Roberto Amaral: A ameaça a Glauber Braga é sintoma de um Poder suicida

Tempo de leitura: 4 min
Deputados Glauber Braga e Sâmia Bomfim durante banho de sol do parlamentar, que fez greve de fome até as 17h dessa quinta-feira, 17/04. Foto: Lula Marques/Agência Brasil

A ameaça a Glauber Braga é sintoma de um Poder suicida

“Se eu aceito ser derrotado pelo poder da grana, isso representará um estímulo pra perseguirem outras lideranças e mandatos populares espalhados pelo país. Por isso, resisto!”
Glauber Braga

Por Roberto Amaral*

A ainda possível cassação do mandato do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) é ameaça extremamente grave.

Grave em absoluto, como violação de direito, e grave pela especificidade, pois na conduta do parlamentar fluminense nada se perfila como violação do decoro de uma casa, em contraste, abastardada, seja pela sequência interminável de escândalos, seja pela chantagem deslavada que é a marca de sua relação com o Poder Executivo.

O esforço concentrado da direita com vistas à cassação, já aprovada pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, de pronto atende à política rasteira que, domina a vida nacional — política de horizonte medíocre, cevada no tráfico de influência que rebaixa a dignidade do mandato eletivo de um modo geral, mas que, de forma ainda muito mais grave, enxovalha o mandato parlamentar.

É a resposta do atraso às denúncias de Glauber Braga contra a corrupção desavergonhada do “orçamento secreto” (afinal derrubado pelo STF) e da criminosa manipulação dos recursos públicos mediante as chamadas emendas parlamentares, que beiram uma sangria de recursos na casa dos R$ 57 bilhões destinados a obras que ora não começam, ora não são concluídas — recursos que, no entanto, sempre são consumidos.

Farra dos recursos da União, do contribuinte, a qual, à margem do controle político-judicial, assegura o mandonismo dos potentados locais e a renovação dos mandatos de seus delegados e procuradores na Câmara dos Deputados.

É uma troca de favores remunerados pelo bem público que lembra a traficância: o prefeito elege o deputado, que retribui com a dotação de verbas federais que, por sua vez, levarão o alcaide a reeleger-se.

É a roda da política que está na raiz do escândalo das opacas emendas parlamentares, assim como são administradas, majoritariamente na contramão do interesse público e atendendo a projetos que seus autores não podem confessar.

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Se o objetivo da trama fascista fosse tão só a cassação do mandato do deputado — e já não se trataria de pouca coisa —, a jogada já seria uma ignominiosa vindita de uma súcia flagrada com a mão na botija.

Mas essa vingança, ainda em marcha, não encerra a história toda, pois igualmente se abate contra Glauber a mão pesada do consórcio fascismo-neoliberalismo que, ceifando-o da vida política, como pretende, dará grave aviso à esquerda como um todo.

Assim, o poder real da instituição ditará os limites dentro dos quais é consentida a atuação parlamentar desapartada dos interesses dominantes.

Neste caso, a punição, dirigindo-se aparentemente a um parlamentar — alvo para ser tomado como exemplo do que deve ser evitado —, na verdade terminará por ameaçar todos os parlamentares.

O pau que bate em Chico bate também em Francisco.

Para além de Glauber, contudo, e (simbolizado por ele), do amplo campo da esquerda, a grande vítima, ao fim e ao cabo, será a própria democracia representativa, cuja sobrevivência é incompatível com a autoflagelação moral do Poder Legislativo.

Com isto não se importam os neofascistas e não parece se importar a direita como um todo, mas deveriam estar preocupados os democratas.

Aos democratas de hoje, muitos se deixando embriagar pelos arreganhos da direita, lembramos que a quebra da ordem democrática de 1946, por muitos defendida nos idos de 1964, terminou por ceifar a todos, sem olhos para enxergar direita, centro e esquerda.

A cassação de Glauber Braga, se a sociedade brasileira não a impedir, será registrada como um harakiri sem honra, anunciador do réquiem da democracia que nosso povo vem tentando construir e conservar, já desiludido de aprofundá-la, desde quando viu apeada do poder, por fadiga, a ditadura de 1º de abril de 1964, que se abateu contra nosso povo, constrangendo a história, quando mais supúnhamos estar construindo uma sociedade política e socialmente avançada.

