Adolfo Pérez Esquivel: Quino saiu de viagem para visitar outros céus, outros mundos

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O presidente da CPM (*) e Premio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, despediu-se  do cartunista e humorista gráfico argentino Joaquin Lavado, conhecido artisticamente como Quino, através de uma carta. Compartilhamos suas palavras.  

Por Adolfo Pérez Esquivel*8, na Agência Andar, via Ivete Caribé da Rocha 

Ele se foi, como o Pequeno Príncipe, visitar outros planetas e outros mundos acompanhado pela família de seus sonhos, que nos presenteou com risadas, esperanças, reflexões e como aprender a viver “sem que a polícia nos amassasse as ideologias com seu cacetete”.

Aí estão a menina filósofa popular Mafalda, que move consciências e  deixa você sorrindo e pensando que não quer tomar a sopa; Susanita e seu mundo cor de rosa; o simples Manolito, menos nas contas do armazém, que conhece todas, afinal negócios são negócios; o inefável sonhador Felipe, entre outros/as da sua tribo familiar, que deram a volta ao mundo esparramando sonhos por um mundo melhor.

Quino partiu mas não foi embora, está presente na vida da população, montou sua mochila e saiu para visitar outros planetas, a compartilhar histórias, momentos vividos em nosso planeta Terra e contar para a flor que há outras igualmente formosas; ao banqueiro, de que na Terra nos meteram uma dívida externa impagável, e que pode ser que ele nos dê uma mão, não para pagar a dívida, mas para dar um pouco de felicidade a quem não a tem, aos pobres, aos desempregados, aos indígenas, às crianças, aos velhinhos, aos favelados e aos que perderam seu trabalho pela pandemia.

Quino sabia que ninguém podia ser feliz sozinho, e nos presenteou com seus desenhos, suas histórias e sua alegria de compartilhar o pão e a liberdade. E bom, se Masfalda não gosta da sopa, que outra criança a possa tomar e assim esquentar a barriguinha.

As recordações dos momentos compartilhados, quando nos reuníamos com Quino na casa de amigos para conversar em tomar um vinho, vem a galope. A última vez em que nos encontramos foi na Universidad Nacional de Cuyo, em Mendoza, onde as autoridades lhe concederam o Doutorado Honoris Causa, um merecido reconhecimento à sua vida e à sua obra difundida pelos quatro ventos pela Editorial de La Flor. Quino chegou para ficar e compartilhar a vida e a esperança. Boa viagem, Quino…até logo, te esperamos…!

Adolfo Pérez Esquivel

Buenos Aires, 30-9-20

*CPM – Comissión por la Memória (Nota do tradutor)

**Tradução:  Renzo Bassanetti

PS. do Viomundo:  Nós publicamos inicialmente o artigo em espanhol, como foi postado na Argentina.

Afinal, por mais que nos esforçássemos, temíamos incorrer em algum portonhol, que assassinasse o texto tão lindo de Adolfo Pérez Esquivel.

Para nossa alegria e sorte de vocês, o competente Renzo Bassanetti nos enviou a tradução. Impecável, como sempre.

Mas mantivemos abaixo a versão original, em espanhol.

Partió Quino de viaje a otros cielos y otros mundos

El presidente de la CPM y Nobel de la Paz, Adolfo Pérez Esquivel, despidió a través de una carta al historietista y humorista gráfico argentino Joaquín Lavado, conocido artísticamente como Quino. Compartimos sus palabras.

Por Adolfo Pérez Esquivel, na Agência Andar, via Ivete Caribé da Rocha 

Se fue  como el Principito a visitar otros planetas, otros mundos acompañado por la familia de sus sueños que nos regalaron risas, esperanzas, reflexiones y cómo aprender a vivir “sin que la poli nos abolle con su palo las ideologías”.

Ahí están la niña filósofa popular Mafalda que mueve conciencias y te deja sonriendo y pensando que no quiere tomar la sopa; la Susanita y su mundo color de rosas; el simple Manolito, menos en las cuentas del almacén que se las sabe todas, negocios son negocios; el inefable soñador Felipe, entre otros/as de la tribu familiar de Quino que dieron la vuelta al mundo desparramando sueños por un mundo mejor.

Quino partió pero no se fue, está presente en la vida de los pueblos, armó su mochila y salió a visitar otros planetas, a compartir historias, momentos vividos en nuestro Planeta Tierra y contarle a la flor que hay otras iguales de hermosas; al banquero que en la tierra nos metieron una deuda externa impagable, y si puede que nos de una mano, no para pagar la deuda, para dar un poco de felicidad a quienes no la tienen, a los pobres, a los desocupados, a los indígenas, a chicos y chicas, a los viejitos y los villeros, a los laburantes sin laburo por la pandemia.

