Marqueteiro Doria falta ao anúncio do Butantã e coronavac continua sem transparência

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O governador de São Paulo, João Doria, fala à imprensa, após encontro com o presidente em exercício , General Hamilton Mourão

É indesculpável não sabermos ainda o que está acontecendo com a Coronavac

Adiamento da divulgação dos resultados da fase 3 levanta suspeita de que há algum problema com a vacina. A falta de transparência é um enorme desserviço para a população

Por Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo

A maneira como políticos e cientistas lidam com a verdade é muito diferente. Mas esses dois grupos compartilham um comportamento que, aliás, é uma característica do ser humano: boas notícias são divulgadas rapidamente; más notícias são escondidas, divulgadas aos poucos, ou mesmo ocultadas.

Os resultados do ensaio clínico da fase 3 da Coronavac foram adiados novamente.

Seriam divulgados nesta terça-feira, 15, e agora foram adiados para 23 de dezembro.

Esse fato levanta a suspeita de que existe algum problema com a eficácia dessa vacina ou com o ensaio clínico conduzido pelo Instituto Butantã. Aqui, vou descrever os três cenários mais prováveis.

Qualquer que seja a realidade, a falta de transparência dos responsáveis por essa vacina é um enorme desserviço para a população brasileira. E, espero, para a reputação dos envolvidos.

Quando o ensaio clínico de fase 3 da Coronavac foi iniciado, resultados foram prometidos para o dia 20 de outubro. Atrasou, mas em 24 de novembro o governo de São Paulo afirmou que havia 74 pessoas que contraíram covid-19 entre os participantes do estudo, o suficiente para fazer uma análise preliminar da eficácia. Isso porque o protocolo do estudo previa uma análise preliminar com 61 casos. Essa análise foi feita e seu resultado não foi divulgado.

Nesse meio tempo, o número de casos de covid-19 chegou a 170, superando os 151 necessários para considerar o estudo terminado. Novamente, os dados relativos a esses 170 casos não foram divulgados, mas prometidos para esta terça-feira, 15 de dezembro. Agora, a divulgação foi atrasada novamente.

Não divulgar por comunicado à imprensa um estudo da fase 3 com 170 casos confirmados é, no mínimo, estranho. A Pfizer terminou seu estudo e divulgou o resultado com aproximadamente 160 casos e o mesmo ocorreu com a AstraZeneca e a Moderna. Com esse número de casos, já é possível calcular qual a eficácia da vacina e sua segurança. Pfizer e Moderna, com esse número de casos, determinaram que a eficácia de suas vacinas é de 95% e a AstraZeneca, de 62%.

Como mostrei quando descrevi o estudo da Pfizer, essa conta é muito fácil de fazer e, para tanto, basta construir um gráfico semelhante aos publicados pela Pfizer e AstraZeneca que reproduzi aqui no Estadão. A questão, portanto, é a seguinte: como esses dados existem, por que o Instituto Butantã, que é o responsável pelo estudo, não fez sequer um comunicado à imprensa?

Uma possibilidade é que o estudo teve falhas graves na sua execução e os resultados obtidos até agora são inconclusivos. Essa é uma possibilidade real, pois sabemos que mesmo a AstraZeneca teve problemas na execução do seu estudo e a real eficácia de sua vacina ainda é desconhecida (sabemos que é maior que 62%).

Que se saiba, o Butantã nunca fez um estudo dessa importância em um tempo tão curto. Se esse é o caso, o Butantã e o governo do Estado deveriam descrever o problema, mostrar como pretendem sanar a deficiência e informar o prazo em que dados confiáveis serão obtidos.

A segunda possibilidade é que os resultados são claros e a conclusão é de que a vacina tem uma baixa eficácia. Se esse é o caso, beira um crime não divulgar esses resultados, simplesmente adiando ou tentando esconder os dados.

Uma vacina que não funciona não é culpa nem de quem a desenvolveu nem de quem fez os testes.

É uma realidade científica que não vai ser mudada por qualquer discurso político. E, quanto mais cedo soubermos se a vacina é ou não eficaz, mais rapidamente poderemos saber se vamos poder contar com ela nos planos de vacinação.

Também é uma irresponsabilidade inacreditável o governo do Estado anunciar um plano de vacinação com datas se a vacina não funciona ou tem baixa eficácia.

