Agente de saúde aposentada ao prefeito de SP: ‘Por misericórdia, não aumente ainda mais o desconto do nosso salário!’

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Vergonha e penúria: com aluguel atrasado, dona Adalena tem medo de ser despejada. Foto: arquivo pessoal

Aposentada pede misericórdia ao prefeito pra não confiscar seu salário

 

Preocupada com despejo, ela vem trabalhando como corretora de imobiliária, reduzindo a alimentação e até pôs à venda fogão e botijão de gás.

Por Cecília Figueiredo, do Sindsep

Aposentada em junho deste ano, a agente de endemias que trabalhou concursada por mais de 15 anos na Prefeitura de São Paulo subindo e descendo ruas para afastar a população dos perigos do mosquito transmissor de dengue, chikungunya, zika, raiva e outras doenças, hoje faz uso de medicação controlada para diminuir a ansiedade.

Sem ninguém para cuidá-la, Adelena está preocupada em não conseguir honrar o pagamento do aluguel.

Agentes de Endemias, como a dona Adelena, mesmo sem condições adequadas de trabalho são os que afastam, em seu trabalho diário, os riscos de doenças da população, em ações casa a casa, de nebulização e campanhas educativas. Fotos: Arquivo CRSL Cecília Figueiredo

“Eu recebia R$ 3.200 e pouco, mas com a retirada do subsídio agora recebo mil e pouco [R$ 1.316 bruto], mas o banco vem comendo tudo por conta dos empréstimos consignados. Sempre que eu precisava de ajuda fazia um empréstimo para cobrir o outro. Há dois meses não recebo nada”.

Seu último holerite revela uma aposentadoria de R$ 790,15. O valor de seu aluguel é R$ 1.120.

Penúria

A servidora aposentada, que está entre os trabalhadores/as classificados como “vagabundos” por vereadores da base de sustentação do prefeito Ricardo Nunes, autor do PLO 07/21 [Sampaprev 2], que amplia o desconto dos vencimentos de 11% para 14%, arrumou um “bico” como corretora, para tentar pagar o aluguel onde mora e comer.

“Por enquanto não consegui vender nada, só alugando, então a comissão é pequena. Mês passado consegui R$ 437 e eu estava sem nada. Não paguei nem o aluguel!”, conta desesperada.

Para ela, o salário congelado e com ameaça de mais descontos significará “penúria”. “O pouco que eu consigo nesse trabalho que estou fazendo como corretora eu uso para pagar a condução porque até isso o Doria [ação conjunta de governador e prefeito do PSDB] resolveu tirar da gente [gratuidade do transporte para aposentados], jogando uma pá de cal em cima da gente. Esse dinheiro que estou colocando crédito para o bilhete de transporte é pra mostrar os imóveis que estão pra alugar, e eu poderia comprar com esse dinheiro algo pra casa. Hoje estava olhando, eu só tenho pó de café pra fazer mais uns quatro. Tenho um quilo de arroz, não tenho feijão. Hoje trouxe [na marmita] arroz e um pouco de atum, de uma lata que dividi para cinco refeições, e uma laranja”.

Medo e vergonha

As três refeições que o ex-presidente Lula costumava lembrar sempre como sagradas para qualquer brasileiro/a, Adelena não faz já há algum tempo.

“À noite como um pão, quando não tem substituo por cuscuz. Dia desses comprei seis bananas e aí como uma por dia… Desde 2014 que eu não me via assim, nessa situação, de ter que contar o que vou comprar, três tomates… Fiquei lembrando esses dias, que o pessoal reclamava do [ex-prefeito Fernando] Haddad, mas se não fosse ele a conceder o subsídio, a situação já teria sido muito pior. Embora tenham retirado agora esse subsídio, que achei que seria mantido. Olha, eu tenho fé em Deus, só isso”, diz a aposentada, que faz planos de conseguir intermediar uma locação ou venda de um imóvel, para obter uma comissão “melhor”.

Aposentada tenta vender fogão e botijão para inteirar dinheiro para o aluguel

Apesar do rendimento baixo, em média R$ 300, com o trabalho de corretora, é isso que tem garantido o pagamento da energia elétrica, o plano da operadora e “respirar”.

E a servidora aposentada não para por aí. Mãe de quatro filhos casados e divorciada, ela depende exclusivamente de sua força de trabalho e faz malabarismo para sobreviver.

“Estou vendendo um fogão, o botijão de gás, roupas, pra ver se consigo inteirar o dinheiro do aluguel. Isso me tira o sono. Estou pedindo pelo amor de deus ao dono da imobiliária não me despejar. Eu não conseguiria passar essa vergonha”, desabafa desesperada Adelena.

É tamanho o medo de perder o teto onde mora, que passou a tomar remédio controlado.

“Estive internada no ano retrasado e a médica me prescreveu uma medicação que não tem na rede pública. Agora também não sei como vou comprar. Ainda tem alguns comprimidos, mas se acabar, eu tenho que comprar comida, não vou poder comprar o remédio. Não sei…não sei o que vou fazer da minha vida…”.

Recado para o prefeito Nunes

Desalentada, a servidora aposentada manda um recado para o prefeito Ricardo Nunes.

“Prefeito, tenha um mínimo de respeito pelo servidor, pelo trabalho da gente, porque quando precisam da gente, é sábado, domingo, feriado, dia do trabalhador, a gente sempre foi trabalhar. Saía às 6h pra estar na base às 7h, pra montar tudo, com sol, com chuva, estendendo faixa na avenida; sempre com boa vontade. Agora querer tirar do pouco que ganhamos, e ainda retirar de aposentados, que toda a vida contribuiu [com a Previdência]?! Em nome da dignidade humana, tenha um pouco de respeito, de misericórdia da gente. Não mexa no nosso dinheirinho, não. É tão desesperador que eu estou implorando a misericórdia dele”.


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