Marcos Dantas: O futuro da mídia e os candidatos

Tempo de leitura: 6 min

A “mídia” sob profundo impacto de mudanças meteóricas

A velocidade com que essas mudanças estão se dando na sociedade brasileira pode, realmente, estar ameaçando todo o modelo de negócios de oligopólios que se pretendiam eternos. Parece que foram surpreendidos, tanto as empresas, quanto os seus cães de guarda.

por Marcos Dantas, na Carta Maior

Nascido por volta de 1870 para dar voz ao crescente movimento republicano das oligarquias cafeeiras paulistas, o Estado (então Província) de São Paulo somente iria aderir ao movimento Abolicionista quando a Abolição já se tornara inevitável. Nascida por volta de 1950, da iniciativa de um imigrante ítalo-americano ligado aos interesses de Walt Disney (e sabe-se lá a que outros interesses), a Editora Abril (irmã da Editorial Abril que o irmão daquele imigrante, na mesma época iria criar em Buenos Aires), depois de fomentar o american way of life entre nós, através de revistas como Pato Donald e Claudia, iria praticamente conquistar, com Veja, o monopólio do mercado das revistas semanais de informação, não por acaso durante o auge da ditadura militar. Nascida nos agitados anos 1920, com o jornal O Globo, as Organizações de mesmo nome, aliadas de primeiríssima hora do golpe de 1964, conquistariam, também durante a ditadura, tanto o monopólio da televisão em todo o país, quanto o da imprensa escrita na cidade do Rio de Janeiro, na medida em que os ditadores deram decisiva contribuição para a decadência e morte de muitos outros importantes órgãos de imprensa escrita que então disputavam leitores na ex-capital federal, entre eles, os Correio da Manhã, Última Hora, Diário de Notícias e, por fim, recentemente mas depois de longa agonia que teve início naqueles tempos, o Jornal do Brasil.

Se a imprensa (hoje, em dia, chamada “mídia”) chegou dividida à Revolução de 1930, apoiada por Marinho e Chateaubriand mas encarniçadamente combatida pelo Estadão, desde então tem agido como bloco único, no Brasil. Derrubou Vargas duas vezes, na segunda levando-o ao suicídio. Opôs-se, como pôde, aos governos JK e João Goulart. Apoiou e estimulou todos os golpistas de ocasião. Colocou-se contra a última ditadura – depois de ter a ela servido, inclusive fornecendo caminhões para a Oban – só quando o conjunto da burguesia achou que era chegada a hora de mudar para, lampedusamente, tudo continuar como sempre esteve…
Agora, coerente com a sua história, quer derrubar o governo altamente popular do Presidente Lula.

Como explicar a atual posição da imprensa?, perguntou outro dia o professor Venicio Lima.

Certamente, muitas pesquisas precisarão ser feitas para explicar o atual comportamento dos meios de comunicação no Brasil. Se toda unanimidade é burra, como dizia Nelson Rodrigues, estamos diante de um caso que já se configura paradigmático. Somente idiossincrasias e preconceitos não explicam a posição da imprensa nesta campanha, posição que não é somente a dos “donos dos jornais”, nem apenas a de alguns e algumas importantes e hiper bem remunerados colunistas, mas a de ampla maioria dos profissionais que se dizem “jornalistas” – todos diplomados. Servem com denodo, dedicação e até alegria aos seus patrões assim com os soldados SS serviam a Hitler… É mais do que meramente “cumprir ordens”. É acreditar nelas. É se querer reconhecido e recompensado por cotidiana, diária, contumaz demonstração de absoluta fidelidade a elas. Nas palavras de Serge Halimi, são os novos “cães de guarda”.

Diante da pergunta, arrisquemos alguma hipótese. Não é possível dissociar o papel político-ideológico da “mídia”, de sua organização enquanto empreendimento capitalista e do seu lugar na reprodução do sistema do capital. E, considerando a condição periférica do capitalismo brasileiro, qualquer reflexão nos obriga a tentar entender o papel dessa “mídia” na reprodução de 500 anos de periferia.

A partir dos anos 1950, em parte devido a forças sociais endógenas mas em boa parte devido à configuração internacional do capitalismo sob liderança econômica, cultural e militar dos Estados Unidos, o Brasil, como muitos outros países, ingressou na época de sua industrialização e urbanização desenvolvimentista. Tratava-se de expandir aqui dentro uma sociedade de consumo similar à estadunidense. No entanto, como as forças econômicas que comandavam essa expansão nos eram externas, a concentração de renda era uma condição sine qua non de exportação de parte do excedente internamente gerado pelo próprio desenvolvimento, daí havendo-se que bloquear as possibilidades de sua melhor distribuição social. A sociedade do consumo a brasileira, ao contrário do que acontecia no “fordismo” estadunidense, não poderia estender-se para todos. Foi essa a natureza do debate, nos anos 1950. Para Celso Furtado e os desenvolvimentistas isebianos de esquerda, nacionalistas por obrigação e opção, a industrialização precisaria, principalmente, servir para a oferta e consumo de bens de salário. Para Roberto Campos e os desenvolvimentistas de direita, entreguistas por opção, a industrialização somente deveria servir para a oferta e consumo de bens “supérfluos”.

