Ângela Carrato: Mídia aplaude satélite brasileiro lançado por foguete indiano. Parceria ou submissão?

Tempo de leitura: 8 min
Jornal Nacional omite que o satélite brasileiro começou a ser construído no segundo mandato do ex-presidente Lula e teve continuidade no governo Dilma Rousseff, e que o lançamento estava previsto para 2016, exatamente o ano em que ela foi alvo de um golpe travestido de impeachment. Fotos: Reprodução de vídeo e reprodução de redes sociais

FOGUETE INDIANO LANÇA SATÉLITE BRASILEIRO. A MÍDIA BATE PALMAS. ONDE FICA A SOBERANIA NACIONAL?

Por Ângela Carrato, especial para o Viomundo

O primeiro satélite brasileiro já está em órbita. Foi lançado na madrugada do último domingo (28/2). Exatamente às 2h11 da manhã, ganhou o espaço. Foi o momento em que se soltou do foguete de lançamento e entrou em órbita.

O assunto é importante e foi abordado com pompa e circunstância pelo Jornal Nacional na edição de sábado, ao anunciar que tudo seria transmitido, ao vivo, pela internet.

A reportagem deu uma série de informações técnicas sobre o foguete e os satélites que ele iria carregar, entre eles o Amazônia 1, o primeiro em órbita da terra totalmente projetado, construído e testado pelo Brasil. Lembrou, por exemplo, que o satélite envolveu um investimento de R$ 380 milhões.

Apenas 19 países fazem parte do seleto grupo dos que projetam e constroem satélites.

Até aí, tudo bem. As informações conferem com a realidade.

Mas é a partir desse ponto que a verdade sai de cena e dá lugar às manipulações que caracterizam o jornalismo do Grupo Globo, em especial o do JN.

É dito apenas en passant que o satélite começou a ser construído há 13 anos, sem mencionar quem era o governante à época.

Há 13 anos, o presidente da República era Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, que se encontrava em meados do segundo mandato.

A reportagem do JN não menciona que o projeto teve continuidade no governo Dilma Rousseff, do PT, (2011-2014) e que o lançamento estava previsto para 2016, exatamente o ano em que ela foi alvo de um golpe travestido de impeachment.

O lançamento acontece agora com atraso e envolvido em aspectos obscuros.

Não foram devidamente explicadas as razões pelas quais o satélite ficou pronto em dezembro de 2020 e foi embarcado para a Índia.

Não há explicação razoável para o lançamento ter acontecido fora do Brasil e por meio de uma empresa contratada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Detalhe: o lançamento foi pago à parte: 26 milhões de dólares, o equivalente a R$ 140 milhões, quase um terço do custo total do satélite.

A previsão de Lula e Dilma era de que o lançamento aconteceria no Centro Espacial de Alcântara (CEA), mais conhecido como Base de Alcântara, no Maranhão, e não em outro país.

PARCERIA OU SUBMISSÃO?

Pelo visto, o JN preferiu fugir do espinhoso e nada transparente Projeto de Decreto Legislativo 523, aprovado pelo Senado brasileiro em novembro de 2019.

Projeto que ratifica o texto do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre o Brasil e os Estados Unidos, assinado em Washington, em 18 de março de 2019. As negociações foram conduzidas pelos Ministérios das Relações Exteriores, da Defesa e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Na época, segundo o governo Bolsonaro, o acordo iria contribuir para tornar comercialmente viável o CEA para lançamentos de objetos espaciais, o que geraria divisas para o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro.

Outro argumento invocado na época foi o de que as patentes de grande parte dos componentes tecnológicos dos objetos da indústria aeroespacial são estadunidenses. Daí a parceria com aquele país.

Esse acordo e as explicações oficiais foram alvo de muitas críticas, tanto no meio político quanto junto à comunidade científica brasileira, que apontavam a estranheza em relação ao fato de o país ter fechado uma parceria que, na prática, conferia uso especial (ou exclusivo?) pelos Estados Unidos da base de Alcântara.

O texto proíbe, por exemplo, o lançamento de espaçonaves ou veículos de lançamento de países sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou cujos governos tenham repetidamente apoiado atos de terrorismo internacional.

