A demagogia xenófoba nos Estados Unidos

Tempo de leitura: 5 min

por Luiz Carlos Azenha

Há quem faça previsões sombrias sobre o futuro dos Estados Unidos, especialmente se enfrentarmos em breve uma recaída da crise financeira internacional (crise em W, como se diz no economês). Uma possível derrota de Barack Obama em 2012 colocaria de volta na Casa Branca um Partido Republicano redefinido pelos padrões ideológicos de Sarah Palin. Muito pior que José Serra, um político que fez carreira na esquerda, incorporando o discurso da extrema-direita brasileira, como temos visto recentemente.

O Viomundo já reproduziu o primeiro dos três artigos em que Sara Robinson avalia o avanço do fascismo nos Estados Unidos. Está aqui.

Hoje trazemos a coluna Borderlines, de William Finnegan, na edição que está nas bancas da revista New Yorker. O título é um trocadilho com a fronteira física entre Estados Unidos e México e a personalidade “borderline” (fronteiriça) de políticos que exploram a xenofobia no país. Fala de como os políticos embarcam na xenofobia para faturar alguns votos.

Borderlines

por William Finnegan

Quando o tópico é imigração ilegal, alguns de nossos líderes políticos produzem mais calor que luz. No dia 28 de abril, em uma carta ao presidente Obama, dezessete integrantes do Congresso, a maioria do Sudoeste, exigiram ação imediata para aumentar a segurança na fronteira, notando que “a violência na vizinhança da fronteira dos Estados Unidos-México continua a aumentar de forma alarmante”. Dois dias antes, o senador John McCain, do Arizona, em um discurso no Congresso em que defendeu a nova lei aprovada em seu estado que exige que a polícia investigue o status imigratório de indivíduos, descreveu “uma fronteira sem segurança entre o Arizona e o México, o que é causa da violência, a pior que já vi”. Ele foi adiante citando os números para imigrantes ilegais apreendidos no ano passado.

De fato alguns desses números são surpreendentes: eles diminuiram, de acordo com a Guarda de Fronteira — cairam por mais de 60% desde 2000, para 550 mil apreensões no ano passado, o número mais baixo em 35 anos. A imigração ilegal, embora difícil de medir, está claramente declinando. A fronteira sul, longe de estar “insegura”, está em melhor situação do que esteve em muitos anos — melhor gerenciada e menos porosa. Foi beneficiada pelos aumentos de orçamento desde o 11 de Setembro, o que ajudou a reduzir as entradas ilegais, talvez menos dramaticamente que o crash econômico. O crime violento, embora esteja aumentando no México, caiu deste lado da fronteira: nos condados da fronteira Sudoeste caiu mais de 30% nas últimas duas décadas. Caiu no Arizona do senador McCain. De acordo com estatísticas do FBI, as quatro grandes cidades mais seguras dos Estados Unidos — San Diego, Phoenix, El Paso e Austin — ficam todas em estados fronteiriços.

O problema da imigração ilegal não é que criminosos violentos estejam derrubando os muros de nossas pacíficas cidades. É sobre o que fazer com os 11 milhões de imigrantes ilegais estimados que já estão aqui. Apesar das fantasias de deportação em massa de alguns, o fato é que a maioria deles está aqui para ficar. Isso é bom, já que eles, para início de conversa, são essenciais para grandes setores da economia, começando com o setor de alimentos — o Departamento de Trabalho calcula que mais da metade dos empregados na colheita dos Estados Unidos não tem documentos. Os líderes empresariais do país não tem ilusões a respeito desses fatos básicos da vida econômica. No mês passado, o prefeito Michael Bloomberg formou uma coalizão de prefeitos de grandes cidades com executivos de grandes corporações — inclusive a Boeing, Disney, Hewlett-Packard e mesmo a News Corporation do Rupert Murdoch — para fazer lobby no Congresso por um plano para reforma da imigração, inclusive com um caminho para dar status legal aos imigrantes não-documentados. Bloomberg chama a atual política de imigração de  “suicídio nacional”.

