Roberto Amaral: 8 de janeiro, adeus às ilusões

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Brasília (DF) 08/01/2024 - Ato Democracia Inabalada realizado no Salão Negro do Congresso Nacional. Foto: Lula Marques/Agência Brasil

8 de janeiro: adeus às ilusões

Por Roberto Amaral*

Os atos oficiais promovidos para registrar o repúdio nacional à intentona de 8 de janeiro de 2023 – cujos planejadores, operadores e financiadores seguem em sua maior parte impunes, muitos protegidos pela imunidade da farda – consumiram-se em louvação às “instituições”, glorificadas como responsáveis pela preservação do que chamamos de democracia.

Logo elas, que tanto atentaram contra o regime e a ordem constitucional nesses sofridos 134 anos de uma frágil república outorgada ao povo por um golpe de Estado.

Logo elas que sempre estiveram a serviço dos interesses do grande capital, por natureza avesso a todo impulso democratizante.

São elas, hoje, borrado o passado, apresentadas como as heroínas do contrapelo ao 8 de janeiro, de que esteve ausente, como sempre, o povo, que a tudo assistiu pela televisão, sem entender o que ocorria.

O povo soube da depredação dos edifícios símbolo da república, mas não lhe foi dito que aquela inusitada movimentação de gente – uns fardados, outros fantasiados de verde e amarelo – consistia em um golpe de Estado em andamento, uma intentona fascista muito mais poderosa que a de 1938, e assim muito mais ameaçadora, anunciando desdobramentos de contornos inimagináveis.

Estavam à vista as marionetes, mas da luz do sol se protegiam os conspiradores que de longe controlavam os cordéis. O que se pode dizer é que marchávamos, naquele momento, para uma ditadura.

Nem as “instituições” da República, nem o governo, cuidaram de advertir o país para o significado real das arruaças, nem os partidos do campo progressista cuidaram de advertir e orientar seus segmentos organizados, nem o movimento sindical se fez ouvir a respeito.

Mas nenhum mortal que houvesse acompanhado a emergência do bolsonarismo poderia ignorar que a serpente continuava viva, e sua peçonha mais viva e maligna do que nunca.

Naquele então como agora, quando o cantochão liberal da “pacificação nacional” – sempre invocado quando a direita perde – é a chave para a impunidade dos criminosos, felizmente rechaçada pelo presidente Lula no tom devido.

Ninguém ousou furar o “véu da fantasia”: nenhuma informação sobre o grave quadro de uma real insurreição foi prestada ao país; nenhuma declaração do governo se ouviu, senão quando a calmaria se impôs, e os “poderes” confraternizaram.

Mesmo assim silenciaram os partidos. O discurso político terminou por ser construído pelas imagens da TV Globo.

Continuamos nos satisfazendo com as aparências. Que amanhã não choremos quando das cinzas levantarem labaredas, pois o inimigo está sempre à espreita.

A esquerda deve ao país uma avaliação do processo vivido, e ainda não findo, até porque a história não se compõe de vasos estanques.

Conhecer este passado imediato, é a melhor forma de evitar sua reincidência. De outra parte, é preciso revisitar a proclamada resistência das “instituições”.

Vencido nas urnas, Jair Bolsonaro teve seu retorno frustrado pelo encontro de dois intervenientes que não estavam na planilha de seus engenheiros; o primeiro deles, a ausência da adesão popular ao assalto.

Esta era necessária para convulsionar o país, com o que os golpistas teriam justificativa, artificial embora, para a aplicação da GLO, o ponto central de todas as articulações.

Outra asa quebrada foi a disfunção interna, a ausência de comando no levante. Entregar todas as fichas ao voluntarismo das massas raramente dá certo. Sabe-se como terminou a tentativa de golpe de Jânio Quadros em 1961: com o ex-presidente embarcado em um cargueiro para longa vilegiatura na Europa.

No ápice da crise, o ministro da defesa almoçava num restaurante em Brasília, e o general chefe da GSI, visivelmente aturdido, tropeçava ao caminhar por entre os escombros do palácio do planalto, que lhe cabia proteger.