Também não é permitido o ingresso no CEA de equipamentos, tecnologia, mão de obra ou recursos financeiros de países que não sejam membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês).

Igualmente proíbe a divulgação de informações sobre veículos lançadores, espaçonaves e equipamentos dos EUA.

Em outras palavras, na prática os Estados Unidos passaram a decidir quem pode e quem não pode atuar no desenvolvimento da indústria espacial brasileira, reduzindo a capacidade do nosso país de desenvolver tecnologia e de se transformar em um grande ator (player) lançador de foguete e desenvolvedor de tecnologia espacial.

Não por acaso, partidos de oposição, em especial o PT, denunciaram o “entreguismo explícito” continho nessa medida.

Entreguismo que caracterizou o governo Michel Temer e segue de vento em popa com Bolsonaro.

LOCALIZAÇÃO ESTRATÉGICA

A Base de Alcântara está situada na latitude 2°18’ sul, e tinha originalmente uma área de 620 km², no município de Alcântara, a 32 km de São Luís.

O ponto onde a base se localiza é estratégico, porque a velocidade de rotação da Terra é maior nas áreas próximas ao Equador do que no restante do planeta, o que facilita os lançamentos.

A base de Alcântara está pouco mais de 2 graus ao sul da linha imaginária, que divide o planeta ao meio.

Por essa posição, ela é considerada o melhor lugar do mundo para esse tipo de lançamento, por permitir uma economia de até 30% de combustível nos foguetes.

Na prática, isso significa gastar menos ou poder mandar para o espaço cargas mais pesadas.

Mas, pelo visto, mesmo localizando-se no Brasil, não pertence mais aos brasileiros.

O JN não mencionou nada disso.

Também não mencionou o estranho acidente acontecido em agosto de 2003, na mesma Base de Alcântara, quando do lançamento do foguete VLS – 1 VO3.

Desde a década de 1980, o Brasil trabalha na construção de um foguete nacional capaz de colocar satélites em órbita.

Em 22 de agosto de 2003, um desses foguetes explodiu três dias antes do lançamento, quando estava sendo preparado na Base de Alcântara.

O comando da Aeronáutica investigou e concluiu que o acidente foi causado por uma falha elétrica. O problema é que o relatório oficial não convenceu todo mundo. Especialistas em pesquisas espaciais chegaram a falar na época em sabotagem

Aguardado com muita expectativa e entusiasmo pela comunidade científica brasileira, o lançamento acabou em tragédia.

INDÍCIOS

O lançamento foi seguido de incêndio e de várias explosões, que mataram 21 “técnicos civis”, na realidade a fina flor dos cientistas responsáveis pelo projeto espacial brasileiro.

As suspeitas de sabotagem se baseiam em alguns indícios. Nos dias que antecederam ao lançamento, 20 turistas estadunidenses estavam hospedados em Alcântara. Na época, não era nada comum esse tanto de estrangeiros por lá.

Dois anos antes, em 2001, os Estados Unidos fizeram de tudo e não conseguiram “alugar” a Base de Alcântara para de lá lançar seus lucrativos foguetes espaciais. O assunto gerou muita polêmica no Congresso Nacional, aconteceram denúncias de violação da soberania nacional e ele não prosperou.

No Ocidente, os Estados Unidos lideram a produção e lançamento de foguetes e através deles podem, entre outras coisas, xeretar tudo o que acontece no quintal alheio.

Some-se a isso que os Estados Unidos não querem que outros países desenvolvam esse tipo de tecnologia, pois o princípio que rege esses foguetes é semelhante ao usado por mísseis de longa distância, como os que carregam armas nucleares.

Os Estados Unidos são detentores dessa tecnologia, mas não querem que nenhum outro país mais a detenha. Mesmo defendendo o principio do desarmamento, isso vale apenas para os outros e não para ele.

Sobre esse acidente, que matou as melhores cabeças entre os cientistas e pesquisadores espaciais brasileiros, ainda pairam dúvidas muito parecidas com as que cercam a morte do ministro do STF Teori Zavaski.

E se antes não faltava quem se referisse a esses assuntos como teoria da conspiração, cada dia mais eles se assemelham a conspiração, mesmo.

