Lincoln Secco: A Revolução dos Cravos faz 48 anos

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Em 25 de abril de 1974, uma operação militar articulada clandestinamente ganhou as ruas de Lisboa e derrubou a ditadura que vigorou por 48 anos em Portugal. Foi a participação popular no próprio 25 de abril e nas semanas seguintes que a tornou uma revolução. Fotos: Arquivo

A Revolução dos Cravos faz 48 anos

A teoria revolucionária não é o deus ex machina de nenhuma revolução

Por Lincoln Secco*, em A Terra é Redonda

No dia 25 de abril de 1974, uma operação militar articulada clandestinamente ganhou as ruas de Lisboa e derrubou a ditadura que vigorou por 48 anos em Portugal. Foi a participação popular no próprio 25 de abril e nas semanas seguintes que a tornou uma revolução.

Muitas empresas foram ocupadas e autogeridas pelos trabalhadores,[i] assim como moradias coletivas, creches e cursos universitários. Iniciou-se a reforma agrária.

Em 1975, 25% da superfície arável de Portugal eram geridos pelas unidades cooperativas de produção: fenômeno sem paralelo na Europa ocidental.[ii] Um forte movimento urbano também se instalou em Lisboa.

As Comissões de moradores foram radicais não devido à eventual participação de grupos de extrema esquerda, embora isso fosse provavelmente importante para vocalizar as demandas junto ao Estado.

A radicalização provinha das conjunturas da Revolução e dos problemas objetivos que as comissões enfrentavam.[iii]

Mas a participação de minorias populares urbanas não era suficiente para se tornar alternativa de poder.

Os partidos também não puderam e nem se propuseram tomar o poder de Estado e submetê-lo a uma lógica “soviética”.

Por isso, a dinâmica das Forças Armadas foi o alfa e o ômega da explicação do insucesso revolucionário.

Foi a força militar que abriu a brecha para que o movimento popular fosse além do que o Movimento das Forças Armadas (MFA) esperava. E foi também por causa dela que a revolução foi posteriormente bloqueada. Poderia o MFA ter se tornado o sucedâneo de partido dirigente revolucionário?

O êxito ou derrota se definem a partir das manobras táticas que poderiam mudar o rumo de certas políticas.

Mas as manobras não podem tudo. Elas são constrangidas pelo campo de batalha estabelecido a priori. Este “campo” é posto pela situação internacional; pelas forças sociais e econômicas e pelas forças ideológicas que compreendem (ou não) a estrutura dentro do qual elas atuam.

A Revolução foi possível no quadro geral da luta anticolonial; do confronto indireto entre URSS e EUA; do recuo dos EUA diante da ascensão das lutas de classes desde os anos sessenta (mas especialmente pela sua derrota à vista no Vietnã).

Mas foi limitada pelas estruturas seculares da economia portuguesa, pela sua distribuição demográfica, arranjo agrário, limites mentais de suas elites políticas, pelo pertencimento do país à OTAN e, sobretudo, pelo fato de ser dirigida por um Exército regular que não pode se transmutar num órgão decididamente revolucionário.

O Movimento das Forças Armadas (MFA) iniciou uma operação militar, à qual se seguiu uma insurreição urbana, num país ainda de grande influência rural e católica.

Sua evolução ideológica rápida se deu em conjunto com a da população urbana (ou parte expressiva dela). Neste sentido, ele não foi uma vanguarda. Ao mesmo tempo, os partidos não tinham a legitimidade das armas e do dia 25 de abril para substituírem o MFA.

O MFA não representava mais do que 10% da oficialidade e não tinha existência formal no interior das Forças Armadas.

Ele só podia transformar-se em dirigente de um processo radical se submetesse o restante da instituição, o que exigiria grandes expurgos. Ele teria que usar a violência (ou a ameaça dela) e opor entre si oficiais vinculados por laços de camaradagem forjados nas escolas e academias militares ou na guerra colonial; romper com sua própria formação estritamente militar; armar civis e arriscar-se a ser submergido numa guerra civil e a perder o controle do aparelho de Estado.

Na ausência de um partido, o MFA teria que cumprir um papel para o qual a sua rápida criação (no tempo curto) lhe permitia, mas a sua lenta formação (no tempo longo das Forças Armadas nacionais) lhe interditava.

A teoria revolucionária não é o deus ex machina de nenhuma revolução.

Não são os ideais que a tornam possível e sim a existência objetiva de um movimento capaz de dirigir amplos grupos sociais numa situação revolucionária.

Mas para que haja esse tipo de movimento, a teoria é indispensável.

*Lincoln Secco é professor do Departamento de História da USP. Autor, entre outros livros, de A Revolução dos Cravos e a crise do império colonial português: economias, espaços e tomadas de consciências (Alameda).

Notas

[i] Uma cisão dos Comités Comunistas Revolucionários (CCRs), editou o jornal O Combate, repleto de informações sobre o tema. Foi recentemente publicada uma bela edição facsimilar.

[ii] Baum, M. “Autogestão e Cultura Política: o impacto da Reforma Agrária no Alentejo 20 anos depois”, Análise Social, vol. XXXIII (148), 1998.

[iii] Downs, C. Revolution at the grassroots. Neww York Press, 1989, p.117.


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Comentários

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Zé Maria

Para haver Revolução no Brasil, é preciso que haja,
primeiro, o senso comum de Nação na população
do País, integrando as diversidades culturais regionais
e os diferentes costumes dos grupos sociais, em torno
de um ideal de Pátria, de uma Esperança Coletiva de
Mudança Radical do Status Quo, para o Bem Comum,
unindo todas as Regiões do Território ‘Nacional’ com
a convicção de que “um outro mundo é possível”.

Foi, aliás, a razão do triunfo da “Revolução Pacífica”
de Gandhi, o Mahatma, no processo de Rebelião e
Resistência Popular para a Independência da Índia
– com multiculturalismo e vasta extensão territorial
comparáveis ao Brasil – então sob o jugo colonial da
monarquia britânica que impunha à Nação Indiana
a submissão integral, desde a absoluta dependência
econômica e a espoliação das riquezas nacionais até
a humilhação étnico-racial e a perseguição religiosa.

Hoje, seria difícil ao Brasil enfrentar o colonialismo dos
Estados Unidos da América (EUA), mas não é impossível.
Um dos nossos maiores empecilhos é a Servidão Voluntária,
desde as Elites Políticas e Econômicas, inclusive os Empresários
de Comunicação, até as Forças Armadas, incluindo os Aparelhos
de Repressão Governamentais.

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