Marighella: Revolucionário, “inimigo número 1” da ditadura militar, apaixonado por futebol, maloqueiro e sofredor

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Carlos Marighella: Revolucionário, rubro-negro, maloqueiro e sofredor

“Inimigo número um” do regime militar era também um apaixonado por futebol, pelo Vitória, pelo Flamengo e pelo Corinthians

Sports, sugerido por Aton Fon Filho

Durante os anos de chumbo, o guerrilheiro comunista Carlos Marighella foi considerado pelo regime militar o “inimigo número um” da tradição, da família e da propriedade – e é justamente à luta política que se atém a parcela mais famosa da sua biografia.

Mas foi também um entusiasta do futebol, paixão que se estendeu a três clubes brasileiros: nascido na Bahia, cresceu rubro-negro nas arquibancadas dos jogos do Vitória. Mais tarde, adotou Flamengo e Corinthians em temporadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, seja fugindo da polícia ou vivendo clandestinamente.

No 45º aniversário de morte do soteropolitano assassinado pela ditadura, o FOXSports.com.br mostra faceta de Marighella escondida sob a de revolucionário que coleciona desafetos e simpatizantes.

Futebol até atrás das grades

Dotado de saúde e porte físico de vaca premiada, atestaria Nelson Rodrigues, o mulato de 1,78 metro comandava, desde a quarta zaga, o sistema defensivo do Grêmio Atlético Brasil da década de 1940, time formado pelos detentos do presídio de Fernando de Noronha.

Era o “Bicão Siderúrgico”. Recebera o apelido parte pelo chute forte de perna direita, disparado pela ponta dos pés sempre descalços, e parte pelas insistentes palestras que promovia entre os colegas, nas quais reservava um bom tempo para explicar a importância de desenvolver a indústria nacional do aço.

Mário Magalhães, autor da biografia Marighella – O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo (Companhia das Letras, 2012), conta com mais detalhes: “Ele não tinha nenhum compromisso com a técnica mais apurada, segundo o que me disseram os entrevistados, mas também não era nenhum botinudo ou carniceiro. Tomava as bolas dos atacantes sem bater muito. Além disso, finalizava com tanta potência que era temido pelos adversários”.

“Era um fanático, louco por futebol”, acrescentou Clara Charf, sua ex-mulher. “Sobretudo, sempre acreditou no esporte como instrumento importante para união das pessoas, e tinha a certeza de que se manter ativo fazia bem ao corpo e à cabeça”, disse ao FOXSports.com.br.

“Para se ter ideia, durante a clandestinidade, quando não podíamos ir a clubes nem coisa nenhuma, ele inventou aparelhos para se exercitar – entre outras coisas, fez umas bolas pesadas para levantar e abaixar. Marighella sempre deu muito valor ao trabalho físico”, completou.

Se famoso pela luta contra o regime antidemocrático e pela construção do comunismo no Brasil, o baiano teve de encarar outro desafio logo na infância – e tudo para conseguir jogar bola.

Sua mãe, a negra Maria Rita, lhe impedia de sair para as peladas de rua, os babas da Baixa dos Sapateiros, bairro popular de Salvador onde foi criado, por medo de o filho voltar para casa machucado. Para tanto, amarrava os tornozelos do garoto na mesa da sala com uma cordinha – mais tarde, convencida por uma amiga e vizinha, Rita passou a liberá-lo.

Ainda assim, o menino tinha de pregar cravos nas botinas que calçava para ir à escola quando queria brincar de futebol com os amigos, uma vez que seu pai, o italiano Augusto Marighella, lhe negara a compra de uma chuteira por falta de dinheiro.

Torcida do Vitória, time da infância de Carlos Marighella, homenageia o comandante guerrilheiro (Divulgação)

Nasce (e morre) um maloqueiro sofredor

“Ele torcia pelo Vitória. E por que não Bahia? Porque o Bahia só foi fundado em 1931, quando Carlos estava para completar 20 anos. Na geração dele, se torcia pelo Leão, pelo Ypiranga, time de Jorge Amado, ou pelo Galícia. Depois, quando foi ao Rio de Janeiro, criou simpatia pelo Flamengo. E em São Paulo, enquanto clandestino, adotou o Corinthians”, disse Magalhães.