PREOCUPAÇÕES DE LULA E DILMA

Quando os satélites brasileiros começaram a ser construídos, o objetivo juntamente com o submarino nuclear, era monitorar os biomas nacionais, bem como patrulhar e proteger a costa brasileira e o recém descoberto pré-sal.

As preocupações de Lula e Dilma se justificavam. Tanto que após o golpe de 2016 o projeto foi desacelerado e a Operação Lava Jato tratou de condenar, sem provas, o pai do submarino nuclear brasileiro, almirante Othon Luiz Pereira da Silva, um brilhante engenheiro mecânico e nuclear, de 76 anos.

Em 2005, durante o primeiro mandato de Lula, Othon assumiu a presidência da Eletronuclear. Em sua gestão, as obras da usina de Angra 3, paradas há 23 anos, foram retomadas.

Com seu trabalho, o Brasil deu um grande impulso ao programa aeroespacial.

O almirante foi preso na 16ª fase da Operação Lava Jato desencadeada pelas delações de Dalton Avancini, um ex-executivo da empreiteira Camargo Correa. Posteriormente voltou a ser preso na Operação Pripyat desdobramento da anterior que investigou denúncias de corrupção na Eletronuclear.

Essa prisão foi um dos episódios mais indignos da Operação Lava Jato.

O inquérito contra Othon foi aberto a partir de informações entregues à Lava Jato por uma advogada do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que até um ano antes servira ao maior escritório de advocacia que atendia a indústria nuclear do Tio Sam.

No momento da prisão, estavam, de um lado, um almirante com enorme folha de serviços ao país, principal responsável pelo domínio que o Brasil passou a ter sobre uma fonte de energia relevante, a nuclear, e do outro, um delegado da Polícia Federal, Wallace Fernando Noble Santos, que respondia diretamente ao então juiz Sérgio Moro, com o poder absoluto assegurado por uma Justiça parcial e uma mídia repassadora de press-releases da operação.

Em outubro do ano passado, esse delegado acabou preso pela própria Lava Jato, sob a acusação de vender proteção a criminosos.

Antes disso, no entanto, o almirante Othon, foi condenado pelo juiz Marcelo Bretas, o “Moro carioca” a 43 anos de prisão pelos crimes de corrupção, evasão de divisas e organização criminosa, durante as obras da usina nuclear de Angra 3.

Na época, a Lava Jato chegou a ventilar que a pena de Othon poderia ser superior a 100 anos. No Brasil, a pena máxima era de 30 anos de prisão, aumentada por Bolsonaro para 40 anos, em 2019. No caso de Othon arranjou-se um jeito de sua pena ficar acima disso.

Ele foi submetido a uma espécie de tribunal de exceção, que, como agora se sabe, caracterizou grande parte da atuação da Lava Jato.

Até hoje não se conhece os detalhes de seu processo. Mas é importante frisar que muita da alegada falta de transparência nos orçamentos e gastos efetuados por ele à frente de Angra 3 são semelhantes aos de outros países.

Mais ainda: é importante frisar que nenhum governo abre licitação ou concorrência para comprar equipamentos e serviços para seus projetos estratégicos e de defesa nacional.

OTHON E SOLEIMANI

No meio científico, não falta nem mesmo quem veja semelhanças entre as situações do almirante Othon e do general iraniano Qasem Soleimani, de 62 anos, um dos principais cientistas do país persa, morto num ataque aéreo dos Estados Unidos ao aeroporto de Bagdá, no Iraque, em 3 de janeiro de 2020, ordenado por Donald Trump.

Em 1953, as agências de inteligência do Reino Unido e dos Estados Unidos, sob o codinome de Operação Ajax, derrubaram o presidente do Irã, Mohammed Mossadegh, após ele ter nacionalizado as empresas de petróleo estrangeiras que lá atuavam.

Durante décadas, o Irã teve um governo pró-Estados Unidos, que acabou derrubado em 1979, quando os aiatolás chegaram ao poder.

REVISÕES NECESSÁRIAS

De lá para cá, os Estados Unidos têm hostilizado o Irã, especialmente por ele decidir enriquecer urânio e desenvolver um programa nuclear próprio, voltado para fins pacíficos. Nos dias atuais, o Irã, a Venezuela e Cuba são alguns países que sofrem embargo dos Estados Unidos.