Quando intervém, provocado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, a quem se deveu o mínimo de reação governamental, o ministro da defesa propõe a aplicação da GLO, o consabido instrumento constitucional que, pela via da intervenção militar por ele ensejada, consolidaria o golpe fascista em marcha.

Naquele 8 de janeiro a presidência da República ainda não havia reunido forças para dispersar os vândalos acantonados em frente ao quartel-general do Exército.

É fácil imaginar qual seria a reação dos mesmos oficiais se, em vez de subversivos de extrema-direita, os acampados fossem líderes sindicais, estudantes, trabalhadores sem terra ou indígenas reclamando suas terras griladas.

Na segurança dos amotinados da direita xucra revelou-se oficial exemplar o general Júlio César de Arruda, então comandante do exército, obstinado em impedir a prisão dos golpistas acampados no quartel-general da Força em Brasília.

Não foi muito distinta a reação das “instituições”.

O ministro da Justiça, diante do cenário de absoluta inação das instituições, telefona ao presidente da república, então em Araraquara, e dita-lhe: “Presidente: não há comando”.

O ministro poupou seu chefe, ao esquivar-se de dizer que tampouco havia a mínima ação do elemento militar e das forças policiais para proteger os bens públicos e debelar o levante.

Seu depoimento: “O trajeto [dos delinquentes], de 8 quilômetros, foi acompanhado por agentes de segurança, alguns deles flagrados tomando água de coco e tirando selfies, enquanto o Congresso era invadido ao fundo” (O Globo,07/01/2024).

O presidente não dispunha de serviço de informação digno de qualquer respeito. Não poderia confiar nos militares que haviam tentado impedir sua candidatura, sua eleição, sua posse e, afinal, seu governo.

Não podia confiar na Abin, e soube-se que não podia confiar no GSI. Um quadro claro de insegurança.

Narra o presidente: “Antes de viajar para São Paulo conversei com o ministro Múcio [Defesa] e ele disse que as pessoas iam sair [dos acampamentos]. Viajei tranquilo. Não me passava pela cabeça ser pego de surpresa com aquela manifestação. Sinceramente, não tive as informações corretas sobre a possibilidade de acontecer aquilo. Tinha a informação de que os acampamentos estavam acabando, mas depois soube que, no sábado, começou a chegar gente de ônibus. Não imaginei que pudessem chegar à invasão” (O Globo, 07/01/2024).

Ora, “aquilo” a que se refere Lula era quase tudo: a senha para o golpe. As tropas seriam chamadas para “restabelecer a ordem” e ao fim e ao cabo assim voltariam ao poder.

Qual o discurso das festividades glorificantes das “instituições”, senão o de que devemos esquecer o que houve e não temer o amanhã, pois nossas “instituições”, as instituições da classe dominante, herdeiras da casa-grande, estariam de pé em defesa da democracia?

Mas, em resumo, o que foi mesmo que elas fizeram de glorioso senão simplesmente exprobar os crimes contra palácios, encerrada a injúria?

A defesa do povo, exilado em seu país, não pode ser delegada às “instituições” da classe dominante, ora celebradas como guardiãs de uma democracia que nunca hesitaram em trair.

O que essa narrativa festiva almeja é a tutela ideológica, a falsa tranquilidade, a paz de cemitério que esconde os conflitos de classe para que tudo permaneça como está.

E não nos deve entusiasmar as louvações à “ordem institucional”, nem confiar nas “instituições” como pretensas guardiãs da democracia que tanto traíram. Seria como entregar a raposa pantagruélica a guarda do galinheiro.

A luta para valer contra a extrema-direita e o fascismo (qualquer que seja seu nome de fantasia) não se conforma nos jogos da institucionalidade: no seu terreno é que a Lava Jato operou seus muitos crimes, entre os quais é sempre relevante pôr de manifesto a condenação e prisão de Lula, encarcerado numa enxovia por 580 dias.

Tudo sagrado e consagrado pelo STF , este mesmo que aí está.

A história ensina que o locus da resistência é a luta social, no enfrentamento político-ideológico, que nosso governo (acuado como um gato escaldado) teme, por erro tático, e as esquerdas evitam, por falta de visão estratégica.

O recuo político pode até tornar menos dispendiosa e menos dramática a conclusão do terceiro mandato. Mas atrasará por anos não conhecidos o fundamental de nossa luta, que é o progresso das reformas sociais, desacreditando nossas forças.