Agora sabemos que a democracia é espécime em risco, pois sobre seu futuro se abate o avanço da onda fascista, totalitária por essência, que se espalha pelo mundo como rastilho de pólvora, agora com o estímulo político, militar e financeiro do trumpismo — ameaça que já é fato em nosso subcontinente.

Dessa ameaça já conhecemos seus objetivos e seus métodos com a trágica experiência bolsonarista, a peçonha que saltou do ovo e ainda não foi esmagada.

***

Para quem olha para o passado pensando no futuro — Em 1964, ano do último golpe militar, faziam oposição ao presidente João Goulart, entre outros, os governadores do Rio Grande do Sul (Ildo Meneghetti); de São Paulo (Adhemar de Barros); do então estado da Guanabara (Carlos Lacerda) e de Minas Gerais (Magalhães Pinto). Hoje, militam na oposição ao presidente Lula os governadores do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de Goiás. Jango tinha maioria parlamentar, assegurada pelas bancadas do PTB e do PSD, as duas maiores do Congresso. O governo Lula é minoritário nas duas casas.

Para quem mira o presente para ver o futuro — Com a reeleição de Daniel Noboa no último domingo (13/04), fica claro o plano inclinado da direitização da América do Sul, o principal e mais estratégico espaço de nossa política externa: à Argentina do trêfego Javier Milei, soma-se agora o Equador. E não é pouco, consideradas as turbulências no Peru e na Bolívia, a insegurança política no Chile e na Colômbia (talvez os últimos palos da resistência da esquerda) e o desencontro com a Venezuela. Mais que nunca as circunstâncias e nossos interesses reclamam a política ativa e altiva, cunhada por Celso Amorim.

*Roberto Amaral foi presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ministro da  Ciência e Tecnologia do governo Lula. É autor do livro História do presente – conciliação, desigualdade e desafios (Editora Expressão Popular e Books Kindle).

* Com a colaboração de Pedro Amaral

*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Ricardo Mello: Processo de cassação de Glauber, uma das maiores perseguições na história da Câmara. VÍDEO

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Comentários

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Zé Maria

https://x.com/i/status/1913286798366707822

A Deputada Federal @TaliriaPetrone, Líder da Bancada
do PSOL, falou sobre o Posicionamento Contrário à
Cassação de Glauber de Vários Parlamentares das
Mais Diversas Forças Políticas e sobre o Recuo da Câmara Federal após Pressão Popular.

Na coletiva de imprensa, #GlauberFica informou a
suspensão da greve de fome que já durava 9 dias.

https://x.com/Glauber_Braga/status/1913286798366707822

.

Zé Maria

.

“A Paixão de Cristo é a História de um Prisioneiro que
foi Perseguido e entregue como ‘herege’ ‘subversivo’
por Líderes Religiosos; que proclamou a Justiça;
que denunciou o acúmulo de riqueza em poucas mãos;
que por isso foi preso, torturado e executado; porque
foi Insuportável para os que queriam controlar o Poder
e a Riqueza.
Este é o Cristo dos Evangelhos, que exaltou os Humildes
e acolheu as Pessoas Marginalizadas e Excluídas,
inclusive, por um Sistema Religioso.”

Pastor HENRIQUE VIEIRA
Deputado Federal (PSOL/RJ)
https://x.com/PastorHenriqueV/status/1913238531478057354

.

Zé Maria

.
“Com pressão popular e diálogo,
conseguimos o fim da greve
de fome do deputado
@Glauber_Braga.

Após a deliberação da CCJ,
o caso não vai a Plenário por
60 dias, garantindo direito
à ampla defesa de Glauber.

O Parlamento é espaço de
democracia e escuta.”

#GlauberFica

https://x.com/CamilaJaraMS/status/1912967016920633609
.

Zé Maria

.
“Toda minha solidariedade ao companheiro
@Glauber_Braga, que teve a coragem de ir
a fundo na greve de fome e conquistou uma
vitória importante.

A luta continua!

Estamos contigo na defesa do seu mandato
e da democracia!

GLAUBER FICA!”

https://x.com/MarinadoMST/status/1912970617927745667
.

Zé Maria

.

O Processo de Perseguição Contra
o deputado Glauber Braga (PSOL/RJ)

Ação parece Motivada muito mais por Vingança Política
por parte dos Aliados de Extrema Direita do ex-presidente
Jair Bolsonaro

Por Fernanda Chaves & Sandro Lobo,
no Le Monde Diplomatique
[…]
Julgamento Político e Desproporcionalidade da Pena

O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados
foi criado em 2001.

