Tarso: É preciso reforçar a luta política para haver regulamentação da mídia

Tempo de leitura: 6 min

Tarso defende luta política pela regulamentação da mídia

Em entrevista à Carta Maior, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, defende a necessidade de intensificar a luta política em defesa da regulamentação da mídia e do setor de comunicação como um todo. Definindo essa agenda como uma promessa não cumprida da Constituição de 1988, Tarso critica a ausência de diversidade de opinião no atual sistema midiático brasileiro e cita a postura editorial do jornal Zero Hora como exemplo de um processo de ideologização das notícias, recorrente no Brasil.

Marco Aurélio Weissheimer, em Carta Maior

Porto Alegre – O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), defende que é hora de intensificar, por meio da luta política e do debate junto à opinião pública, a agenda da chamada regulamentação da mídia. Para Tarso, esse é uma questão chave para o avanço da democracia no Brasil e uma promessa ainda não cumprida da Constituição de 88. Em entrevista à Carta Maior, o governador gaúcho critica a ausência de diversidade de opinião no atual sistema midiático brasileiro e o processo de ideologização das notícias. Ele cita como exemplo o comportamento editorial do jornal Zero Hora, no Rio Grande do Sul:

“As matérias de Zero Hora criticam as decisões que estamos tomando, baseadas no nosso programa de Governo, a partir da ótica do Governo Britto e Yeda, sem dizer que estão defendendo um programa de governo oposto ao nosso, já que foram e são grandes entusiastas das privatizações e das demissões de servidores públicos de forma irresponsável, as chamadas “demissões voluntárias”.

O debate sobre o tema da regulamentação da mídia e do setor da comunicação como um todo enfrenta pesada resistência e oposição no Brasil. Na sua opinião, qual o lugar que essa agenda ocupa – se é que ocupa – hoje no debate político nacional?

Tarso Genro: A questão da chamada “regulamentação da mídia” – que na verdade não trata nem do direito de propriedade das empresas de comunicação e muito menos da interferência do Estado nas redações ou editorias – é uma questão-chave do avanço democrático do país, das promessas do iluminismo democrático inscritas na Constituição de 88 e mesmo da continuidade da presença dos pobres, índios, negros, excluídos em geral, discriminados de gênero e condição sexual, trabalhadores assalariados e setores médios que adotam ideologias libertárias, na cena pública de natureza política.

Mas essa promessa permanece não cumprida. O que é preciso fazer, na sua avaliação, para que ela se torne realidade?

Tarso Genro: É preciso “forçar a barra”, através da luta política, para que ela reflita no Congresso a exigência de uma sistema legal, regulatório e indutivo, para a formação de empresas de comunicação, cooperativadas ou não, estatais e privadas, que possam sobreviver e ter qualidade, independentemente do financiamento dos grandes grupos de poder financeiro e econômico, que tentam controlar a formação da opinião de forma totalitária.

Como fazem isso? Ideologizando as notícias e selecionando os fatos que informam o público consumidor de notícias, a partir da sua visão de Estado, da sua visão de desenvolvimento, da sua visão das funções públicas do Estado, gerando uma espécie de “naturalização” do neoliberalismo e mascarando as premissas dos seus argumentos.

Cito alguns exemplos: reforma do Estado significa reduzir o serviço público e demonizar empresas estatais, como estão fazendo atualmente com a Petrobras; redução dos gastos públicos significa diminuir as despesas de proteção social; o “custo Brasil”, para eles, é originário, não da supremacia da política rentista, característica do projeto neoliberal, mas principalmente das despesas com direitos trabalhistas e impostos; parcerias público-privadas são vistas apenas como “oportunidades de negócios”, para empresas privadas e não como uma relação contratual, que combine o interesse público com o interesse privado; a corrupção é sempre culpa do Estado e dos seus servidores, omitindo que ela tem outro polo, o polo mais ativo, o privado, que disputa obras e serviços, corrompe funcionários e manipula licitações, nas suas concorrências predatórias.

Essa relação entre a política e a mídia costuma ser carregada de tensões e conflitos. Como político e gestor público, como procura lidar com esse tipo de situação?

Tarso Genro: Tive algumas experiências diretas interessantes com este tipo de manipulação: quando iniciei a implementação das cotas para negros e afrodescendentes no país, através do Prouni – ali eu era ministro da Educação – a grande mídia atacava a proposta, apoiada por acadêmicos de direita e da chamada extrema-esquerda, porque as cotas iriam baixar a qualidade da Universidade, já que os negros e afrodescendentes eram originários da escola pública e não tinham uma formação compatível para cursar as Universidades da elite, que são as universidades privadas. Puro preconceito, como se vê, tornado notícia isenta. Hipnose fascista, como argumentava Thomas Mann, na época do nazismo.