Com o país conformado, como querem os liberais e os conservadores, como exige a classe dominante e admitem setores atrasados do nosso governo, estará aberto à direita, com nossa indesculpável conivência, o caminho sem retorno para o fascismo.

*Roberto Amaral foi presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula. É autor do livro História do presente- conciliação, desigualdade e desafios (Editora Expressão Popular e Books Kindle)

Com a colaboração de Pedro Amaral

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Comentários

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Zé Maria

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12.54:

hora em que o luminar da ABL, Merval Pereira, diz que
a função do STF ‘não é defender a Democracia’,
mas a Constituição’.

Escolha:

a. má fé;
b. não sabe o que é Constituição;
c. não sabe o que é Democracia;
d. se atrapalhou porque é um odioso antipetista;
e. tudo junto.

https://twitter.com/TarsoGenro/status/1744767525961748554

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Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/FyT5lf0XgAA8Xtr?format=jpg

“Merval Pereira e outros colunistas que apoiaram o golpe
contra a Presidenta Dilma e a prisão ilegal de Lula
vão passar a vida inteira tentando rescrever a História.

Mas não vão conseguir apagar o que fizeram.

Outro dia ele tentou igualar a trajetória de Ricardo Lewandowski
ao prontuário de Sergio Moro e hoje manipula a volta de Marta ao PT,
para tentar negar que o impeachment sem crime foi golpe.

São falácias negacionistas.

Moro, que era tratado como herói, foi julgado parcial e suspeito pelo STF,
entre outros seis motivos, por ter virado ministro de Bolsonaro, que ele
ajudou a eleger tirando @LulaOficial da eleição de 2018.

O impeachment de Dilma, a quem Merval ofende com misoginia,
foi um golpe e assim será tratado pela História, porque ela
[a Presidenta]Dilma não cometeu crime de responsabilidade
nem crime nenhum.

O negacionismo de Merval e outros é uma desesperada tentativa
de apagar o quanto contribuíram, por interesses políticos e econômicos,
para a desestabilização das instituições e da democracia em nosso país”

Deputada Federal GLEISI HOFFMANN (PT/PR)
Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores.
https://twitter.com/Gleisi/status/1747304705665999331
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C@lunistas da Imprensa Venal do braZil,
especialmente de Globo, Folha e Estadão,
fingem que não sabem que as Declarações
do Pleno da Suprema Corte Brasileira de
Suspeição, por Parcialidade, e de Incompetência
de Sérgio Moro, quando Juiz Titular da 13ª Criminal
Federal de Curtiba, no Paraná, não são meras
questões de ‘opinião’, são sim Decisões Judiciais
Transitadas em Julgado em Última Instância, isto é,
Sem Nenhuma Possibilidade Legal de Apelação
em Qualquer Juízo do País. Conformem-se.

Thread do Histórico da Infâmia de Globo/DD/Moro Contra Lula:

https://twitter.com/leninaveira2/status/1667289666117091330
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667294012435226630
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667294371752951813
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667295497239814147
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667296152163590147
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667321515497385989
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667321519825985539
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667322667186155522
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667323410551119873
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667732188857528320
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667963363144478725
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667289637306392576
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667289685004107776
https://twitter.com/leninaveira2/status/1667289682764259328
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Zé Maria

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Os Ataques Coordenados de Deltan, Moro e Editoriais do Jornal O Globo
à Decisão de Lula de Escolher Ricardo Lewandowski para o Cargo de Novo
Ministro da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal.

No Jornal da Fórum com Apresentação de Miguel do Rosário e Iara Vidal:

https://youtu.be/34nE-xSZ54E?t=1314
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Kakay Repudia Merval Pereira que
comparou Lewandowski a Moro [SIC]

“Merval é Mais Um Viúvo da Lava Jato”

Kakay na Revista Fórum:
https://youtu.be/w4XLKu8il0Y
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“É Inacreditável que ‘SérjuMôru’ tenha
passado num concurso pra Juiz!”