A terceira hipótese é que o ensaio clínico de fase 3 foi bem executado, e o Instituto Butantã já sabe que a vacina funciona e tem alta eficácia. Mas, para fazer birra e prolongar a guerra com o governo federal, essa informação está sendo sonegada de modo que o governo federal não conte com a vacina no seu plano de vacinação e São Paulo saia na frente, capitalizando politicamente essa informação. Se for o caso, esse é o mais sujo uso político de uma vacina que se pode imaginar.

O fato é que nas três hipóteses é indesculpável não sabermos ainda o que está acontecendo com a Coronavac e se o País vai poder contar com ela nos seus planos de vacinação. Em todos esses cenários os cientistas do Butantã estão produzindo um enorme desserviço para o Brasil, simplesmente por se comportarem como políticos.

Finalmente, é preciso lembrar que até agora nenhuma das três empresas que poderiam fornecer vacinas ao País pediu a aprovação à Anvisa, e sem esse pedido formal todo esse barulho em volta da politização da Anvisa não faz o menor sentido.

Quando os pedidos forem feitos, e caso a Anvisa não se comporte como é esperado dela, aí sim, as metralhadoras devem ser apontadas na sua direção.

Em conclusão, apesar de todo o barulho em volta dos planos de vacinação, nenhum plano pode ser concluído sem que se saiba de quais vacinas o Brasil dispõe para vacinar a população (hoje não temos nenhuma), a quantidade de doses disponível de cada vacina ao longo do tempo (tampouco um fato conhecido) e as condições de armazenamento e vida útil das vacinas a serem utilizadas.

Enquanto esses dados não estiverem disponíveis, um plano detalhado é um exercício de futurologia, importante de ser feito, mas somente um exercício de futurologia. E nesse quebra-cabeça a peça mais importante que falta é sabermos se vamos poder contar com a Coronavac. E, governador, em ciência não basta dizer que sim, é preciso mostrar os dados.

*É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

PS do Viomundo: O artigo foi publicado antes do novo adiamento da divulgação dos dados, feito a pedido da chinesa Sinovac.


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Zé Maria

2020

Brasil

Covid-19

ÓBITOS

09/05 = 10.000
21/05 = 20.000
01/06 = 30.000
11/06 = 40.000
20/06 = 50.000
01/07 = 60.000
10/07 = 70.000
20/07 = 80.000
29/07 = 90.000
08/08 = 100.000
18/08 = 110.000
29/08 = 120.000
11/09 = 130.000
25/09 = 140.000
10/10 = 150.000
01/11 = 160.000
24/11 = 170.000
11/12 = 180.000
23/12 = 190.000

Tião

Acabo de ler no estadão que a coronavac tem uma eficácia superior a 50%. Então, não é boa. Tá explicado pq a China não usa a coronavac em grande escala numa população de 1,3 bilhão de pessoas.
Se essa notícia for verdadeira a vacina é um retumbante fracasso. Ao que li a China vacinou pouca gente. É para ficar desconfiado.
Parece que vacina boa é a da Pfizer e a Russa. Se esquecerem a ideologia e combinar essas duas vacinas a eficácia deverá ou poderá ser de uns 99,9%.

Zé Maria

Fiocruz deve começar entrega da vacina de Oxford em fevereiro

Plano prevê 1 milhão de doses na segunda semana de fevereiro.

As primeiras doses da vacina da AstraZeneca em parceria com
a Universidade de Oxford, finalizadas no Brasil, estarão disponíveis
na semana do dia 8 de fevereiro.
Nesta terça-feira (22/12), em audiência pública na Câmara dos Deputados,
a presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade,
disse que, pelo calendário programado, serão entregues 1 milhão de doses
entre 8 e 12 de fevereiro e mais 1 milhão de doses na semana seguinte.
A partir da terceira semana, de 22 a 26 de fevereiro, serão 700 mil doses diárias
da vacina, totalizando 3,5 milhões de doses por semana.

A programação, no entanto, dependerá do registro dos imunizantes
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

https://www.dw.com/pt-br/fiocruz-deve-come%C3%A7ar-entrega-da-vacina-de-oxford-em-fevereiro/a-56036976

Zé Maria

“Eles [Sinovac] entenderam que nós temos eficácia superior a isso [50%],
porém [a eficácia apontada nos testes no Brasil] foi diferente de outros países
em que essa vacina está em uso, por isso, merece uma reavaliação.
O fato disso [maior prazo para análise dos resultados pela Sinovac] acontecer
transmite isonomia”.
Jean Gorinchteyn
Secretário Estadual da Saúde de São Paulo

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/12/23/O-novo-adiamento-da-divulga%C3%A7%C3%A3o-dos-dados-da-Coronavac

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