João Brant: FHC defende regulação da mídia; Palhares ataca oportunismo que favorece trânsito em salões

Tempo de leitura: 7 min

Política| 17/05/2012 | Copyleft

FHC defende a regulação dos meios de comunicação

Em um seminário promovido pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente defendeu a regulação da mídia como condição da democracia: “não há como regular adequadamente a democracia sem regular adequadamente os meios de comunicãção”, afirmou FHC. “Os meios de comunicação no Brasil não trazem o outro lado. Isso não se dá por pressão de governo, mas por uma complexidade de nossa cultura institucional,” acrescentou.

João Brant (*) – Especial para Carta Maior

O título, o ambiente e o programa sugeriam que o seminário “Meios de comunicação e democracia na América Latina”, realizado no último dia 15 no Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC), seria um palco para a cantilena contra a regulação do setor e de crítica feroz às iniciativas em curso em países da região. Não foi esse o tom predominante. 

Com a participação de ex-presidentes da Bolívia e do Equador e um ex-porta voz da presidência do México, além do jornalista brasileiro Eugênio Bucci, o debate foi marcado principalmente por duas preocupações.

De um lado, o desafio de manter um jornalismo investigativo independente em um cenário de enfraquecimento dos meios tradicionais. De outro, uma afirmação quase uníssona sobre a necessidade de regulação democrática do setor, resumida pelo ex-presidente brasileiro, presente ao evento: “não há como regular adequadamente a democracia sem regular adequadamente os meios de comunicação”.

Regulação em pauta


O seminário promoveu o lançamento de uma publicação conjunta do iFHC, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e da Plataforma Democrática chamada “Meios de comunicação e democracia: além do Estado e do Mercado”. A publicação é em boa parte pautada pela discussão sobre medidas de regulação dos meios de comunicação. O primeiro texto é de autoria dos argentinos Guillermo Mastrini e Martin Becerra, professores que estudam a concentração do setor na América Latina e que apoiaram a redação da lei de comunicação audiovisual aprovada no país em 2009.

No livro, o organizador da publicação, o sociólogo Bernardo Sorj, avalia que “generalizações sobre a América Latina mascaram realidades muito diferentes” e que “não é demais lembrar que qualquer legislação deverá orientar-se em primeiro lugar pelo objetivo de garantir a liberdade de expressão dos cidadãos frente ao poder do Estado e ao poder econômico”.

Na abertura do seminário, Sorj apresentou uma leitura dos contextos político e dos meios de comunicação e listou algumas das ações necessárias para alterar o quadro atual. No contexto político, o sociólogo identificou três elementos centrais: um sistema legal precário, uma crise de representação dos partidos e das ideologias políticas que valoriza o papel dos meios e a exigência de uma nova regulação dos meios em função da convergência tecnológica. Em relação ao contexto dos meios de comunicação, o sociólogo destacou a inexistência ou baixa audiência de emissoras públicas, sistemas regulatórios ultrapassados e nem sempre aplicados e uma tendência à concentração de propriedade.

As propostas apresentadas por ele reforçam a necessidade de regulação do setor privado e da ação do poder público e se assemelham em boa parte às apresentadas por setores que defendem a democratização da comunicação. Entre elas, o enfrentamento à concentração, o fortalecimento do sistema público e o apoio a pequenas e médias empresas de comunicação [ver lista completa ao final].

Crise de valores dos meios

As apresentações trouxeram abordagens complementares da relação entre meios de comunicação e democracia. Carlos Mesa, ex-presidente boliviano, salientou uma espiral de perda de valores que vivem os meios de comunicação e seus dirigentes. Ele comparou a crise da mídia com a crise do sistema financeiro, que descreveu como “uma orgia obscena do capitalismo”. Essa crise seria fruto de uma dificuldade de se situar em um cenário de organização da informação que tem a frivolidade como elemento central. “A mídia é protagonista e fiscalizadora, juiz e parte. Mas seu poder não vem acompanhado de responsabilidade”, observou.