Quino sabía que nadie puede ser feliz a solas, nos regaló sus dibujos, las historias y la alegría de compartir el pan y la libertad. Y bueno si a Mafalda no le gusta la sopa, que otro chico/a la pueda tomar y calentarse la pancita.

Los recuerdos vienen al galope de los momentos compartidos cuando nos reuníamos con Quino en casa de amigos a charlar y tomar un vinito. La última vez que nos encontramos fue en la Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza, donde las autoridades le entregaron el Doctorado Honoris Causa, un merecido reconocimiento a su vida y su obra difundida a los cuatro vientos por la Editorial de la Flor. Quino llegó para quedarse y compartir la vida y la esperanza. ¡Buen viaje Quino…hasta pronto, te esperamos…!

Adolfo Pérez Esquivel

Buenos Aires, 30-9-20


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Zé Maria

Quino e Mafalda

Por Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo

Morreu Quino, o criador da Mafalda, aquela guria de seis anos
engajada nas questões sociais e políticas do seu tempo.
Quino deu Mafalda à luz em 1962.
Ela nasceu de mercado, como personagem de uma campanha publicitária
dos eletrodomésticos Mansfield, e virou rebelde, contestando pais,
costumes absurdos e desmandos.
Ela se consagraria enfrentando os canalhas deste mundo
e o “sopismo” como janta.
Fã dos Beatles, Mafalda nunca teve papas na língua,
tendo sido traduzida em 35 idiomas.
Foram 1928 tirinhas com Mafalda no comando das operações.

Quando me perguntam quem são os meus ídolos,
sinto vontade de confessar: Asterix e Malfada.
Esses dois personagens me servem mais de modelo
do que qualquer figura convertida em estátua por padrão cívico.
Asterix resistia ao império romano.
Mafalda, ao império americano.
O império romano usava soldados.
O império americano, soldados, filmes e quadrinhos.

Era preciso reagir na base do dente por dente.

Entre os argentinos mais conhecidos no mundo estão Mafalda e Evita Peron.
Em 1973, Quino parou ao sentir que seria parado pelo mau humor do poder.
Quino viveu muito tempo em Milão.
Em entrevista para a Folha de São Paulo, explicou:
“Fui embora da Argentina em 76.
Ninguém me mandou embora,
ninguém me disse ‘Vamos matá-lo’,
mas já estavam morrendo vários amigos meus,
desaparecendo…
Então, tendo um trabalho como o meu,
em que posso trabalhar em qualquer parte,
era estúpido permanecer ali.
Quis voltar em 79, voltei por um mês.
Depois, em 80, voltei por dois meses.
E em 83, quando Alfonsin ganhou e
se supunha que íamos ter uma democracia…”

Mafalda ria com a definição de democracia:
governo do povo, para o povo e pelo povo.
Não conhecia tal regime, que pode ser utopia.

Uma das tirinhas mais sarcásticas de Quino
mostra a guria que falava por ele
perguntando à mãe no tanque de lavar roupa:
“O que você gostaria de ser, se vivesse?”

Mafalda não fechava a boca.
Soltava tiradas desconcertantes e perigosas:
“O cassetete de um policial
é o bastão para abolir ideologias”.
Ou a borracha para apagar ideologias.
A polissemia era o seu forte.

Mafalda nunca foi inocente.
Dizia coisas assim:
“Viver sem ler é perigoso.
Te obriga a crer no que te dizem”.
Quem não lê acredita facilmente
que a Terra é plana.

Mafalda foi a mais politizada das crianças.
Tudo na sua fala era político,
até o desapreço por sopa.
O laço vermelho na cabeça
incomodava defensores da “neutralidade” infantil.
Na verdade, ela era independente:
“A sopa é para a infância o que o comunismo
é para a democracia!”, afirmava.
Contemplava os dois lados:
“Se o Fidel dissesse que é boa,
todos diriam que a sopa é ruim!”
Ou: “Opinião eu respeito,
fascismo eu combato”.

Aquilo que ela possa não ter dito,
atribuíram a ela,
pois se tornou uma voz coletiva.

O seu forte era a relativização:
“Já que há mundos mais evoluídos,
por que eu tive que nascer justo neste?”
Boa pergunta.
Desanimada, bradava:
“Parem o mundo que eu quero descer”.
O problema, parece, é que o mundo
não tem saída de emergência.

Quino atendia burocratas e cartórios
com o nome de Joaquín Salvador Lavado.
Como disse o grande Julio Cortázar,
“não importa o que eu penso da Mafalda;
importa o que ela possa pensar de mim”.

https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/allende-estados-unidos-quino-e-mafalda-1.491982

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