Outra experiência bem significativa foi quando, como Ministro da Justiça, deferi, baseado em jurisprudência do Supremo, nas leis e na Constituição, o refúgio para Cesare Battisti. Battisti não era, para a grande mídia, um cidadão italiano buscando refúgio, mas um “terrorista”. O pedido de refúgio era divulgado, então, como pedido do “terrorista Cesare Battisti”, para induzir o consumidor da notícia a ser contra o refúgio, pois ninguém de sã consciência quer abrigar terroristas em seu território. A grande mídia repassava sem nenhum pudor, para os leitores e espectadores, portanto, a tese do corrupto Berlusconi e dos fascistas italianos, de que Battisti era um simples bandido. Pura manipulação da informação para obter resultados favoráveis às suas opiniões e posições políticas pré-concebidas. Quase conseguiram.

Os exemplos aqui no Rio Grande do Sul também são fartos. Atualmente temos “fronts” onde esta disputa se desdobra. Temos o direito de dizer que é um jornalismo comprometido com uma visão do passado, este, da Zero Hora, que desqualifica constantemente o nosso governo, com distorções em notícias, cujos fatos são selecionados para dar uma impressão de neutralidade.

Com qual visão de passado, exatamente?

Tarso Genro: Ora, a situação financeira estrutural do Estado é ruim há muito tempo e nós nos elegemos com o compromisso de investir, melhorar o salário do servidores – que estavam arrochados duramente- e recuperar as funções pública do Estado. As matérias de Zero Hora criticam as decisões que estamos tomando, baseadas no nosso programa de Governo, a partir da ótica do Governo Britto e Yeda, sem dizer que estão defendendo um programa de governo oposto ao nosso, já que foram e são grandes entusiastas das privatizações e das demissões de servidores públicos de forma irresponsável, as chamadas “demissões voluntárias”.

O governo Britto fracionou e vendeu a CEEE por preços irrisórios, deixando as dívidas trabalhistas e das aposentadorias dos servidores com o Estado. Negociou as dívidas com a União, comprometendo-se a pagar juros exorbitantes e promoveu, assim, um estoque de dívida impagável. A governadora Yeda vendeu ações do Banrisul para pagar despesas correntes, não para – por exemplo – pagar contrapartidas para drenar mais recursos para investimentos, e fez o chamado (falso) “déficit zero”, arrochando salários e promovendo uma redução brutal nas políticas sociais e nos investimentos públicos, além de não captar recursos da União Federal, já que seu governo estava permanentemente atravessado por disputas internas. Ou seja, este jornal – e alguns editoriais de rádio e TV da mesma cadeia – estão já fazendo campanha eleitoral, para tentar restaurar, no Estado, as políticas destes dois governos, pois à medida que escondem as responsabilidades pela situação do Estado e exigem de nós, soluções imediatas, que sabem ser impossíveis e que não foram propostas no nosso Programa de Governo, estão saudosos destas políticas de privatização do Estado, que não deram em nada em lugar nenhum, a não ser atraso e crises sociais.

Um exemplo que chega ser hilário desta paixão saudosista é a forma com que eles tratam a questão dos pedágios no Estado e a parceria público-privada, para a construção da RS 10. Quanto ao primeiro assunto (pedágios), jamais avaliam os superlucros e os preços cobrados pelos pedágios, nem avaliam os investimentos feitos pelas concessionárias, para medi-los com estes preços e lucros. Quanto ao segundo assunto (parceria para a construção da RS 10) nos pressionam (ou pensam que nos pressionam), através de editoriais e notícias mal disfarçadas – mas são recados neoliberais – que devemos ser rápidos, acolhendo a proposta que vinha sendo negociada pela Governadora Yeda, sem pensar um minuto nos custos para o Estado e, inclusive, nas garantias que o Estado deve oferecer, nas suas precárias condições financeiras, herdadas dos governos Britto e Yeda, cujas promessas eles tinham grande simpatia.

Este tipo de crítica dirigida diretamente a uma empresa de comunicação costuma ser associado a um tipo de censura ou ameaça à liberdade de expressão. Como vê esse tipo de objeção?

