Safatle: Programa do PV é o mais liberal

Tempo de leitura: 2 min

Marina Silva em Wall Street

Com o programa econômico mais liberal entre todos, PV apresentou o novo centro, com roupagem “moderna”

Wladimir Safatle, Folha de S.Paulo, 4 de outubro de 2010

“Wall Street” é, entre outras coisas, o nome do novo filme do cineasta norte-americano Oliver Stone. Ele conta a história da crise financeira de 2008 tendo como personagem central um jovem especulador financeiro que parece ter algo semelhante ao que um dia se chamou pudor.

Sua grande preocupação é capitalizar uma empresa, que visa produzir energia ecologicamente limpa, dirigida por um professor de cabelos brancos e ar sábio. O jovem especulador é, muitas vezes, visto pelos seus pares como idealista. No entanto, ele sabe melhor que ninguém que, depois do estouro da bolha financeira, os mercados irão em direção à bolha verde. Mais do que idealista, ele sabe, antes dos outros, para onde o dinheiro corre. Enfim, seu pudor não precisa entrar em contradição com sua ganância.

Neste sentido, “Wall Street” foi feliz em descrever esta nova rearticulação entre agenda ecológica e mundo financeiro. Ela talvez nos explique um fenômeno político mundial que apareceu com toda força no Brasil: a transformação dos partidos verdes em novos partidos de centro e o abandono de suas antigas pautas de esquerda.

A tendência já tinha sido ditada na Europa. Hoje, o partido verde alemão prefere aliar-se aos conservadores da CDU (União Democrata-Cristã) do que fazer triangulações de esquerda com os sociais-democratas (SPD) e a esquerda (Die Linke). Quando estiveram no governo de Schroeder, eles abandonaram de bom grado a bandeira pacifista a fim de mandar tropas para o Afeganistão. Com o mesmo bom grado, eles ajudaram a desmontar o Estado do bem-estar social com leis de flexibilização do trabalho (como o pacote chamado de Hartz IV). Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do partido verde francês, fez de tudo para viabilizar uma aliança com os centristas do Modem. Algo que soaria melhor para seus novos eleitores que frequentam as praças financeiras mundiais.

No Brasil, vimos a candidatura de Marina Silva impor-se como terceira via na política. Ela foi capaz de pegar um partido composto por personalidades do calibre de Zequinha Sarney e fazer acreditar que, com eles, um novo modo de fazer política está em vias de aparecer. Cobrando os outros candidatos por não ter um programa, ela conseguiu esconder que, de todos, seu programa era o economicamente mais liberal.

O que não devia nos surpreender. Afinal, os verdes conservaram o que talvez havia de pior em maio de 68: um antiestatismo muitas vezes simplista enunciado em nome da crença na espontaneidade da sociedade civil.

Não é de se estranhar que este libertarianismo encontre, 40 anos depois, o liberalismo puro e duro. De fato, a ocupação do centro pelos verdes tem tudo para ficar. Ela vem a calhar para um eleitorado que um dia votou na esquerda, mas que gostaria de um discurso mais “moderno”. Um discurso menos centrado em conflitos de classe, problemas de redistribuição, precarização do trabalho e mais centrado em “nova aliança”, “visão integrada” e outros termos que parecem saídos de um manual de administrador de empresas zen. Alguns anos serão necessários para que a nova aliança se mostre como mais uma bolha.

VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP


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Comentários

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Ana Maria

Fantástico texto! Parabéns pela lucidez e ousadia, Professor!

Alexandre

A equação é simples. Sem dinheiro, sem voto. O PV é um partido nanico. Assim, não tem dinheiro. Logo, não teria votos.
Mas os teve… Então, de onde vem o dinheiro??? Em outras palavras, quais os interesses em quem colocou dinheiro lá???

Alinne Weber

Qual o elo capaz de unir jovens de classe média alta a fundamentalistas religiosos?
Aquele que une os eleitores de Marina: a alienação política.
Muitas vezes, a aversão à política.
Dentre estes, vence o que fala mais bonito, ainda que o discurso seja raso, demagógico e irrealizável.
Pergunte ao eleitor de Marina quem é ela, o que já fez e com quais propostas dela concorda e como resposta terá o silêncio.

Laura

Eu não acredito nas urnas também.

Marcelo de Matos

Se é que essas ondas começam na Europa, o que nos reserva o futuro, já que agora o velho mundo está tomado por greves gerais? A crise proporcionou uma investida contra os direitos sociais conquistados ao longo dos anos. Até na China o progresso decretou o fim da previdência social e dos direitos trabalhistas. Outros movimentos surgirão e, pelo andar da carruagem, as coisas não ficarão tão verdes.

Eugênio

É estranho NINGUÉM achar que pode ter havido SABOTAGEM e TRAPAÇA através das URNAS ELETRÔNICAS.

A BOCA DE URNA NÃO VALE DE NADA?????????

SABOTARAM AS URNAS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    Guilherme

    tb achei estranho.

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