Sandro Miranda: Chegou a hora do Leviatã Climático?

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Fotos: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil e reprodução

O livre mercado fracassou. Chegou a hora do Leviatã Climático? 

A crise climática global nada mais é do que uma crise gerada pela apropriação privada da atmosfera pelo grande capital poluidor

Por Sandro Ari Andrade de Miranda*, no Sul 21

O discurso neoliberal e a sua defesa intransigente do livre mercado como solução de todos os problemas, encontrou, desde o final da década de 1970, amplo espaço para a sua reprodução na esfera pública política, em especial nos grandes meios de comunicação.

Apesar da incompetência do setor privado na implementação de políticas de energia, saneamento e transporte, o que redundou na reestatização destes serviços em países como França, Reino Unido, Alemanha e até nos EUA, o dogmatismo ideológico de alguns dirigentes nacionais ainda insiste na privatização, mesmo que as experiências mais recentes no Brasil tenham sido um completo fracasso, como nos casos da ENEL, em São Paulo, e da Equatorial, no Rio Grande do Sul.

Não surpreende, portanto, que o discurso da privatização tenha saído do campo dos serviços públicos e esteja ameaçando bens ambientais, como rios, florestas, parques e praias, exatamente quando fica evidente a relevância desse patrimônio para evitar o alargamento da crise climática.

Embora existam regras específicas definindo a proteção de cada um destes bens na Constituição Federal de 1988, o art. 225 da referida Lei Fundamental é peremptório ao estabelecer que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem público de uso comum, sendo a sua proteção um dever de todos e obrigação do poder público.

Todavia, apesar de o meio ambiente ser um bem público de uso comum, há pelo menos dois séculos ele vem sendo privatizado por meio da sistemática externalização dos danos à natureza.

Neste tipo de prática, o ambiente é tratado como local de descarte de tudo aquilo que não pode ser apropriado pelo capital, com a poluição das chaminés, rejeitos e resíduos sólidos contaminantes.

O resultado é um crescimento sem precedentes no nível de dióxido de carbono na atmosfera, o que foi intensificado neste “século de privatizações”.

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Em apenas 12 anos, de 2001 e 2013, o nível de CO2 na atmosfera cresceu 38 ppm (partículas por milhão), praticamente o mesmo índice alcançado em 200 anos da revolução industrial, entre 1760 e 1960.

Se somarmos as emissões de 1960 a 2013, o crescimento chegou a 92 ppm. Isto significa que o nível de dióxido de carbono na atmosfera quase dobrou em pouco mais de 200 anos.

Mas além de aumentar as emissões, o mercado desregulado também pressiona países para aumentar reservas monetárias por meio de exportações, o que acaba sendo obtido, contraditoriamente, por meio de incentivos fiscais a produtos de exportação altamente poluidores como as monoculturas do agronegócio e da mineração, resultando na retroalimentação entre o mercado desregulado, a degradação ambiental e as mudanças do clima.

Por meio dessa privatização do clima e do meio ambiente, estes deixam de ser bens públicos para se transformarem em depósito privado de rejeitos econômicos e isto resulta no descontrole climático.

Logo, a crise climática global nada mais é do que uma crise gerada pela apropriação privada da atmosfera pelo grande capital poluidor.

Mas como enfrentar esse problema?

A resposta mais adequada para esta questão começa pelo aumento da regulação dos mercados, ou seja, pelo crescimento da atividade reguladora do Estado para frear “a luta de todos contra todos” imposta pelo mercado, por meio da tributação progressiva do capital, da redistribuição de receitas, do redirecionamento das vantagens fiscais para setores que atuam na recuperação de áreas degradadas, conservação de bens ambientais, transição energética, dentre outras.

Portanto, há um conjunto complexo de tarefas que passa obrigatoriamente por uma mudança da cultura política, dentro de um processo definido pelos geógrafos estadunidenses Joel Wainwright e Geoff Mann, homenageando Thomas Hobbes, como a criação de um Leviatã Climático que, na prática, nada mais é do que um estado de bem-estar ecológico.

A viabilidade de um estado de bem-estar ecológico passa por uma série de estágios, como substituir o individualismo e o imediatismo das pautas isoladas, fomentados por tantos anos, por um pensamento mais solidário, o que hoje, talvez, seja a nossa tarefa mais urgente.

*Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado, doutor em Sociologia.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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