Rafael Duarte: Eleição da Argentina vira plebiscito contra neoliberalismo na América Latina

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Foto: Elineudo Meira/Chokito

Eleição da Argentina vira plebiscito contra neoliberalismo na América Latina

por Rafael Duarte, agência Saiba Mais/ComunicaSul

Buenos Aires – Os argentinos decidem neste domingo (27) o modelo de governo que desejam para os próximos quatro anos no país.

O fracasso da gestão do presidente Maurício Macri (Pro) é creditada na conta do neoliberalismo, que transformou a Argentina numa vitrine do modelo para a América Latina. Há quatro anos, Macri era saudado como uma espécie de garoto-propaganda de um produto que faria o Estado eficiente como um empresa e traria estabilidade econômica para a região a partir de agenda ortodoxa e privatista.

De lá para cá, a Argentina acumulou três anos de crescimento negativo, perdeu 200 mil postos de trabalho com carteira assinada (10,6%), viu a quantidade de pobres chegar a 41 milhões de pessoas e a população abaixo da linha da pobreza atingir 28%.

O país mergulhou numa recessão e reviu um filme que parecia já ter saído de cartaz: o socorro financeiro do Fundo Monetário Internacional, cujo empréstimo de 56 bilhões do dólares é o maior já realizado pelo FMI a um país no planeta.

A insatisfação dos argentinos pôde ser sentida já em agosto de 2019, durante as chamadas Primárias, tratadas como prévias das eleições.

Naquela consulta, o candidato de oposição Alberto Fernandez ficou 17 pontos à frente de Macri e, desde então, todas as pesquisas de intenção de voto apontam a vitória, no 1º turno, da Frente de Todos, que além do advogado e professor de Direito Alberto Fernandez na cabeça da chapa traz no cargo de vice a ex-presidenta Cristina Kirchner, principal herdeira do peronismo na Argentina.

A presença de Cristina é muito forte entre os argentinos. Pesquisa divulgada durante a semana apontou que para 45% da população é a ex-presidenta quem vai governar o país, caso Fernandez vença as eleições.

Fernandez é ex-chefe de gabinete dos governos de Néstor e Cristina Kirchner. Ele rompeu com a ex-presidenta durante o último mandato dela por divergências políticas, mas reatou a aliança em 2019 de olho na Casa Rosada.

Questionado pela imprensa local se poderia romper novamente, Fernandez foi categórico ao afirmar que não romperia jamais com a líder peronista.

Cotada para voltar à presidência até a véspera da inscrição das nominatas, Cristina tem alta rejeição em determinados setores da Argentina, especialmente da classe média, e abriu mão da cabeça da chapa para garantir a vitória.

Foto: Elineudo Meira/Chokito

No último ato público de campanha, em Mar del Plata, Cristina fez um discurso duro apontando que as eleições será, na verdade, um plebiscito contra o neoliberalismo no país:

– “Hoje em Mar del Plata não estamos encerrando uma campanha eleitoral. Estamos encerrando um ciclo histórico: nunca mais a pátria deve voltar a cair nas mãos do neoliberalismo. Nunca mais estas políticas”, disse a ex-presidenta.

Além de Alberto Fernandez e Maurício Macri, os candidatos mais competitivos da disputa são Roberto Lavagna, Nicolás del Caño e José Espert.

Além de eleger o presidente e o vice-presidente, os argentinos escolherão 130 deputados nacionais, 24 senadores nacionais e 43 deputados do Parlamento do Mercosul. Em várias províncias e no distrito federal também se elegem, nesse mesmo dia, autoridades executivas e legislativas.

agência Saiba Mais se integrou em Buenos Aires ao coletivo brasileiro ComunicaSul para cobrir as eleições da Argentina.

O que se vê nas ruas é um povo apreensivo, mas esperançoso. A população vem sentindo na pele os efeitos da crise.

Como a economia do país é dolarizada, qualquer variação na moeda norte-americana é um baque para o comércio. O Real varia entre 13 e 16 Pesos, dependendo da casa de câmbio.

A inflação em 2019 deve ultrapassar os 50%, maior do que a soma das inflações de todos os países da América Latina, incluindo a Venezuela.

A vendedora ambulante Andreia Fernandez cita o desemprego para traduzir os quatro anos do governo Macri e tem esperança num país melhor:

– Estamos mal com o Macri, há muito desemprego, estamos esperando que assumam Cristina e Fernandez para que tudo isso se reverta. Nesses quatro anos ficou muita gente sem trabalho. No governo de Cristina tínhamos o que comer, hoje tem muito gente sem comida”, disse.

Outra pista de que a dupla Alberto/Cristina deve vencer as eleições é que há mais de uma semana não há divulgação de qualquer pesquisa de intenção de voto no país.

As empresas e os jornais tradicionais da região – Clarín e La Nacion – passaram a semana publicando possíveis efeitos negativos na economia numa eventual vitória da chapa Frente de Todos, que conta com 20 partidos e entidades, uniu o peronismo e se consolidou com o maior e mais heterogêneo arco de aliança da política recente argentina.

Nos últimos dias de campanha, o atual presidente voltou a tentar convencer os eleitores pela via do medo, ligando uma eventual volta de Fernandez ao retorno do kirchnerismo ao poder:

– Somos uma maioria que passou muitos anos em silêncio, com medo, olhando para a política de longe, pensando que nada ia mudar, e deixamos um espaço enorme que acabou nas mãos de pessoas que pensavam que eram donas do Estado e queriam ir por tudo e até por nossa liberdade”, disse em Buenos Aires.

Após as primárias revelarem uma grande diferença entre Fernandez e Macri, o discurso do presidente passou a ser ainda mais agressivo. O vice dele, Angel Pichetto, é um peronista conhecido por discurso xenófobos e racistas.

Até uma declaração recente do presidente brasileiro Jair Bolsonaro no Japão sobre um possível boicote a Argentina no Mercosul em caso de vitória da chapa peronista foi usada para amedrontar o povo.

Em conversa com argentinos e jornalistas brasileiros que moram em Buenos Aires, dá para perceber que a estratégia de usar Bolsonaro na eleição foi um tiro no pé.

O povo argentino tem um histórico de valorização dos Direitos Humanos, muito em razão do trauma e das cicatrizes herdadas da ditadura militar que, segundo entidades e movimentos sociais, resultou em mais de 30 mil pessoas mortas ou desaparecidas.

Logo após a primeira visita do presidente brasileiro a Argentina durante a campanha eleitoral, as pesquisas registraram perda de eleitores por Macri.


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