Antonio Corrêa de Lacerda: O pseudo subsídio do BNDES

Tempo de leitura: 3 min

BNDES, transparência e pseudo subsídio

* Antonio Corrêa de Lacerda

A atuação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem sido alvo de uma série de questionamentos, especialmente no que se refere a um alegado subsídio embutido nos empréstimos ao setor privado.

O foco tem sido nos aportes realizados pelo Tesouro Nacional ao banco, envolvendo nos últimos dois anos um montante de R$ 180 bilhões. Como a taxa de juros cobrada pelo BNDES aos empréstimos é pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), atualmente em 6% ao ano, e a dívida pública é regida principalmente Selic (Taxa básica de juros, definida pelo Copom-Comite de Politica Monetária), hoje em 10,75%, a diferença se configuraria em um subsídio ao setor privado.

No entanto, a questão não é assim tão simples. Aparentemente haveria na operação uma diferença de 4,75 %, que se configuraria em  subsídio da ordem de R$ 8 bilhões ao ano a ser coberto pelas contas públicas. Mas o raciocínio aqui tem que ser dinâmico e não estático. Mais econômico do que contábil.

O primeiro ponto a ser destacado é que se  trata de empréstimos de longo prazo, de 30 ou mais anos. É muito pouco provável que a diferença atual entre Selic e TJLP prevaleça nesse longo período. A tendência é que elas se aproximem, pois as taxas de juros básicos devem ser reduzidas.

Segundo, vale analisar o papel dos bancos públicos. Eles existem como atividade de fomento, financiando investimentos em infraestrutura, indústria e agropecuária, algo que os bancos privados nem sempre estão dispostos a fazê-lo. Outro aspecto importante é que, no mundo cada vez mais globalizado, nossas empresas concorrem com outras, que têm condições de financiamento incomparavelmente mais favoráveis.

Empresas sulcoreanas e chinesas, por exemplo, contam com financiamentos públicos a custo praticamente zero e têm as suas atividades apoiadas com subsídios e incentivos porque são vistas como estratégicas para o desenvolvimento e inserção internacional destes países.

A questão é que as altas taxas de juros praticadas no mercado doméstico brasileiro inibem os investimentos produtivos. Elas são um verdadeiro convite ao ócio. Porque alguém investiria na produção para ganhar menos do que receberia adquirindo títulos da dívida pública, sem muito esforço e quase sem risco. Os próprios bancos privados tendem a não se interessar por operações de crédito, porque é muito mais cômodo e seguro financiar o Estado. No Brasil, os bancos públicos também têm a função de corrigir parcialmente essa anomalia.

Mas as contas públicas também são favorecidas com o resultado das operações realizadas pelos bancos públicos. Primeiro porque há um efeito multiplicador dos investimentos, que vamos considerar, de forma conservadora, da ordem de 2 vezes. Os R$ 180 bilhões adicionais de capacidade de empréstimos do BNDES geram potencialmente R$ 360 bilhões de atividade econômica, que propiciam uma receita tributária da ordem de R$  72 bilhões, considerando, também de forma bastante conservadora, um carga tributária média de 20%.

O segundo aspecto é que a atividade do BNDES é lucrativa. Somente em 2009 gerou o lucro líquido de R$ 6,7 bilhões, depois do pagamento de Imposto de Renda. O Tesouro Nacional é beneficiário de grande parte desse lucro, na forma de dividendos.

Um terceiro ponto, de difícil mensuração é o custo da não realização de investimentos. O BNDES praticamente dobrou a sua participação no financiamento de investimentos na infraestrutura e indústria nos últimos quatro anos, de 21%, em 2005, para quase 40% do total, em 2009. Se não houvesse o apoio dos bancos públicos muitos projetos não seriam realizados, especialmente na infraestrutura, representando uma restrição ao crescimento da atividade, do emprego, da renda e da receita tributária. Algo danoso para o país.

Ou seja, não há subsídio nas operações do BNDES, nem no conceito clássico da OMC (Organização Mundial do Comercio), porque os juros praticados, embora mais baixos do que a média do mercado brasileiro ainda estão muito acima dos concorrentes internacionais, nem representam ônus para as contas publicas, uma vez que a receita gerada para o governo, supera em muito o custo implícito na operação.

A crise internacional deveria ter ressaltado o papel crucial desempenhado pelos bancos públicos no Brasil, que representaram um importante instrumento de política macroeconômica anticíclica. Foi um determinante contraponto à escassez de crédito de financiamento e, portanto, um dos principais fatores que diferenciaram a economia brasileira de outros países em desenvolvimento que não puderam contar com instrumentos equivalentes.

Não deixa de ser curioso observar que os defensores da hora do erário público e da transparência, no que se refere ao suposto subsídio dos empréstimos públicos ao setor privado, jamais tenham proposto o mesmo procedimento para o custo de financiamento da dívida pública. Os juros reais mais elevados do mundo geram uma despesa pública anual de 5,5% do PIB (Produto Interno Bruto), algo próximo de R$ 160 bilhões ao ano. Uma transferência enorme renda de toda a sociedade para o setor financeiro e os rentistas, extremamente vulnerável às “expectativas” de inflação e de juros, que acabam influenciando fortemente as decisões do Copom!

*Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e ex-presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia) e da Sobeet.


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Comentários

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Carlos

FERROVIAS, FERROVIAS,. FERROVIAS…

"No Brasil 16.000 km de ferrovias agonizam sendo desativados e canibalizados pelas concessionárias.

Para reconstruir a mesma extensão de linhas o Governo Federal precisará investir R$ 40 bilhões de recursos públicos.

Temos também a considerar os passivos acarretados com o processo de privatização sejam os ambientais em conseqüências dos graves acidentes que vem ocorrendo; os trabalhistas ( retroagem 5 anos ) resultado do reflexo para a União ( RFFSA) dos custos das 35.000 demissões praticadas pelas concessionárias no inicio da transição e prejuízos econômico as centenas de clientes excluídos dos atendimentos do transporte ferroviário.

Esses valores podem chegar a R$ 10 bilhões.

Segundo a ANTF – Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários os Concessionários de ferrovias investiram de 1997 a 2009 o montante de 20 bilhões de reais ( valor que se auditado diminui drasticamente ).

Desse valor o BNDES não anuncia quanto entregou as Concessionárias, as garantias recebidas, em que obras foram aplicados e o retorno economico-social desses recursos, pois considera esses dados sigilosos.

Nesses 12 anos as Concessionárias além do faturamento dos fretes sobre os transportes tiveram também receita da venda de sucatas ( objeto de apuração da Policia Federal ) e de negócios explorando o patrimônio arrendado.

Não é preciso ser um grande economista pra ver que a privatização foi um mau negócio que vem gerando bilhões de reais de prejuízos que se acumulam a cada ano.

Que providencias serão tomadas para estancar esse crime ao patrimônio público e quem irá cobrar dos responsáveis o prejuízo ao país?" – Engenheiro ferroviário Paulo S. C. Ferraz

DESTAQUE NO DESTAQUE…

"Segundo a ANTF…os Concessionários de ferrovias investiram de 1997 a 2009 o montante de 20 bilhões de reais…"
"Desse valor o BNDES não anuncia quanto entregou as Concessionárias, …pois considera esses dados sigilosos."

Como assim? Sigilo em questões relacionadas aos resultados efetivos das privatizações?

Marcelo de Matos

(continuação). “A Folha de hoje mostra também que 14 empresas apenas ficaram com a totalidade do dinheiro daquela linha de capital de giro criada para socorrer as companhias no auge da crise”. Miriam, talvez, não esteja falando sem razão. Não é preciso oferecer tanto dinheiro a grandes grupos, como a Votorantim, já favorecida pela parceria do BB em seu banco. A Dilma não está dizendo que precisamos financiar as pequenas empresas? Não são elas que criam mais empregos? Por que o nosso PT parou de falar no “orçamento participativo”. Vamos defender com unhas e dentes, de forma corporativa, o BNDES, ou é melhor discutir as propostas de investimento? Ainda mais agora que o governo está investindo R$ 23 bi, o maior valor em 10 anos, segundo o Contas Abertas (http://contasabertas.uol.com.br/WebSite/Noticias/DetalheNoticias.aspx?Id=232)

Marcelo de Matos

Quem é que anda criticando a falta de transparência no BNDES? Como sou muito discreto, citarei apenas as iniciais: Miriam Azevedo de Almeida Leitão, comentarista econômica da Globo que, tal como Dilma, é mineira, foi militante de esquerda, presa, torturada… É preciso expor as críticas de Miriam. Diz ela que o Tesouro fez uma transferência de R$ 180 bilhões ao BNDES. “Por isso, a população tem o direito de querer mais transparência e entender melhor essas políticas”. “Só para dar uma ideia: nos últimos dias, a Folha publicou que 57% dos recursos do BNDES foram apenas para 12 empresas, sendo duas estatais. A maioria dos outros dez grupos tem negócios com o governo, está fazendo obras. Será que é isso mesmo que tem de ser feito? Outra notícia que está no Estadão fala do favorecimento do frigorífico JBS Friboi. Ao todo, dois frigoríficos receberam quase completamente o valor dado ao setor (R$ 18,5 bilhões). (continua).