Para a “mídia” brasileira periférica, a segunda opção seria natural. Vendendo marcas, estilo de vida, valores consumistas, ascensão social, status, isto é, sustentada pela indústria automobilística, eletro-eletrônica, cosmética e similares estrangeiras, a imprensa se colocaria contra o projeto de desenvolvimento que, nas condições da época, exigiria reter a expansão acelerada do consumo conspícuo, de modo a favorecer, em primeiro lugar, a expansão do consumo básico, daí permitindo a inclusão social da maioria menos favorecida. Ela só podia falar para a classe média consumista, não para os pobres – ou, para estes, somente falava de crimes, através dos famosos jornais “espreme/sai sangue”. Falava para a Zona Sul do Rio de Janeiro; para o Morumbi, em São Paulo. Precisava identificar-se com os temores, preconceitos, senso comum, arrogância, identidade elitista dessa classe média, para conquistar os números de circulação que lhe permitiria angariar anunciantes. Por isso, expressando a maneira de pensar desse seu público, colocava-se radicalmente contra qualquer proposta que pudesse cheirar a “populismo”. E para escrever seus editoriais, suas colunas, suas reportagens podia contar com bons jornalistas egressos cultural e intelectualmente do mesmo meio social. Logo, com os mesmos preconceitos e as mesmas ambições.

Para enfrentar tal fogo de barragem, Getulio Vargas pensou em usar a mesma artilharia. Capitalizou Samuel Wainer para que criasse um jornal de alta qualidade que, na forma, na linguagem, nas seções editoriais se mostrasse similar ao que melhor se poderia fazer na “mídia” de então (inclusive com coluna de “mulher boa”), mas politicamente engajado, seja pelos editoriais, seja por opções na pauta e nos lides, com o seu projeto nacionalista popular. A Última Hora de Wainer obteve um estrondoso sucesso. Em poucos meses, superou a circulação individual dos seus principais concorrentes. Em princípio, pela lógica da audiência, deveria atrair copioso faturamento publicitário. Não atraiu. Foi sempre um empreendimento deficitário apesar do sucesso de público. É que sua fachada de indústria cultural não conseguia disfarçar a sua condição de imprensa política, ao não submeter também o seu conteúdo noticioso e editorial àquilo que a “mídia” (e, no caso, a “mídia” periférica), bem como as agências de publicidade, considerariam “objetivo”, “neutro”, “independente”.

O golpe de 1964 iria consolidar, de vez, essa relação entre uma sociedade de consumo excludente para uma “mídia” exclusiva, e uma “mídia” exclusiva para uma sociedade de consumo excludente. A estreita classe média consumista, encurralada por trás dos muros de seus condomínios de elite apartada, confirmou-se como base econômica, cultural e ideológica de uma “mídia” também estreita, aglomerada em seus poucos e imponentes canais oligopolistas de veiculação. É um mercado onde só cabe uma grande revista semanal de grande circulação; um ou dois jornais importantes nas grandes capitais, quaisquer deles com circulação, convenhamos, ridícula; não mais que 400 livrarias em todo o país vendendo best-sellers e auto-ajuda (o mesmo que existe apenas em Buenos Aires, vendendo livros da melhor qualidade); principalmente, duas ou três grandes redes nacionais de televisão.

E assim deveria seguir o mundo. Pelo menos, o Brasil.

Mas o Brasil decidiu diferente. Por um conjunto grande de fatores, não apenas devido aos dois mandatos de Lula, mas também a eles, o país realmente mudou. Aquela classe média estreita e elitista viu-se superada quantitativa e qualitativamente por uma nova classe média, mais popular pelas suas origens, consumista também, mas desconectada e desinteressada da opinião publicada da grande “mídia”. Finalmente, uma grande massa da população foi incorporada à sociedade de consumo. Mas, talvez até pelos seus defeitos, sobretudo o seu baixo nível educacional e cultural, não foi incorporada à leitura semanal de Veja, nem à diária de O Globo. Ao mesmo tempo, neste preciso instante, emergem novos meios de comunicação, todos eles audiovisuais, como a TV por assinatura, a internet, o “celular”, que atraem essa audiência neoconsumidora para novas formas de produção e consumo de cultura industrial e publicidade. A realidade fabricada por aquela “mídia” parece nada dizer a esta audiência. Sobretudo quando ela insiste em denunciar supostos arrivistas da política, já que, de muitos modos, arrivistas são todos esses neoconsumidores.