Tarso Genro: Tem o direito de fazer tudo isso, é óbvio, mas se tivéssemos fortes órgãos de imprensa, TVs e rádios, que fizessem circular de forma equivalente as informações do governo e a opinião dos usuários, obviamente toda a sociedade ficaria bem mais esclarecida e livre, para formar a sua opinião. Para informar, como se sabe, os governos que não adotam o receituário neoliberal, precisam pagar e pagar bem, com as suas peças publicitárias, pois as matérias em regra não são nem isentas nem equilibradas e passam, naturalmente, a ideologia dominante na empresa jornalística, às vezes até editando o trabalho feito pelo repórter, ou encaminhando para ele as “conclusões” isentas que a matéria deve conter.

Considerando a natureza conflitiva dessa relação, é possível, na sua opinião, manter essa postura crítica e, ao mesmo tempo, não fechar os canais de diálogo?

Tarso Genro: Temos diálogo com eles e vamos continuar tendo, até porque não confundimos a nossa função pública com as disputas político-partidárias, que estão na base destes conflitos. Frequentemente temos que usar, porém, os meios alternativos à grande mídia, as redes, os “blogs”, as rádios independentes para divulgar as nossas posições, principalmente em épocas pré-eleitorais, quando a isenção se torna ainda menor e eles passam a preparar os seus candidatos para as próximas eleições. É o que está ocorrendo agora de forma acentuada, em temas de alta relevância para o Estado, como as finanças públicas, as parcerias e as políticas sociais do nosso governo.

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Comentários

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Leonardo

Aproveita o embalo do Tarso (Parabéns para ele, pois está fomentando o debate acima de tudo!) e chuta o balde Dilma!

jaime

Há uma boa matéria sobre rádios comunitárias que seria interessante ser reproduzida aqui (cortando os excessos porque é muito extensa):

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed741_dez_anos_de_solidao

xacal

O governo Dilma enfrenta um momento delicado no que tange a mídia corporativa, na minha rasa opinião.

Isto é pouco ou nada dito nos debates acalorados, talvez por ignorância, talvez por manipulação.

Há em curso um poderoso movimento internacional de concentração de poder econômico e de produção de conteúdo fora do eixo que chamamos tradicional, com empresa de TV, rádio, jornais, editoras e gráficas como plataformas “naturais” destes setores.

O advento da internet bagunçou e pulverizou as formas de atuação da indústria da informação, do entretenimento, enfim, da cultura (tanto a destinada aos mais elitizados, quanto a de massas).

Entraram no jogo as empresas-meio, que viraram fim em si mesmas, falo das teles, dos provedores de internet, dos sítios de busca, etc.

Com o esfarelamento das corporações de mídia tradicionais, em parte por um processo inerente delas mesmo(desde a sua partidarização conservadora, sua própria falta de “limites”, que lhes roubou credibilidade, etc), mas em outra ponta, pela dinâmica capitalista que tornou seus processos caros, obsoletos e pouco atrativos, as empresas-meio começaram a engolir grandes conglomerados de mídia, ou a destruí-los, quando fosse conveniente.

É neste meio que se encontram governos, aí incluído o nosso!

Mal ou bem, é nas corporações de mídia, com todas as críticas e ódios justos que lhe dedicamos, que está a produção de algo parecido com uma cultura nacional, ainda que sob o permanente tacão colonizador.

Os governos oscilam entre manter o mal conhecido, ou enfrentar o mal desconhecido.

Sob as fronteiras físicas e as fronteiras jurídicas, estas empresas ainda resistem com capital nacional, que implica prestar contas aqui, embora saibamos que pouco ou nada prestam contas.

Mas será muito mais grave quando o dinheiro público, por exemplo, servir para engordar as contas de propaganda de empresas multinacionais, com remessa de lucros ao exterior.

Neste sentido, está próximo o momento no qual haverá uma dupla inflexão inacreditável: o apelo nacionalista tomará conta da mídia corporativa, e o governo terá que justificar a sua base de apoio mais radical a tomada de posição em defesa destes setores que estão à beira da desnacionalização, que é indesejável.

É aí que reside a oportunidade de ouro para a blogosfera cravar uma estaca no peito do PIG, fazendo-o aceitar novas regras de regulação e fim da propriedade cruzada que sustenta oligopólios.

Eu creio que o governo (e amplos setores) acreditem que tais oligopólios são males necessários para enfrentar as corporações internacionais(teles, etc).

São estes vetores que estão por trás da “leniência” de Dilma em passar o rodo na cambaleante mídia brasileira.

