu ao GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, na sigla em inglês), em 1995, no auge da globalização, incorporando vários novos temas correlatos ao comércio internacional. Isso a diferencia das instituições criadas a partir da Conferencia de Bretton Woods (1944), como o FMI e o Banco Mundial,  que permaneceram basicamente com os mesmos instrumentos desde quando foram criados, apesar da enorme transformação da economia mundial nas últimas três décadas, agravadas recentemente com os efeitos da crise.

No entanto, a problemática cambial e os temas macroeconômicos ainda representam verdadeiro tabu, na agenda das negociações internacionais. A emergência da China e o seu peso na economia mundial é outro aspecto que requer uma mudança de abordagem.

Ainda no âmbito das negociações internacionais prevalecem temas não solucionados como os subsídios praticados pelos europeus e o protecionismo do mercado norteamericano, que são de grande relevância para os países que pretendem aplicar sua participação naqueles grandes mercados.

O Brasil faz bem em protagonizar a discussão do tema cambial nos órgãos multilateriais, assim como reiterar as demais distorções. Faz-se necessário uma nova ordem econômica internacional que regule tanto os aspectos macroeconômicos, como a questão cambial, assim como as demais disparidades nas práticas de comércio.

Isso, no entanto, não nos exime de conduzir e impelementar uma agenda interna a ser trabalhada. Vários dos fatores de competitividade sistêmica, como tributos, custos de administração, logística e infraestrutura, são maiores no Brasil que nos demais países, como atestam vários rankings internacionais. Além disso, os aspectos macroeconômicos fundamentais como câmbio e juros precisam levar em conta o cenário internacional e serem adequados à nova realidade.

Também será oportuno fomentar as políticas de competitividade (políticas industrial, comercial e tecnológica/inovacional), para fortalecer e criar novas competências. Este é o desafio da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP 2), ora em elaboração pelo governo.

Antonio Corrêa de Lacerda, economista, doutor pelo IE/Unicamp, professor-doutor  da PUC-SP e da Fundação Dom Cabral (FDC), é autor, entre outros livros, de “Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil” . E mail: [email protected]


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Rios

Praticamente mais nada é produzido nos EUA. A dependencia deles do gigante asiatico é brutal. Minha esposa compou um óculos de uma grife americana, em uma loja americana muito famosa e cara, em NYC, e lá (no óculos) em letras miudas está escrito made in china!!! como eu não acredito que ele vendam piratex em plena 5th avenida, acho que as coisas estão indo de mal a pior. um absurdo.

Júlio

"Diferentes análises internacionais apontam para o Yuan chinês subvalorizado em cerca de 40% relativamente ao Dólar norte-americano, enquanto que o Real está sobrevalorizado em cerca de 20%. (…) o custo de um produto fabricado na China, expresso em dólares norte-americanos (…), é cerca de 60% menor que o produzido no Brasil(…)"

Não sou ecomista, mas fiquei com uma dúvida. Digamos:
– Dólar = 1
– Yuan chinês = Dólar – 40% = 0,60 Dólar
– Real = Dólar + 20% = 1,2 Dólar
– Real X Yuan chinês = 1,2 Dólar X 0,6 Dólar = 100% (produto brasileiro custa o dobro, ou o chinês custa metade, como queiram).

Não?

Como disse no início, sou leigo… fiquei curioso mesmo, pois o autor é economista…

Saudações,

augusto

Em paralelo: tem coisa muito seria 'pendurada' no tema de uma materia de hoje do blog de PHA, o Convers afiada. O Titulo eh: Palocci, voce "tem que dizer quem sao os teus clientes ". isto é os clientes da consultoria que ele tinha ao entrar no Ministerio, ano passado.
Serio, sim porque é o caso de lembrá-lo e lembrar a presidenta Dilma que ninguem menos que Henry kissinger
foi sim, forçado a recusar o cargo de Presidente da famosa Comissão de Investigaçao de 11 de Setembro,
porque umas pequenas associaçoes de parentes das vitimas do 11/9 EXIGIRAM isso publicamente. E nao teve jeito. Quatro dias depois de escolhido pelo psicopata George bush para presidi-la, ele renunciou…
E assumiu no lugar dele Phillip Zelikow, alias amigão de velha data da Condoleeza Rice.
E porque? conflito de interesses, e petrofilia explicita entre outros fatores.
presta atençao, palocinski, teu caso nao é do mesmo tipo?

Klaus

De olho numa vaga no Conselho de Segurança da ONU o Brasil reconheceu a China como economia de mercado.

    augusto

    Nao, foi foi ratificado ainda pelo congresso.

Ronaldo

O Brasil é atuante nos organismos internacionais na defesa de seus interesses. Quando ganha perdoa o oponente e quanto perde faz beicinho.

Enquanto isso o mundo se lambuza nas nossas taxas de juros (a economia aqui tem regras próprias diferentes dos demais países!) e nos engole através de artifícios que alteram a relação do câmbio (que "nós" achamos ser pecado mortal).

E queremos ser membros do Conselho de Segurança. Primeiro precisamos aprender a atuar na arena.

monge scéptico

O BRASIL sempre prima pela legalidade de ações nessa e outras questões e, busca
sempre os forums legais; OMC etc. Só que śo toma FUMO. Toda vez que reclama em
geral tem razão aí a outra vai tomar "providências" mas aí já houve prejuizo, que não
sabemo se redunda em ressacirmento.
temos que fugir do legal as vezes, para atraí-los para ações legais.
ATÉ TU CHINA?

Valdeci Elias

Por quanto tempo, a China, vai aguentar crescer ,sem dividir com sua população ? Afinal, o mundo, não é feito só de economistas . Falta de liberdade, e de trabalho escravo podem alterar alguma coisa no futuro da china .

urbano

Quem te viu e quem te vê

Palmas

A frase é oportuna do professor: Empobreça seu vizinho é recorrente nas transações comerciais enre países.O próprio Mercosul acaba de complentar 20 anos, mas volta e meia temos "intensos" debates no comércio Brasil-Argentina.Esses organismos de regulação são fechados a temas que mexam com os "grandes" do comércio mundial.Protecionismo começa em casa para eles.O Brasil sofre com desmandos dos governos ao longo de sua história, onde "aparecer" para a mídia e fazer negociatas com o dinheiro público é notório na política brasileira. Um comentarista da aldeia global outro dia disparou sobre as obras públicas(incluindo o PAC):" o governo pensa que nos engana, e nós realmente subfaturamos as obras.O capital não tem pátria, e, sobreviver é preciso(para eles).

Roberto Locatelli

China e EUA são muito parecidos. São a favor de passar com trator sobre o planeta. Isso lembra muito o Serra.

Deixe seu comentário

Leia também