“Ele nunca compartilhou desse preconceito espalhado sobretudo entre os pesquisadores universitários das ciências sociais de que o futebol é o ópio do povo, citação que remonta ao ‘a religião é o ópio do povo’, do alemão Karl Marx”, continuou.

“E sempre teve aquela visão pragmática de militante. Certa feita tomou um táxi e, como de praxe, puxou papo com o motorista, que queria falar sobre os jogos da noite anterior. Ele não havia ouvido pelo rádio nem lido as notícias nos jornais pela manhã, então não teve como levar a conversa adiante. Ao chegar em casa, comentou com Clara que nunca mais deixaria de saber como foi a rodada, porque ele precisava se relacionar com todas as pessoas”, concluiu.

Foi em abril de 1945, ano em que saiu do cárcere no Rio de Janeiro, onde era preso político, que a influência de Marighella no futebol se estendeu para além das partidas de pés descalços. Em campanha para deputado federal constituinte, propôs a construção de um estádio na rua onde nascera, na região da Fonte Nova.

Eleito, levou a cabo o projeto apoiado pelo engenheiro Lô Costa Pinto de Pinho, antigo presidente do Tricolor de Aço. Ainda no breve período em que viveu fora da clandestinidade, conheceu João Saldanha, que viria a se tornar um dos seus melhores amigos e treinador da Seleção Brasileira nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, em que o time canarinho, já comandado por Zagallo, levantou o caneco pela terceira vez e ajudou a endurecer o regime.

“Em 1953, João e Marighella viveram a mais bem sucedida iniciativa que participaram juntos”, lembrou Mário Magalhães.

À época o País vivia tempos de democracia, pero no mucho: perseguido, o Partido Comunista Brasileiro era considerado ilegal e havia ordem de prisão para Carlos Marighella e outros dirigentes.

“Da clandestinidade – essa temporada durou quase uma década, entre 1948 e 57 –, o baiano comandou a greve dos 300 mil que parou São Paulo. João Saldanha era o pombo-correio entre ele e os trabalhadores”, contou.

“Depois, em 1960, na campanha pelo Marechal Henrique Lott, candidato apoiado pelo PCB contra o vencedor Jânio Quadros nas eleições presidenciais de 61, o partido montou o jornal “Hoje”. Durou poucos meses. O tesoureiro da publicação era Saldanha e o coordenador, Marighella. Tem mais: na base da camaradagem, o colunista de futebol era Didi, o Folha Seca, ídolo do Botafogo”.

Há exatos 45 anos, o Corinthians de Rivelino enfrentava o Santos de Pelé no Pacaembu. Dois dias antes, segundo as obras Combate nas Trevas, do pesquisador Jacob Gorender, e Batismo de Sangue, de frei Betto, a polícia deu início às torturas a frades dominicanos a procura do líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), tachado por governo e imprensa como um terrorista – e que fora encontrado no dia 4 de novembro de 1969.

Não deu tempo de Marighella festejar a goleada por 4 a 1 do Timão sobre o rival: armaram-lhe uma emboscada sob o comando do delegado Sérgio Fleury, o assassinaram a tiros e largaram o corpo dentro de um Fusca. Sua morte foi anunciada no intervalo do Clássico Alvinegro, no estádio – e comemorada pelas duas torcidas.

“Ele não misturava futebol e política”, afirmou Mário Magalhães. Clara explica: “O que ele gostava, gostava e pronto. E ia até o fim. Em 1966, três anos antes de ele morrer, estávamos fugidos, de novo na clandestinidade, mas acompanhamos a Copa do Mundo por rádio, líamos tudo o que saía nos jornais. Nem a ditadura esfriou o amor de Marighella por futebol”.

 

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Comentários

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Lukas

Este é um daqueles que era capaz de matar só para fazer o bem, ao contrário de seus inimigos que matavam para fazer o mal.
Personagens como Marighela e Che não são heróis para vocês APESAR de terem matado mas por terem matado, ido às últimas consequências, coisa que vocês são totalmente incapazes, a não ser no feicebuque.

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