Há razões para descontentamento com a imigração ilegal. Em algumas indústrias, os recém-chegados muito pobres derrubam salários. Os orçamentos estaduais e locais sofrem quando os trabalhadores são pagos por baixo do pano. O fato de que as pessoas não tem status legal é em si perturbador. A grande onda de imigração do fim do século 20 foi a primeira em que muitos, se não a maioria dos imigrantes, entrou no país ilegalmente. Ainda assim as ondas anti-imigração não batem com as ondas de imigração factual. Elas batem com desemprego, ansiedade popular e o medo de perder o lugar para estranhos. Elas dependem das narrativas sobre o declínio nacional, das quais não temos tido falta recentemente. Espantar os outros funciona. Mesmo num momento em que a imigração ilegal está em declínio, recentes pesquisas da rede CBS e New York Times mostram que o número de pessoas que consideram imigração “um problema muito sério” está aumentando — de 54% em 2006 para 65% em maio deste ano.

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Alguns dos opositores mais ferozes dos imigrantes ilegais denunciam a presença deles como uma ameaça à segurança nacional. Se esta posição tem mérito — o que se pode debater — então a necessidade de tirar os sem-documentos das sombras e colocá-los ao sol dos registros oficiais e do status legal é ainda mais urgente. Um impressionante número de chefes de polícia tem se posicionado contra medidas como a lei do Arizona porque ela significa, na essência, a discriminação racial, envenenando as relações comunitárias e dificultando a luta contra o crime. Grupos anti-imigrantes, que proliferaram em anos recentes, não são por natureza racistas, mas com certeza atraem racistas e dão a eles um palco.

Ainda assim, os políticos saltam no vagão nativista. Nessa campanha, os candidatos estão se posicionando duramente contra o inimigo imigrante de Massachussets à Georgia, da mesma forma que na Califórnia e no Arizona. Em pequenas cidades da Pensilvânia, do Texas e de Nebraska foram aprovadas leis locais contra a imigração de constitucionalidade duvidosa. Para não ficar atrás, o legislativo do Arizona contempla uma lei que desafiaria a Décima Quarta Emenda que garante cidadania a qualquer criança nascida nos Estados Unidos. Jan Brewer, a governadora, sugeriu que pais mexicanos de cidadãos estadunidenses levem suas crianças para o México. Ela também disse que a maior parte das pessoas que cruzam a fronteira são “mulas da droga” e que houve decapitações em regiões de fronteira — declarações totalmente desprovadas pelos fatos. Existem informes de que residentes latinos, legais e ilegais, estão deixando o Arizona para estados mais hospitaleiros antes que a lei entre em vigor no dia 29 de julho (se não houver alguma ação legal).

Durante a campanha presidencial, Barack Obama prometeu uma profunda reforma da imigração, mas quando ele assumiu o poder tinha questões mais urgentes para tratar. Ele também pode ter pensado na experiência de seu predecessor. George W. Bush tentou, durante seu segundo mandato, uma série reforma da imigração e foi derrotado pela extrema-direita de seu próprio partido. Nesta primavera Obama, depois de passar a reforma do sistema de saúde, parecia em posição forte para fazer a reforma da imigração. Depois de se reunir com senadores republicanos, fez um movimento característico — de repente mandou 1.200 soldados da Guarda Nacional para a fronteira Sul. Ele estava dando um drible para a direita, parecia, antes de buscar a cesta.

O presidente fez seu primeiro grande discurso sobre imigração no início deste mês. Ele fez uma poderosa defesa da reforma, mas teve o cuidado de se distanciar de uma anistia. As pessoas teriam que “se acertar com a lei”, ele disse. Seu governo tem reprimido os empregadores de ilegais e aumentou o número de deportações. Ao mesmo tempo, o Departamento de Justiça foi à Justiça para derrubar a lei do Arizona, argumentando que fazer cumprir as leis de imigração é responsabilidade federal.

O problema da imigração ilegal foi abandonado por décadas. Toda tentativa de enfrentá-lo provocou uma enxurrada de obstrucionismo e demagogia. Pedidos de maior segurança na fronteira agora fazem parte do obstrucionismo. O presidente culpa, com razão, os republicanos por bloquear a reforma, mas muitos democratas, tanto no Congresso quanto em governos estaduais, não tem estômago para confrontar o problema — especialmente em um ano eleitoral. Dadas as emoções que o tópico desperta, a batalha para passar uma reforma da imigração pode fazer parecer a disputa em torno da reforma de saúde algo ameno. É hora, no entanto, de finalmente tentar tirar do escuro milhões de homens, mulheres e crianças.

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