Marcelo Zero: Aposta em Biden e demonização de Sanders podem ser um tiro no pé dos democratas

Tempo de leitura: 4 min

 Biden pode ser um tiro no pé dos Democratas

por Marcelo Zero*

Os resultados da Super Tuesday, ocorrida neste último dia 3, mostram que a poderosa máquina do Partido Democrata foi colocada a serviço do pré-candidato Joe Biden.

Biden, que tinha ido muito mal nas prévias anteriores, à exceção da Carolina do Sul, ressurgiu das cinzas para ganhar em 9 estados: Arkansas, Alabama, Massachusetts, Minnesota, North Carolina, Oklahoma, Tennessee, Texas e Virginia.

Em alguns desses estados, como Minnesota e Massachusetts, lugares nos quais se esperava a vitória de Sanders, Biden ganhou sem sequer fazer campanha.

Já Sanders assegurou a vitória no maior colégio eleitoral (Califórnia) e em Vermont, Utah e Nevada.

O resultado do Maine continua indefinido.

As projeções indicam que Biden deverá ter algo em torno de 670 delegados e Sanders ao redor de 590.

São necessários 1.991 para assegurar a nomeação como candidato oficial do partido.

Assim, Sanders continua no páreo, mas consideravelmente enfraquecido.

Biden emerge como favorito e os outros candidatos, como Warren e Bloomberg já não têm mais nenhuma chance.

A ascensão de Biden foi conseguida graças ao apoio dos eleitores afro-americanos, dado o apoio de Obama ao seu antigo vice, e à afluência, de última hora, de eleitores democratas conservadores aos locais de votação para apoiar Biden, convocados que foram pela máquina partidária.

Há uma grande campanha dos democratas conservadores, da plutocracia norte-americana e da imprensa convencional contra a candidatura independente de Sanders, exclusivamente financiada por doações de pessoas físicas.

Essa campanha se baseia, fundamentalmente, em três argumentos falaciosos.

O primeiro é o de que Sanders seria muito velho (78 anos), além de ter sofrido recentemente um ataque cardíaco. Portanto, não teria condições físicas de assumir plenamente a presidência.

Ora, Biden é apenas um ano mais novo que Sanders (tem 77 anos). Além disso, o ataque cardíaco sofrido por Sanders não foi grave e ele está plenamente recuperado. Sanders é incansável.

O segundo argumento é o de que Sanders não teria condições de derrotar Trump.

Apenas Biden, que é mais moderado, seria capaz de derrotar o candidato republicano. Essa falácia foi decisiva, nesse resultado da Super Tuesday. Ora, não é o que dizem as pesquisas.

A pesquisa mais recente, feita pela Fox News, indica que Sanders ganharia, hoje, de Trump, no voto popular, por 49% a 42%.

Segundo a mesma pesquisa, Biden também ganharia de Trump por 49% a 41%. A vantagem de Biden sobre Sanders seria, desse modo, de apenas 1%.

Outras pesquisas, como a da Yahoo News, dão uma vantagem maior para Biden (3%), mas mantêm a previsão de que Sanders poderia derrotar Trump.

Há de se considerar que Biden é mais forte nos estados conservadores, onde se espera a vitória de Trump. Biden deverá perder a disputa do voto conservador para Trump.

Já o afastamento de Sanders da disputa poderá afugentar o voto dos jovens e do eleitorado mais progressista, pois nos EUA o voto é facultativo.

Foi esse tipo de voto, associado a uma grande afluência às urnas, que conduziu o Partido Democrata à grande vitória de Obama, em 2008.

Na época, também diziam que Obama não teria muitas chances. Contudo, Obama ganhou o pleito por esmagadora maioria, a maior diferença em meio século, justamente por ser um candidato “diferente”.

O terceiro argumento, vinculado ao segundo, tange à suposta “radicalidade” do senador de Vermont.

Sanders é constantemente caracterizado como um candidato “muito radical”, “populista” e “socialista”, cujas propostas são “perigosas” e “inexequíveis”.

Uma análise mais acurada, porém, mostra que a agenda econômica de Sanders, que ele chama de “21st Century Economic Bill of Rights” (Declaração de Direitos Econômicos do Século XXI), nada mais é que a agenda que a socialdemocracia europeia implantou no pós-guerra do século XX.

Sanders afirma, com razão, que é não é normal que o país mais rico do mundo tenha 40 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, 34 milhões de cidadãos sem nenhuma assistência à saúde e metade de sua população mal tendo o suficiente para sobreviver.

Ele quer que todo cidadão norte-americano tenha acesso à educação pública gratuita em todos os níveis (inclusive o universitário), a um sistema de saúde gratuito e de qualidade, à habitação a preços acessíveis e a uma aposentadoria decente.

Ressalte-se que, hoje em dia, os cidadãos dos EUA estão afogados em dívidas com hipotecas de habitação (US$ 9,44 trilhões), financiamentos de estudos universitários (US$ 1,6 trilhão) e saúde (US$ 82 bilhões).

Bernie quer acabar com essas dívidas ou reduzi-las e financiar sistemas públicos e gratuitos, em saúde e educação, taxando a especulação financeira e os muito ricos.

Além disso, Sanders propõe aumentar o salário mínimo para US$ 15 a hora e incrementar a taxa de afiliação a sindicatos, com o objetivo de ampliar a poder de barganha dos trabalhadores.

Enfim, Sanders quer salvar o capitalismo norte-americano do beco sem saída da desigualdade, da pobreza e das dívidas impagáveis dos trabalhadores e das classes médias.

Quer construir, com décadas de atraso, um Estado de Bem-Estar digno da nação mais rica do mundo.