Eudes Hermano Travassos

Reforçar a luta política nbuma democracia é uma condição úynica, ou seja, a sociedade tem sempre que está em luta política pelos seus direitos, mas um governo que tem mais de 70% de aprovação, a aprovação pessoal da presidenta tem mais de 80% e ainda tem oo maior lider deste país , quiçá da América Latina, não justifica postergar a regulamentação da mídia que é do mais alto interesse da sociedade.

CNunes

É curioso que em nenhum momento o Governador cita o Ministro da Comunicação.
Tarso lembra suas atuações como ministro, mas parece que se coloca a parte do processo, como se os governos Lula e Dilma já não tivesse sido eleitos como resultado dos movimentos de pressão popular que objetivavam a democratização do país, inclusive da mídia.
Tarso traz o ´iluminismo´ da nossa constituição, mas to achando que estamos é vivendo a Contra-reforma(da globo) ainda …
http://www.conversaafiada.com.br/pig/2013/04/07/o-globo-elogia-o-bernardo-esse-mino-%E2%80%A6/

Francisco

O mais é “conversinha”…

Francisco

Pelas leis brasileiras (e internacionais) pessoas culpadas de crimes contra a humanidade podem ser proprietárias de midia eletrônica?

A “Lei de Midia” é tarefa da Comissão de Verdade…

Malvina Cruela

Toda atividade dominada majoritariamente por mulheres é atividade em decadência..olha o jornalismo aí dando razão a essa sentença que não é minha, é uma das falas do filme canadense A decadência do Império Americano. Se se lembram. E aposto que se for fazer a mesma pesquisa no sistema de ensino, justiça e saúde e outras coisas que não funcionam, vai se repetir o mesmo quadro… mas entendam bem, não é pq mulheres sejam profissionais menos qualificadas, é pq são setores que pagam mal e somente mulheres aceitam trabalhar por migalhas e acham que isso ainda é uma grande vantagem pq assim podem escapar de maridos e pais boçais e truculentos.
“A maioria dos jornalistas brasileiros é formada por mulheres brancas, solteiras, com até 30 anos de idade. No total da categoria, elas representam 64%. A constatação faz parte de um levantamento divulgado na última semana, pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)”

pereira

Aqui a mídia local elegeu alguns prefeitos no interior da Bahia, algumas rádios bateram pesado nos governos de esquerda, agora 90 dias depois os prefeitos que assumiram nessas prefeituras já são tratados de demônios, satanás, e a ir eu falo essa é a velha direita de sempre.

Ronaldo Silva

Grande colaborador para sepultamento da operação SATIAGRAHA.

Jcm

Tadinho do Tarso!! Fui até pegar um lenço pra enxugar minhas lágrimas. O governo, que é poder, tá nessa situação! Isso só tem um nome: me desculpem, no blog, : bundamolice! ( isso se eles estiverem sendo honestos, coisa da qual se duvida )

xacal

Sei, ótimo discurso, mas vamos olhar o orçamento estadual gaúcho, as contas de propaganda oficial e os destinatários.

Só depois desta análise que o discurso(bom, como já disse)do Tarso faz algum sentido.

Vontade política e luta política se expressam no orçamento.

Detalhe trágico:

O contrabando da questão Battisti é sofrível.

Battisti não era um “terrorista”, era um assassino comum, que encontrou asilo sob uma tremenda afronta a um estado de direito, a Itália, que era um estado de direito quando os crimes aconteceram e ainda é, como todas as suas contradições, que não nos cabe debater, sob o risco de violarmos nosso princípio de autodeterminação(que violamos).

Julio Silveira

Talvez só acreditem no Tarso aqueles que comam na sua mão. De resto não vai passar de mais um daqueles momentos em que tentará lucrar com um discurso politicamente correto, por saber que virará musica aos ouvidos da maioria da cidadania esclarecida e insatisfeita, mas que ao final se verificará resultar em pouco efeito prático.

    Ronaldo Silva

    Seu comentário resume de maneira catedrática o governardor tarso genro.

    Julio Silveira

    Eu sei. Descobri depois de alguns enganos.

Fabio Passos

Sem pressao politica a famiglia marinho vai continuar mantendo a ditadura da informacao no Brasil.

O PiG e o sustentaculo do Apartheid Social.
E preciso derrotar as oligarquias midiaticas para avancar em direcao a uma sociedade mais democratica, prospera e justa.

Roberto Locatelli

Para “reforçar a luta política” é preciso agir conjuntamente com os movimentos sociais. Será que o PT ainda lembra como se faz isso, governador?

Urbano

É… acordem, acordem, pois a mecha está acesa e faz tempo… Vai se deixar os bandidos da oposição ao Brasil ganharem de novo?

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