Os Jogos do Futuro do BRICS
Por Marcelo Zero*
A ubíqua notícia de que um jovem de Oklahoma de apenas 13 anos conseguiu completar todas as fases possíveis do famoso jogo soviético Tetris demonstra a grande popularidade dos jogos eletrônicos, mesmo os mais antigos.
Também demonstra, indiretamente, a importância da indústria de jogos eletrônicos para a inovação e para a economia.
Nos EUA, por exemplo, tal indústria gera mais empregos, renda, patentes e tributos do que a indústria cinematográfica. No Canadá, onde há cerca de mil empresas de games instaladas, tal atividade também supera todas as outras, na área de entretenimento.
De acordo com a associação norte-americana de software de entretenimento – Entertainment Software Association (ESA) –, a indústria de games em 2019 nos Estados Unidos gerou cerca de US$ 90,3 bilhões em receita e aproximadamente 429 mil empregos, dos quais 143 mil diretos.
Nos BRICS, e especialmente na Rússia, há também um esforço de investimento nesse setor estratégico.
A Federação Russa de e-Sports (RESF) opera na Rússia há mais de 20 anos e foi projetada para desenvolver esportes eletrônicos em massa no país.
Nesse período, a organização já realizou mais de mil torneios, nos quais participaram mais de 500 mil participantes. Além disso, ela está empenhada na criação de infraestruturas desportivas de massa: formação e certificação de juízes, acreditação de instalações, preparação de materiais metodológicos, projetos educativos e desenvolvimento de clubes e secções.
A Rússia, na realidade, se tornou o primeiro país do mundo a reconhecer oficialmente os esportes informáticos como esportes de pleno direito.
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O governo russo aprovou agendas para a introdução de disciplinas de esportes eletrônicos nas universidades. Até ao final de 2024, os programas universitários incluirão cursos de e-esportes, não só para humanidades, mas também para futuros especialistas técnicos.
Algumas universidades russas já implementaram esses cursos em seus programas. São elas a HSE, a Universidade Financeira, a RANEPA, a Universidade Estadual Nacional de Educação Física, Esporte e Saúde de Lesgaft, Lesgaft e a Universidade Estatal Russa de Educação Física, Esporte, Juventude e Turismo.
Pois bem, coerentemente com esse esforço, os primeiros Jogos do Futuro dos BRICS acontecerão na cidade russa de Kazan, em 2024, de 20 a 23 de junho. No mesmo país onde o Tetris foi desenvolvido.
Esses jogos pretendem combinar, como no mundo do futuro, atividades físicas com atividades digitais, esportes tradicionais e e-sports, de modo integrado.
O evento está previsto para ser realizado em novas disciplinas utilizando tecnologia moderna, ambientes digitais e atividade física.
Robótica, realidade aumentada e virtual e inteligência artificial serão usadas nos Jogos, que deverão ter um prêmio total de US$ 25 milhões (£ 20,7 milhões/€ 23,4 milhões).
Haverá a participação de 256 equipes de todo o mundo. Prevê-se convidar 2.000 participantes e obter um total de 3 bilhões de visualizações.
O programa de competição incluirá eventos em 25 esportes. Os organizadores já testaram os formatos digitais de futebol, basquete, artes marciais, corridas e corridas de drones.
Aproximadamente 1.500 voluntários serão recrutados para ajudar na organização dos Jogos.
A importância dessa iniciativa avulta num momento em que os esportes e atletas russos sofrem forte boicote. Nas Olimpíadas de Paris, neste ano, atletas russos e bielorrussos só poderão competir, eventualmente, como indivíduos “neutros” e apátridas, sem direito a usar as cores de seus países, emblemas e hinos.
Rússia e Bielorrússia também serão impedidas de participar em esportes olímpicos coletivos, justamente os que atraem mais atenção.
Da mesma forma, atletas que tenham manifestado algum apoio aos seus países ou que tenham alguma relação, ainda que indireta, com as forças armadas também serão impedidos de participar nas Olimpíadas de Paris. Isso elimina boa parte dos melhores atletas russos e bielorrussos.
Não é a primeira vez que os esportes e os Jogos Olímpicos são usados como instrumentos de retaliação geopolítica, tradição que vem desde 1980, com o boicote ocidental às Olimpíadas de Moscou. Tradição incompatível com os princípios do Barão de Coubertin.
O futuro, contudo, parece mais localizado nos esportes físico-digitais de Kazan do que na tradicionalidade politicamente excludente de Paris.
O porvir pertence à multipolaridade digital e cooperativa do BRICS; não à unipolaridade coercitiva do Ocidente analógico.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais
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