Antonio Corrêa de Lacerda: O pseudo subsídio do BNDES

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BNDES, transparência e pseudo subsídio

* Antonio Corrêa de Lacerda

A atuação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem sido alvo de uma série de questionamentos, especialmente no que se refere a um alegado subsídio embutido nos empréstimos ao setor privado.

O foco tem sido nos aportes realizados pelo Tesouro Nacional ao banco, envolvendo nos últimos dois anos um montante de R$ 180 bilhões. Como a taxa de juros cobrada pelo BNDES aos empréstimos é pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), atualmente em 6% ao ano, e a dívida pública é regida principalmente Selic (Taxa básica de juros, definida pelo Copom-Comite de Politica Monetária), hoje em 10,75%, a diferença se configuraria em um subsídio ao setor privado.

No entanto, a questão não é assim tão simples. Aparentemente haveria na operação uma diferença de 4,75 %, que se configuraria em  subsídio da ordem de R$ 8 bilhões ao ano a ser coberto pelas contas públicas. Mas o raciocínio aqui tem que ser dinâmico e não estático. Mais econômico do que contábil.

O primeiro ponto a ser destacado é que se  trata de empréstimos de longo prazo, de 30 ou mais anos. É muito pouco provável que a diferença atual entre Selic e TJLP prevaleça nesse longo período. A tendência é que elas se aproximem, pois as taxas de juros básicos devem ser reduzidas.

Segundo, vale analisar o papel dos bancos públicos. Eles existem como atividade de fomento, financiando investimentos em infraestrutura, indústria e agropecuária, algo que os bancos privados nem sempre estão dispostos a fazê-lo. Outro aspecto importante é que, no mundo cada vez mais globalizado, nossas empresas concorrem com outras, que têm condições de financiamento incomparavelmente mais favoráveis.

Empresas sulcoreanas e chinesas, por exemplo, contam com financiamentos públicos a custo praticamente zero e têm as suas atividades apoiadas com subsídios e incentivos porque são vistas como estratégicas para o desenvolvimento e inserção internacional destes países.

A questão é que as altas taxas de juros praticadas no mercado doméstico brasileiro inibem os investimentos produtivos. Elas são um verdadeiro convite ao ócio. Porque alguém investiria na produção para ganhar menos do que receberia adquirindo títulos da dívida pública, sem muito esforço e quase sem risco. Os próprios bancos privados tendem a não se interessar por operações de crédito, porque é muito mais cômodo e seguro financiar o Estado. No Brasil, os bancos públicos também têm a função de corrigir parcialmente essa anomalia.

Mas as contas públicas também são favorecidas com o resultado das operações realizadas pelos bancos públicos. Primeiro porque há um efeito multiplicador dos investimentos, que vamos considerar, de forma conservadora, da ordem de 2 vezes. Os R$ 180 bilhões adicionais de capacidade de empréstimos do BNDES geram potencialmente R$ 360 bilhões de atividade econômica, que propiciam uma receita tributária da ordem de R$  72 bilhões, considerando, também de forma bastante conservadora, um carga tributária média de 20%.

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O segundo aspecto é que a atividade do BNDES é lucrativa. Somente em 2009 gerou o lucro líquido de R$ 6,7 bilhões, depois do pagamento de Imposto de Renda. O Tesouro Nacional é beneficiário de grande parte desse lucro, na forma de dividendos.

Um terceiro ponto, de difícil mensuração é o custo da não realização de investimentos. O BNDES praticamente dobrou a sua participação no financiamento de investimentos na infraestrutura e indústria nos últimos quatro anos, de 21%, em 2005, para quase 40% do total, em 2009. Se não houvesse o apoio dos bancos públicos muitos projetos não seriam realizados, especialmente na infraestrutura, representando uma restrição ao crescimento da atividade, do emprego, da renda e da receita tributária. Algo danoso para o país.

Ou seja, não há subsídio nas operações do BNDES, nem no conceito clássico da OMC (Organização Mundial do Comercio), porque os juros praticados, embora mais baixos do que a média do mercado brasileiro ainda estão muito acima dos concorrentes internacionais, nem representam ônus para as contas publicas, uma vez que a receita gerada para o governo, supera em muito o custo implícito na operação.

A crise internacional deveria ter ressaltado o papel crucial desempenhado pelos bancos públicos no Brasil, que representaram um importante instrumento de política macroeconômica anticíclica. Foi um determinante contraponto à escassez de crédito de financiamento e, portanto, um dos principais fatores que diferenciaram a economia brasileira de outros países em desenvolvimento que não puderam contar com instrumentos equivalentes.

Não deixa de ser curioso observar que os defensores da hora do erário público e da transparência, no que se refere ao suposto subsídio dos empréstimos públicos ao setor privado, jamais tenham proposto o mesmo procedimento para o custo de financiamento da dívida pública. Os juros reais mais elevados do mundo geram uma despesa pública anual de 5,5% do PIB (Produto Interno Bruto), algo próximo de R$ 160 bilhões ao ano. Uma transferência enorme renda de toda a sociedade para o setor financeiro e os rentistas, extremamente vulnerável às “expectativas” de inflação e de juros, que acabam influenciando fortemente as decisões do Copom!

*Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e ex-presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia) e da Sobeet.

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