Líderes deveriam reagir como Lula, com coragem, ao ‘bullying’ de Trump e EUA, diz Stiglitz
Tempo de leitura: 4 min
A corajosa posição do Brasil contra Trump
Sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil optou por reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito, mesmo com os Estados Unidos aparentemente renunciando à sua própria Constituição. Espera-se que outros líderes políticos demonstrem coragem semelhante diante da intimidação do país mais poderoso do mundo.
Joseph E. Stiglitz, em Project Syndicate
NOVA YORK – Durante décadas, os Estados Unidos foram os campeões da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos. É claro que havia discrepâncias gritantes entre a retórica e a realidade: durante a Guerra Fria, os EUA derrubaram governos democraticamente eleitos na Grécia, no Irã, no Chile e em outros lugares em nome da derrota do comunismo. Internamente, os EUA travavam uma batalha para defender os direitos civis dos afro-americanos um século após o fim da escravidão. Mais recentemente, a Suprema Corte dos EUA agiu agressivamente para restringir os esforços para retificar os legados da longa história de discriminação racial.
Mas, embora os EUA muitas vezes tenham falhado em praticar o que pregavam, agora não fazem nem uma coisa nem outra. O presidente Donald Trump e o Partido Republicano cuidaram disso.
Em seu primeiro mandato, o desprezo de Trump pelo Estado de Direito culminou em sua tentativa de anular o princípio mais importante da democracia: a transição pacífica do poder.
Ele alegou – e ainda insiste – que venceu as eleições de 2020, apesar de Joe Biden ter recebido cerca de sete milhões de votos a mais e de dezenas de tribunais terem decidido que não houve irregularidades eleitorais significativas.
Quem conhece Trump pode não ter ficado surpreso; a grande surpresa foi que cerca de 70% dos republicanos acreditam que a eleição foi fraudada. Muitos americanos – incluindo a maioria de um dos dois principais partidos – caíram na armadilha das teorias da conspiração absurdas e da desinformação.
Para muitos apoiadores de Trump, a democracia e o Estado de Direito são menos importantes do que a preservação do estilo de vida americano, o que, na prática, significa garantir a dominação dos homens brancos às custas de todos os outros.
Para o bem e para o mal, os Estados Unidos há muito servem de modelo a ser seguido. E, infelizmente, há demagogos ao redor do mundo mais do que dispostos a adotar a fórmula de Trump de atropelar as instituições democráticas e repudiar os valores que as sustentam.
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Um exemplo proeminente é o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que chegou a tentar imitar o ataque ao Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021 para impedir a eleição de Biden. A tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, foi maior do que o ataque ao Capitólio, mas as instituições brasileiras se mantiveram firmes – e agora exigem que Bolsonaro seja responsabilizado.
Enquanto isso, os EUA têm caminhado na direção oposta desde o retorno de Trump à Casa Branca em janeiro. Mais uma vez, Trump deixou claro que adora tarifas e abomina o Estado de Direito – violando inclusive o acordo comercial que firmou com o México e o Canadá em seu primeiro mandato.
E agora, ignorando a Constituição americana, que dá ao Congresso a autoridade exclusiva para impor impostos – e tarifas são apenas um imposto específico sobre importações de bens e serviços –, ele ameaçou impor uma tarifa de 50% ao Brasil, a menos que o país impeça o processo contra Bolsonaro.
Aqui estava Trump violando o Estado de Direito ao insistir que o Brasil, que aderiu a todas as restrições do devido processo legal ao processar Bolsonaro, fizesse o mesmo.
O Congresso nunca promulgou tarifas como instrumento para induzir os países a obedecerem aos ditames políticos de um presidente, e Trump não poderia citar nenhuma lei que lhe desse sequer uma desculpa para suas ações inconstitucionais.
O que o Brasil está fazendo contrasta fortemente com o que aconteceu nos EUA. Embora o processo legal tenha avançado lenta, mas criteriosamente, para responsabilizar aqueles que participaram da insurreição de 6 de janeiro, imediatamente após sua segunda posse, Trump usou o poder de perdão do presidente para perdoar todos os que haviam sido devidamente condenados – mesmo os mais violentos. Cumplicidade em um ataque que deixou cinco mortos e mais de 100 policiais feridos não foi crime.
Assim como a China, o Brasil se recusou a se submeter à intimidação americana. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou a ameaça de Trump de “chantagem inaceitável”, acrescentando: “Nenhum estrangeiro vai dar ordens a este presidente”.
Lula defendeu a soberania de seu país não apenas no âmbito comercial, mas também na regulamentação das plataformas tecnológicas controladas pelos EUA. Os oligarcas da tecnologia dos EUA usam seu dinheiro e influência em todo o mundo para tentar forçar os países a lhes darem carta branca para perseguir suas estratégias de maximização de lucro, o que inevitavelmente causa enormes prejuízos, inclusive servindo como um canal de desinformação e informação enganosa.
Assim como nas eleições recentes no Canadá e na Austrália, Lula recebeu um “impulso Trump” no apoio nacional, à medida que os brasileiros recuavam diante do governo americano e se uniam a ele. Mas não foi isso que motivou Lula a assumir sua posição. Foi uma crença genuína no direito do Brasil de perseguir suas próprias políticas sem interferência estrangeira.
Sob a liderança de Lula, o Brasil optou por reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito e a democracia, mesmo com os Estados Unidos aparentemente renunciando à sua própria Constituição.
Espera-se que outros líderes de países grandes e pequenos demonstrem coragem semelhante diante da intimidação do país mais poderoso do mundo. Trump minou a democracia e o Estado de Direito nos EUA – talvez de forma irreparável. Não se deve permitir que ele faça o mesmo em outros lugares.
Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia e Professor Universitário na Universidade de Columbia, é ex-economista-chefe do Banco Mundial (1997-2000), ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos do Presidente dos EUA, ex-copresidente da Comissão de Alto Nível sobre Preços de Carbono e principal autor da Avaliação Climática do IPCC de 1995. Ele é copresidente da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional e autor, mais recentemente, de The Road to Freedom: Economics and the Good Society (W. W. Norton & Company, Allen Lane, 2024).




Comentários
Zé Maria
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A Subserviente União Européia
e o Reino Britânico Capacho
já abriram as Pernas para o Trump.
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“Um Acordo Escandaloso”
“Pior do que o Fechado pelo
Reino Unido da Grã-Bretanha”
[ Reportagem: Nik Martin | Deutsche Welle (DW) ]
https://www.dw.com/pt-br/acordo-tarif%C3%A1rio-com-os-eua-foi-bom-ou-ruim-para-a-ue/a-73448392
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Leia também:
“Lula Desafia Trump e Defende Soberania Brasileira
em Rara Entrevista ao Jornal The New York Times”
“O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva Concedeu
sua Primeira Entrevista ao The New York Times
em 13 Anos, em meio à Tensão Diplomática Provocada pela Decisão de Donald Trump de Impor Tarifas de 50% sobre Produtos Brasileiros Importados pelos EUA.”
“Lula criticou duramente a postura do presidente
norte-americano e defendeu o Brasil com firmeza.”
[ Reportagem: Radio France Internationale (RFI) ]
https://www.rfi.fr/br/tag/lula/
https://www.rfi.fr/br/am%C3%A9ricas/20250730-lula-desafia-trump-e-defende-soberania-brasileira-em-entrevista-ao-new-york-timesrd
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