Quer fazer o que a maior parte dos países europeus importantes e o vizinho Canadá já fizeram.  E quer reconstruir a outrora pujante e afluente classe média dos EUA.

É por isso que ele vem empolgando os eleitores mais jovens e progressistas, assim como os hispânicos, que historicamente comparecem muito pouco às urnas, mas que estão bastante comprometidos com Bernie.

Sanders, do alto de seus 78 anos, representa um sopro de verdadeira renovação na mesmice conservadora da política dos EUA.

Portanto, a aposta no conservador Biden para enfrentar o também conservador Trump pode ser equivocada.

Biden deve perder a disputa do voto conservador para Trump e, por outro lado, não motivar o eleitorado jovem, o eleitorado mais progressista, o eleitorado hispânico e o eleitorado mais pobre. Este último, frise-se, também comparece pouco às urnas.

Considere-se que a questão do comparecimento, num país com voto facultativo, é fundamental.

Com o carismático Obama, em 2008, o comparecimento foi de quase 59%. Com o conservador e apático Gore, em 2000, o comparecimento foi de 50%.

Gore perdeu para Bush, mesmo ganhando no voto popular. Já Obama ganhou fácil, tanto no voto popular quanto no Colégio Eleitoral (365 contra 173).

A polarização e o consequente estímulo ao comparecimento às urnas poderiam favorecer os democratas, na disputa de novembro. A mesmice tende a favorecer os respublicanos.

Com o morno e conservador Biden, a coisa pode se complicar. Pode ocorrer o que normalmente ocorre: só sairão em grande número para votar os brancos conservadores. Os que poderiam fazer a diferença ficariam em casa, sem estímulos para votar.

A aposta em Biden e a demonização de Sanders e de suas propostas podem ser um tiro no pé dos democratas.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.


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Comentários

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David Silberstein

Prefiro Sanders com sua insistência em expor as mazelas do sistema econômico, mas os argumentos apresentados no artigo seriam mais válidos se as eleições presidenciais nos EUA fossem pelo voto popular. O resultado lá, porém, é decidido no Colégio Eleitoral, onde os estados pequenos têm um peso proporcional maior e, nas delegações estaduais, a regra, com duas exceções, é do vencedor levar tudo. Para vencer Trump, a estratégia dos Democratas forçosamente terá que privilegiar os estados chamados “swing states” (estados críticos), onde o voto se divide em parcelas quase iguais e pequenos deslocamentos fazem a diferença. Nos estados como a California, onde os Democratas levam uma ampla vantagem, a mobilização não traz nenhum benefício, pelo menos no pleito presidencial. Na terça-feira houve prévias em quatro “swing states”, mas o único que Trump ganhou em 2016 foi na Carolina do Norte. Nos outros três – Colorado, Minnesota e Virginia – Hillary Clinton foi vitoriosa. Por isso, enquanto aguardam-se os resultados das próximas prévias, os resultados na Carolina do Norte merecem destaque como um indicador antecipado do candidato que os eleitores Democratas avaliam como mais capaz de recuperar o terreno perdido em 2016. Na terça-feira a margem de vitória de Biden sobre Sanders em Carolina do Norte foi maior que a de Clinton sobre Sanders em 2016 e, somados os votos dos quatro candidatos considerados “moderados” contra os dois considerados “progressistas”, a margem foi maior ainda. Além disso, a participação, que costuma ser considerada um ponto a favor de Sanders, aumentou em quase 200 mil eleitores. A política eleitoral é complexa e dinâmica e a estratégia de polemizar para mobilizar, por parte tanto dos políticos quanto dos comentaristas, pode também apresentar muitas oportunidades de dar tiros no pé.

Zé Maria

O Boicote Corporativo do Google
à Deputada Havaiana Tulsi Gabbard,
pré-Candidata à Presidência dos EUA pelo Partido Democrata.

“TULSI2020:
Nas horas seguintes ao 1º debate, enquanto milhões de americanos procuravam informações sobre Tulsi, o Google suspendeu sua conta (Google Ads account) sem explicação.
É vital para nossa democracia que as grandes empresas de tecnologia não possam afetar o resultado das eleições”

“Google controla 88% da pesquisa na Internet nos EUA, fornecendo controle sobre nosso acesso às informações.
A suspensão arbitrária do Google da conta de um candidato à presidência deve ser motivo de preocupação para todos os americanos.”

“A discriminação do Google contra nossa campanha revela o perigo de seu domínio e como o domínio da grande tecnologia sobre o discurso público ameaça os principais valores americanos. Eles ameaçam nossa democracia”

TULSI GABBARD

https://twitter.com/TulsiGabbard/status/1154444505090629633
https://twitter.com/TulsiGabbard/status/1154444507343011842
https://twitter.com/TulsiGabbard/status/1154444509733720064

https://www.tulsi2020.com/tulsi-vs-google

lulipe

Mais um esquerdopata que será derrotado.

Zé Maria

A NBC News está apontando que, desde o início das Prévias do Partido Democrata até o momento, Joe Biden tem 527 Delegados e Bernie Sanders tem
475.
Elizabeth Warren fica com 48 Delegados, no total.
E a Resistente Representante Havaiana Tulsi Gabbard tem 1.

https://www.nbcnews.com/politics/2020-primary-elections/delegate-count/?icid=election_nav

Zé Maria

Tiro no pé dos negros dos estados do Sul dos EUA,
que votaram no Biden pra ele perder pro Trump.

Aliás, o Trump passou a tal Super-Tuesday inteira
ridicularizando os democratas e dando gargalhadas.

    Luiz Fonseca

    E aqui mais um dois neurônios que não conversam entre si, analfabeto político, dando palpites.

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