Quanto ao Brasil, o golpe de 2016 teve como objetivo permitir que os interesses internacionais pudessem se apropriar do pré-sal, privatizar a Petrobras, mas também retardar ou inviabilizar qualquer iniciativa que vise a defesa da soberania nacional.

O tratamento dado ao Brasil, pelo menos por enquanto, não chega aos disparates verificados nos países embargados.

Até porque, nesta altura do campeonato, o principal objetivo seja em se tratando do petróleo ou mesmo dos foguetes e satélites foi alcançado.

Depois que Bolsonaro bateu continência para Trump, beijou a bandeira dos Estados Unidos e agora fala fininho com Biden, temas ligados à soberania e à defesa dos interesses nacionais brasileiros tornaram-se peças de museu.

Satélites brasileiros que precisam de foguetes e bases estrangeiras (o governo de extrema-direita da Índia é aliado dos Estados Unidos) para serem lançados não são efetivamente brasileiros.

Mas uma hora esse assunto vai ter que voltar a ser discutido.

Em algum momento do futuro, a absurda condenação do almirante Othon e a negociação envolvendo a Base de Alcântara, precisarão ser revistas.

Sem o entreguismo desse governo e sem a superficialidade, o silêncio e as manipulações da mídia corporativa brasileira.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.


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Comentários

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Nelson

É redundância afirmar isto, mas temos mais um excelente artigo escrito pela professora Carrato.

Eu só teria um porém. É o fato de ela centrar suas críticas na Rede Globo. Para mim, toda a mídia hegemônica está envolvida, de há muito tempo, na manipulação, alienação e emburrecimento, digamos assim, do povo brasileiro.

Band, SBT, Record, Rede TV, Folha, Estadão, RBS e outros tantos órgãos dessa mídia poderiam, sim, fazer jornalismo e disponibilizar todas as informações, sem exceção, para nós. Por que não o fazem?

“Interesses”, diria o grande Leonel Brizola. Nós não temos dinheiro, mas o capital tem. Se tais órgãos passassem a colocar as verdades tais como elas são, sua fonte de recursos secaria. Ou seja, seus patrocinadores, que, sem exceção, se dizem amantes da democracia e da liberdade de expressão, suspenderiam de imediato o que chamam de verbas publicitárias, mas que podemos chamar também de “rédea curta” sobre o processo de divulgação das ideias.

E, como esses órgãos são empresas capitalistas que têm como prioridade primeira a obtenção de lucros para seus donos, ficando o compromisso com o jornalismo para depois, chegamos à situação em que estamos.

A agravar esses desvios, o fato de que rádios e tvs são concessões públicas que deveriam oferecer ao povo muito mais do que as baboseiras que oferecem.

Um exemplo da desinformação e da total falta de compromisso, não só da Globo, para com o povo, tivemos na semana passada. Como no país está tudo muito calmo, tudo muito tranquilo, empregos e salários “bombando”, só coisas boas, na quinta-feira, 25, a Band conseguiu arrumar espaço em seu principal telejornal para falar do roubo dos cachorros da Lady Gaga.

É por essas e outras que penso que não podemos isentar o restante da mídia. A esmagadora maioria do povo não tem espaço nos órgãos da mídia hegemônica e também não recebe dessa mesma mídia o tratamento prescrito pela Constituição.

Zé Maria

No Governo da Presidente Dilma Rousseff,
o Brasil tinha um Acordo de Cooperação
com a Ucrânia, para Construção da Base
de Lançamento de Foguetes/Satélites.
Segundo WikiLeaks, os EUA foram contra
a Transferência da Tecnologia Ucraniana.
Daí, deram o Golpe de Estado na Ucrânia
e no Brasil.
A Base já havia, misteriosa e literalmente,
explodido uma vez em 2003, ano em que
foi firmado o Tratado de Cooperação no
Governo Lula.
(https://youtu.be/E00i0RDQ3pg)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Alc%C3%A2ntara_Cyclone_Space#WikiLeaks
https://pt.wikipedia.org/wiki/Acidente_de_Alc%C3%A2ntara

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