Em teoria, representa um mecanismo essencial
de autorregulação institucional.

Entretanto, na prática, sua dinâmica é influenciada
pelo posicionamento político de quem ocupa a
presidência da Câmara.

Em 24 anos, o Conselho de Ética da Câmara
recebeu 234 representações contra deputados
acusados de corrupção, agressão física ou verbal,
calúnia, difamação, disseminação de notícias falsas
e homicídio.

Desse total, apenas 8 (oito) dessas representações
resultaram em cassação do mandato após votação
no plenário – o que representa cerca de 3%.

A imensa maioria (mais de duzentas) foi arquivada
ou terminou com punições leves, como advertência
verbal ou escrita, ou suspensões temporárias do
mandato.

Os casos envolvendo agressões físicas ou verbais,
apesar de numerosos, quase nunca resultaram
em sanções graves.

Ao todo, 24 parlamentares foram alvos de acusações
desse tipo. Nenhum deles perdeu o mandato.

Mesmo nos seis casos que envolviam agressão física
direta, todos foram arquivados ou, no máximo, punidos
com censura escrita.

Entre esses episódios está o do ex-presidente
Jair Bolsonaro, quando ainda Deputado Federal,
acusado em 2013 de agredir com um soco o então senador Randolfe Rodrigues durante uma visita
oficial da Comissão da Verdade a um antigo centro
de repressão da ditadura militar.
O caso foi arquivado.

Outro exemplo é o do deputado Devanir Ribeiro,
acusado de agredir o colega Onyx Lorenzoni
no plenário da Câmara em 2013.
O resultado?
Uma simples censura escrita.

O deputado bolsonarista Delegado Da Cunha,
por exemplo, recebeu do Conselho de Ética
da Câmara apenas uma advertência verbal
em 2021 em decorrência de um vídeo que
circulou na grande mídia revelando uma
sequência chocante de espancamento e
sufocamento contra a sua então companheira.
O caso recebeu apenas uma censura por escrito
– que nunca foi aplicada.

Íntegra em: https://t.co/eORqP7Dkxo
https://diplomatique.org.br/o-processo-de-perseguicao-contra-o-deputado-glauber-braga/

.

Zé Maria

.
.
“Deputados Federais Glauber Braga (RJ)
e Sâmia Bomfim (SP) durante banho de sol
do Parlamentar, que fez Greve de Fome
no Congresso Nacional até as 17h de
quinta-feira, 17/04.”

“Foto: Lula Marques/Agência Brasil”:
https://www.viomundo.com.br/wp-content/uploads/2025/04/img-1950.webp
.
.
[Se ao menos Metade do Poder Legislativo Federal
tivesse a Honestidade, a Competência e o Caráter
do Casal Sâmia/GlauberFica, o Congresso Nacional
não seria o Antro de Mediocridade e Infâmia que é.]
.
.

Zé Maria

Excerto

O esforço concentrado da direita com vistas à cassação
do mandato [de #GlauberFica], de pronto atende à
política rasteira que, domina a vida nacional — política de
horizonte medíocre, cevada no tráfico de influência que
rebaixa a dignidade do mandato eletivo de um modo
geral, mas que, de forma ainda muito mais grave,
enxovalha o mandato parlamentar.

É a resposta do atraso às denúncias de Glauber Braga
contra a corrupção desavergonhada do “orçamento
secreto” (afinal derrubado pelo STF) e da criminosa
manipulação dos recursos públicos mediante as
chamadas emendas parlamentares, que beiram
uma sangria de recursos na casa dos R$ 57 bilhões
destinados a obras que ora não começam, ora
não são concluídas — recursos que, no entanto,
sempre são consumidos.

Farra dos recursos da União, do contribuinte, a qual,
à margem do controle político-judicial, assegura
o mandonismo dos potentados locais e a renovação
dos mandatos de seus delegados e procuradores
na Câmara dos Deputados.

É uma troca de favores remunerados pelo bem público
que lembra a traficância: o prefeito elege o deputado,
que retribui com a dotação de verbas federais que, por
sua vez, levarão o alcaide a reeleger-se.

É a roda da política que está na raiz do escândalo das
opacas emendas parlamentares, assim como são
administradas, majoritariamente na contramão do
interesse público e atendendo a projetos que seus
autores não podem confessar.”

https://t.co/6F2094XP3L
Mestre ROBERTO AMARAL
https://x.com/VIOMUNDO/status/1913273954195722331

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