Marcelo Zero: Democracia?

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Trump Foto: Isac Nóbrega/PR

Democracia?

Por Marcelo Zero*

As previsões feitas por Steven Levitsky e Lucan A. Way em O Caminho para o Autoritarismo Americano -O Que Vem Depois do Colapso Democrático estão sendo ultrapassadas pela realidade.

A transição da democracia americana para uma autêntica e dura autocracia está ser revelando bem mais célere e profunda que o previsto.

A ofensiva de Trump contra a liberdade de expressão e de imprensa, em particular, assusta e começa a evocar a memória da ditadura militar brasileira.

A recente imposição de uma censura prévia aos jornalistas que cobrem o Pentágono recorda, com efeito, o que ocorria no Brasil na ditadura militar.

Agora, esses jornalistas terão de submeter suas pautas e textos às autoridades do Pentágono, para que possam ser liberados. Esses profissionais da imprensa terão também de andar com “escolta” em muitos setores do imenso prédio do Pentágono.

Tal decisão do Pentágono também poderá se estender a outros órgãos públicos dos EUA.
A decisão não é, obviamente, isolada.

Ela vem no esteio de uma série de medidas antidemocráticas, como a perseguição a estudantes e professores, a violência contra imigrantes, ofensivas contra universidades, museus e instituições culturais, processos bilionários contra jornais, ameaças de cancelamento de concessões de televisões e rádios, cancelamentos de shows de sátira política, ameaças contra escritórios de advocacia, campanhas anticiência e antivacina, intervenções militares em cidades controladas por Democratas etc.

Na sexta-feira, Trump demitiu o procurador Erik S. Siebert por ter fracassado em promover acusações contra Letitia James, New York Attorney General e desafeta política de Trump.

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O cerco à democracia é geral.

Como bem observaram Steven Levitsky e Lucan A. Way, a democracia sobreviveu ao primeiro mandato de Trump porque ele não tinha experiência, plano ou equipe. Ele não controlava o Partido Republicano quando assumiu o poder em 2017, e a maioria dos líderes republicanos ainda estava comprometida com as regras democráticas do jogo. Trump governou com republicanos e tecnocratas do establishment, e eles o constrangeram em grande parte.

Nada disso é mais verdade hoje em dia. Desta vez, Trump deixou claro que pretende governar com apoiadores leais. Ele agora domina o Partido Republicano, que, expurgado de suas forças anti-Trump, agora se submete vilmente ao seu comportamento autoritário.

Na realidade, sua equipe é um aglomerado de “incitati”, sem quaisquer qualificações para exercer os cargos. A única qualidade exigida é a da lealdade incondicional ao Imperador e aos desvarios ideológicos do MAGA.

As suas reuniões de gabinete são demonstrações patéticas e vergonhosas de bajulações ridículas e hiperbólicas. Não há, como se diz, “adultos na sala”.

E é esse presidente profundamente autoritário, medíocre e vingativo que ousa criticar o Brasil, com base na Primeira Emenda da Constituição dos EUA, o texto constitucional que ele mais ataca, com suas medidas delirantes e autocráticas.

Steven Levitsky e Lucan A. Way afirmam, no texto citado, que os EUA não se converterão em uma ditadura pura e simples, mas sim em um “autoritarismo competitivo”, no qual as balizas constitucionais continuarão a existir e a oposição poderá operar, embora com constrangimentos.

Contudo, da maneira como as coisas estão se conduzindo, essa poderá ser uma previsão otimista. É preciso não esquecer que Trump, antes de Bolsonaro tentou dar um golpe com a invasão do Capitólio de 2021, crime pelo qual ele nunca respondeu, ao contrário do acontecido com o “Trump dos Trópicos”.

Como Bolsonaro, Trump não tem nenhum apreço pela democracia e sonha em se impor pela força, tanto no cenário externo quanto interno.

Assim, a queda da democracia americana, que está combinada com a relativa queda geopolítica dos EUA, poderá ser, repito, mais extensa que o previsto.

Na realidade, o tecido social e político dos EUA está se esgarçando a olhos vistos e a polarização, alimentada pela total impunidade de Trump e do Maga, e pela falta de reação das instituições democráticas, está colocando aquele país ao borde de rupturas e de enfrentamentos civis.

Como já se afirmou na The Economist, no Guardian, no The New York Times e outras publicações estrangeiras, o Brasil está dando lições de maturidade democrática a um EUA irreconhecível, apático e atemorizado.

Esse esforço brasileiro, reconhecido mundialmente, não poderá ser destruído pela agenda descabida e vergonhosa da anistia aos agressores da democracia, combinada com a blindagem a criminosos.

Não podemos cair ao nível dos EUA de Trump. Nossa bandeira é outra.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Comentários

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Zé Maria

STF, 22/09/2025

Eduardo Bolsonaro, o 03 do Jair,
e o Neto do Ditador Figueiredo
foram Denunciados pela PGR
pelos crimes de coação no
curso do processo e obstrução
de investigação de infração penal .

Ministro Alexandre determinou
a Notificação de ambos para que
ofereçam resposta prévia à
Denúncia no Prazo de 15 Dias.

Íntegra do Despacho do Relator no Inquérito 4.995:
https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15380481047&ext=.pdf

https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=7268513

Zé Maria

STF, 22/09/2025

Nota do Supremo Tribunal Federal
Sobre Ampliação da Magnitsky

Íntegra da Nota:

“O Supremo Tribunal Federal lamenta e considera
injusta a aplicação de sanções à esposa do Ministro
Alexandre de Moraes.

Infelizmente, as autoridades norte-americanas foram
convencidas de uma narrativa que não corresponde aos
fatos: estamos diante de um julgamento que respeitou
o devido processo legal e o amplo direito de defesa,
com total publicidade.

No Brasil, a quase totalidade da sociedade reconhece
a importância histórica de um julgamento e punição
por uma tentativa de golpe de Estado.

Se já havia injustiça na sanção a um juiz pela sua
atuação independente e dentro das leis e da
Constituição, ainda mais injusta é ampliação
das medidas para um familiar do magistrado.”

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/nota-do-stf-sobre-ampliacao-da-magnitsky/

Zé Maria

STF, 22/09/2025

Nota do Ministro Alexandre de Moraes,
da Suprema Corte Brasileira, em Relação
à Ampliação da Lei Magnistsky pelos EUA

“A ilegal e lamentável aplicação da Lei Magnistsky
à minha esposa não só contrasta com a história
dos Estados Unidos da América, de respeito à lei
e aos direitos fundamentais, como também violenta
o Direito Internacional, a Soberania do Brasil e
a independência do Judiciário.

Independência do Judiciário, coragem institucional
e defesa à Soberania nacional fazem parte do universo
republicano dos juízes brasileiros, que não aceitarão
coações ou obstruções no exercício de sua missão
constitucional conferida soberanamente pelo Povo
brasileiro.

As Instituições brasileiras são fortes e sólidas.

O caminho é o respeito à Constituição, não havendo
possibilidade constitucional de impunidade, omissão
ou covarde apaziguamento.

Como integrante do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
continuarei a cumprir minha missão constitucional
de julgar com independência e imparcialidade.”

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/nota-do-ministro-alexandre-de-moraes-em-relacao-a-ampliacao-da-lei-magnistsky/

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