A velocidade com que essas mudanças estão se dando na sociedade brasileira pode, realmente, estar ameaçando todo o modelo de negócios de oligopólios que se pretendiam eternos, logo também as relações, carreiras e ambições profissionais a eles endógenas. Parece que foram surpreendidos, tanto as empresas, quanto os seus cães de guarda, sejam os assalariados, sejam os PJs, paridos e educados, todos e todas, na mesma arrogante elite social. Daí o desespero…

Se a hipótese estiver correta, ainda testemunharemos, nos próximos anos, grandes mudanças econômicas e políticas nesta centenária “mídia” nativa. No entanto, a vitória de Dilma Rousseff ou a de José Serra será decisiva no encaminhamento de medidas legais e regulatórias, a esta altura inadiáveis, que definirão o tempo e condições de sobre-vida dos dinossauros mediáticos brasileiros. A “mídia” brasileira parece apostar que Serra será o seu Capitão Spurgeon “Fish” Tanner (Robert Duvall) de “Impacto Profundo”, jogando sua nave contra o meteoro econômico-cultural que lhe ameaça a própria sobrevivência… Só que a história é um processo real, não um roteiro hollywoodiano.

 Marcos Dantas é professor do Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ.


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Comentários

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Anderson

O governo errou ao fazer uma TV nova. Deveria ter anabolizado a Agência Brasil, pois o poder da Folha, Estadão e Globo está no fato de ser a fonte dos pequenos jornais e pequenas rádios, incluindo na seleção de pautas.

Baixada Carioca

E o caminho é a banda larga federal com um grande apoio do governo federal na popularização dos micros computadores, facilitando que toda família tenha um micro em casa.

Mas não pode ser como esse financiamento louco da Cx Ec Fd onde o sujeito tenta adquirir um imóvel de cerca de R$ 100 mil e, ao final, pagou R$ 320 mil. Os juros para financiamento do micro, assim como o da casa própria, deveria acompanhar os aplicados no BNDES.

@GriloD

Mesmo assim, levou Serra para o segundo turno, elegeu Alckmin no primeiro e colocou Aloysio Nunes no Senado. Ainda precisamos tomar muito cuidado com essa corja. Apesar da perda de credibilidade, ainda conseguem impedir que a democracia se exerça plenamente.
Abraços,
Grilo D

    Baixada Carioca

    E temos que levar em consideração que o datafolha apresentou (ou induziu?) os números que mais se aproximaram do resultado oficial.

Mauro

Há também o papel dos publicitários que parecem estar mancomunados com o sistema, e direcionam quase todo o orçamento das campanhas nessa mídia ultrapassada. Apesar de publicidade exigir sensibilidade para se comunicar com o público parece que os publicitários estão perdendo o cantato com o público e podem perder o sentido de existir pois publicitário que não entende seu público alvo vai ficar tentando vender caminhões de areia no deserto e pode morrer de fome.

Jair de Souza

Não é apenas aparência, o capitalismo em sua fase neoliberal globalizada tem nos meios de comunicação corporativos se verdadeiro partido político. Os donos do grande capital oligopólico se deram conta de que os partidos políticos burgueses tradicionais já não serviam para representar com eficiência seus interesses nesta nova fase. Com isso, os meios de comunicação corporativos passaram a ser os verdadeiros executores da política do grande capital. Os partidos burgueses tradicionais se tornaram meros apêndices do Partido Midiático. Assim, uma vitória de Dilma no primeiro turno representará um duro golpe contra o principal expoente da política do grande capital, o Partido Midiático. É esse o grande derrotado, e não os insignificantes Serra, PSDB-DEMo-PPS, PV ou Marina.

Lucio

Cliquei no link "Carta maior" e deu erro. Seja como for é uma interessante visão a respeito do papel mídia no país. E concordo que o futuro reserva mudanças inevitáveis. Gostei muito da leitura.

F.Silva

Parece que a imprensalona foi criada para demonstrar afeto à Ditadura de 64.Nunca vi tamanha simpatia dos poderosos da comunicação deste país fazendo o jogo da elite golpista.Bastou um político candidato distribuir o Bolsa Imprensa e arrearam as calças para ele.Donos da poderosa mídia raivosa não estão nem aí com o povo brasileiro,querem mesmo é gozar entre seus pares da alta sociedade com dinheiro público jorrando a bel prazer.Mesmo com o pico de audiência que mantem não conseguiram fazer a cabeça do zépovinho que a muito já percebeu que fazem maracutaias e tiram proveito,fazendoo jogo sempre favorável para a burguesia.

Jairo_Beraldo

E para dar uma cusparada na nossa cara, a GloboNews colocou para apresentar o programa final das eleições, nada mais nada menos que este time:

-Monica Waldvogel
-Merval Pereira
-Cristiana Lobo.

É o fim da picada!
Acabando o campeonato brasileiro, vou cancelar minha assinatura da NET!

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