KAKAY, no ICL Notícias:
https://youtu.be/AvoQVjGuF-k
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“1. O Jornal O Globo deveria pedir desculpas ao ministro Lewandowski
pela leviandade de seu editorial, que ofende também o STF e o
presidente @LulaOficial.
Se queriam passar pano para Sérgio Moro, que inspirou o texto
com uma postagem moleque nas redes sociais, só conseguiram
avivar a memória da cumplicidade com aquele que proclamaram
herói e hoje está à beira de ser cassado por crimes eleitorais.

2. É absurda e indigna a falsa equivalência que editorial do Globo faz
entre a indicação de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça,
pelo presidente Lula, e a cumplicidade de Sergio Moro com Jair Bolsonaro.

Comparar o prontuário de Moro com a trajetória de Lewandowski
beira ao cinismo [para não dizer Má-Fé].

O ex-juiz corrompeu o sistema de Justiça;

Lewandowski engrandeceu o STF.

3. Moro ganhou seu ministério (e a promessa de ir ao STF)porque
viabilizou objetivamente a candidatura de Bolsonaro em 2018,
ao condenar sem provas e prender Lula ilegalmente, excluindo-o
da campanha em que era favorito.

Agiu de forma premeditada, parcial e criminosa, como apontou
mais tarde o Supremo.

Deputada Federal GLEISI HOFFMAN (PT/PR)
Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores.
https://twitter.com/Gleisi/status/1745851074869620846
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Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/GD1BjhVXcAAaX6C?format=png

Bíbla, Quépe e Bandeira NaZional:

“Aprendemos com tristeza
Que usar essas Três Cousas
Não nos dá Garantia de Caráter”

https://pbs.twimg.com/media/GDwuiKRXcAAty9Y?format=jpg
https://twitter.com/zeroig/status/1746321921887678589
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Aprendemos?
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Zé Maria

Excertos

“Não nos deve entusiasmar as louvações à ‘ordem institucional’,
nem confiar nas ‘instituições’ como pretensas guardiãs da
democracia que tanto traíram.

Seria como entregar a raposa pantagruélica a guarda do galinheiro.

A luta para valer contra a extrema-direita e o fascismo
(qualquer que seja seu nome de fantasia) não se conforma
nos jogos da institucionalidade:

no seu terreno é que a Lava Jato operou seus muitos crimes,
entre os quais é sempre relevante pôr de manifesto a condenação
e prisão de Lula, encarcerado numa enxovia por 580 dias.
Tudo sagrado e consagrado pelo STF , este mesmo que aí está.

A história ensina que o locus da resistência é a luta social,
no enfrentamento político-ideológico, que nosso governo
(acuado como um gato escaldado) teme, por erro tático,
e as esquerdas evitam, por falta de visão estratégica.”

.

Zé Maria

Questionamento Histórico Procedente:

“Qual o discurso das festividades glorificantes das ‘instituições’,
senão o de que devemos esquecer o que houve e não temer o amanhã,
pois nossas ‘instituições’, as instituições da classe dominante,
herdeiras da casa-grande, estariam em pé em defesa da democracia?

Mas, em resumo, o que foi mesmo que elas fizeram de glorioso senão
simplesmente exprobar os crimes contra palácios, encerrada a injúria?”

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[“Tudo como dantes
no quartel de Abrantes”]

(https://pt.quora.com/Como-surgiu-a-express%C3%A3o-tudo-como-dantes-no-quartel-de-Abrantes)
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Zé Maria

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O Plano Estratégico da Extrema-Direita
é dar Golpe de Estado na ‘Mais Perfeita
Ordem Democrática’ com as ‘Instituições
Nacionais Funcionando Normalmente’,
com a Mídia Venal ‘Livre’ para apoiá-lo.

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marcio gaúcho

Os azeitonas não prestam para nada. Não tem serventia à nação e, ainda, custam muito caro aos cofres públicos. Todos gordos, cheios de viagra, próteses penianas e descerebrados. A catinga da maçonaria está entranhada, de modo canhestro, na caserna e na reserva (os de pijama), que mijam nas calças e babam na camisa. Todos os exércitos são fascistas e assombram a humanidade com a sua capacidade egoísta de controlar a população, em benefício próprio. A democracia sempre estará em perigo, devido a esses inócuos, porém armados, ameaçando a nossa existência como nação.

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