Filipe Rodrigues

O BNDES é um banco de formento importante, teve um papel importante na crise, se contrapõem ao BC, apesar disso o governo vem usando ele de forma errônea. Há suspeitas que o BNDES vem sendo utilizado para promover fusões (Ponto Frio, Pão de Açucar, Itaú-Unibanco, BrOi), o que é péssimo, gera concentração de mercado, inflação e prejudica o consumidor. Outro fator ruim é a prioridade que o banco vem dando para comoditização da economia brasileira (através da compra de frigoríficos estrangeiros), enquanto o Brasil não tem até hoje uma montadora de automóveis 100% produzida no país (algo que até o Irã possui), infelizmente o Brasil importa cada vez mais carros produzidos na India e na China. De fato, o governo Lula acertou mais que errou, agora é duro concordar, o BNDES do Geisel era melhor que o BNDES do Lula, tanto hoje quanto na ditadura havia um privilégio na concessão de empréstimos com a grande empresa, más naquela época a prioridade era substituir importações ou produzir o que o Brasil não produzia, enquanto o Luciano Coutinho ainda tem na cabeça a formação de grandes grupos nacionais para inserção na globalização (na maioria como produtor de matéria-prima).

    Marcelo de Matos

    Não entendo piciroca de economia, mas, Geisel com a substituição das importações, Sarney com a reserva de mercado para a informática, Delfim com o grande incentivo à indústria têxtil, são coisas do passado. É preciso dançar conforme a música: se não fosse essa versatilidade, o Brasil não seria a 9ª economia do mundo. JK quis implantar uma indústria automobilística genuinamente nacional. Montou a FNM e o antigo galpão dessa fábrica foi oferecido aos chineses que o recusaram. Eles estão montando uma fábrica de 700 milhões de dólares em Jacarei-SP. Dizem que não compensa o Brasil querer criar um carro genuinamente nacional. Já existem muitas marcas no mundo e algumas estão sendo retiradas do mercado. Os chineses compraram antigas fábricas de automóveis. Antes disso, deram fim na DKW e muitas outras. Não se justifica um investimento desse vulto por razões meramente nacionalistas.

    Carlos

    Questão não é montar automóveis, mas PRODUZIR MOTORES.

    O Brasileiro

    Esse debate é importante (pena que o Serra só gosta de debater "biografias"!).
    Acho que o governo tem financiado também as pessoas físicas e os pequenos e médios empresários, só que através da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.
    Só empresas grandes conseguem concorrer com as multinacionais. Do contrário, para garantir a sobrevivência dos pequenos e médios produtores, industriais ou agrícolas, acho que o Brasil teria que aumentar subsídios, o que afetaria seu poder de barganha na OMC!
    Mas, insisto, tem que haver esse debate, pois o ponto em que você tocou está absolutamente correto!

Nereu

Explicacao muito didatica. Até eu, médico, entendi…

O Brasileiro

Esse ataque ao BNDES vem do fato de que este tem ajudado a impulsionar a economia brasileira na era Lula.
E o texto do Sr. Antônio Corrêa de Lacerda é esclarecedor.

Veja o gráfico do lucro do BNDES (de 1997 a 2010) no seu site:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/de

Quem quiser ver o desempenho do banco desde 1997, visite o site do BNDES: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/

Como explicado no texto do Sr. Lacerda, o BNDES pode até não ter um lucro obsceno em relação ao volume que empresta, como fazem os bancos privados, mas com certeza suas operações são lucrativas, e seu lucro é comparável ao dos banqueiros que sugam os trabalhadores e as pequenas e médias empresas!

    O Brasileiro

    Correção: texto do Professor Doutor Antônio Corrêa de Lacerda!

Ed.

É interessante notar que nos antigos "países de primeiro mundo", a imprensa de direita (e de esquerda moderada) sempre protege os interesses de seus próprios países.
Aqui, a imprensa de quinto mundo (PIG) faz denúncias (frequentes e farsescas!) contra o seu próprio país, insinuando e dando margem a que somos infratores de leis internacionais!
Felizmente, este PIG está se desnudando ao povo cada vez mais em suas posições e intenções.
Estamos assistindo o (horrível) strip-tease do PIG!

Ed.

Ou seja: os detratores do BNDES e defensores da economia de mercado (pra eles..), "esquecem-se" de que:
1) O BNDES dá lucro APÓS o IR (melhor que EBTDA) e portanto dá também retorno ao tesouro…
2) Dos 57% mencionados (de uma carteira apenas), esquece-se o PIG de dizer que a maior parte é eminentemente para obras de infraestrutura do país, que além do retorno financeiro ao banco e ao tesouro, traz outros benefícios ao país.
3) Não sugerem alternativas a tais investimentos: pegar dinheiro em bancos privados, a juros estratosféricos? Capitalizar ou emprestar direto do tesouro? Não fazer os investimentos?Ou privatizar o banco para os "amici"?
4) Por que sequer falam do calote que a Enrom (estrangeira falida por fraude) deu no BNDES, que sob FHC, lhe emprestou dinheiro para "comprar" parte da Eletrobrás, embolsando o empréstimo e os lucros da operação?
Agindo assim, idiotas como eu vão pensar que o PIG defende sempre interesses contrários ao desenvolvimento do Brasil como uma nação e não como um grande loteamento para negócios dos "brokers" que representam…

Jairo_Beraldo

Tem que passar a limpo, os "empréstimos" concedidos pelo BNDES durante a privataria tucana. Prestação de contas. Quem paga(se é que pagam) e quem dá o calote.

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