Mesa repercutiu uma questão que atravessou todo o seminário, que é atual dificuldade financeira para sustentar o jornalismo investigativo. O problema, segundo ele, é que “apesar de vários meios impressos tradicionais terem uma grande audiência na internet, essa audiência não se transforma em recursos financeiros”. O desafio, portanto, seria garantir ao mesmo tempo credibilidade e capacidade de infraestrutura no novo cenário. 

Conhecido por defender os interesses das elites bolivianas, Mesa não deixou de expor suas convicções. Ao discutir a necessidade de regulação da comunicação, o ex-presidente ressaltou que é preciso reconhecer que pode haver diferentes tipos de regulação e criticou a reserva de espectro realizada na Argentina, Uruguai e Bolívia. “Em meu país, um terço das frequências de rádio e TV está reservado para povos indígenas e originários e setores comunitários. O que eles farão com isso?”, perguntou ironicamente.

As observações do mexicano Rubén Aguilar, ex-porta voz de Vicente Fox (presidente entre 2000 e 2006), focaram-se mais na promiscuidade dos meios de comunicação e do Estado em seu país. Aguilar descreveu a relação entre as partes como sendo historicamente pautada pelas negociações financeiras, tendo mudado pouco nas últimas décadas. “Antes o governo pagava, agora os meios cobram”, observa Rubén. 

Para ele, a marginalidade da imprensa escrita – o maior jornal da cidade do México tem tiragem de 100 mil exemplares – concentra muito poder no rádio e na televisão, o que se agrava pelo fato de que dois grupos econômicos controlam a maioria dos meios eletrônicos. “Vivemos uma situação hoje em que não há conflitos entre poder e meios de comunicação. Isso é muito ruim para a democracia”. Aguilar também defendeu abertamente a necessidade de regulação do setor.

A apresentação de Osvaldo Hurtado, ex-presidente do Equador, foi a única que se centrou no discurso recorrente que identifica ameaças à liberdade de imprensa nas ações de presidentes latino-americanos. Em sua mira, Rafael Correa, Evo Morales, Hugo Chávez e Daniel Ortega. Hurtado, que presidiu o Equador no início da década de 1980, focou-se especialmente nas críticas às ações de Correa, sugerindo inclusive que a sentença que ordenou ao jornal El Universo o pagamento de US$ 40 milhões de indenização a Correa teria sido redigida dentro do palácio presidencial do Equador.



Problemas brasileiros

Ao tratar do caso brasileiro, o jornalista Eugênio Bucci avaliou que a discussão no país está dificultada por duas irracionalidades: uma de matriz de direita, que diz que nenhuma regulação é necessária; outra, de matriz de esquerda, que defende a regulação por um desejo de censurar os meios. Para Bucci, a regulação é necessária, especialmente para enfrentar três gargalos: a confusão entre religião, meios e partidos; a presença possível de monopólios e oligopólios e o abuso das verbas dedicadas à publicidade oficial. Em sua opinião, os governos deveriam ser proibidos de anunciar, porque as verbas “dão espaço para proselitismo oficial com dinheiro público”.

No debate ao final das apresentações, o cientista político Sérgio Fausto lamentou que o Brasil não tenha a cultura do debate racional e prefira a confrontação de opiniões dogmáticas fechadas. Fausto avalia que essa seria a dificuldade de a internet substituir o papel dos meios tradicionais. “A democracia do acesso gera também a corrosão de valores fundamentais sem os quais poderemos ter mais vozes e menos democracia”, disse Fausto, que é também diretor executivo do instituto FHC.

A crítica mais contundente ao sistema de comunicações brasileiro veio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em seus comentários, FHC criticou especialmente a ausência de pluralismo. “Os meios de comunicação no Brasil não trazem o outro lado. Isso não se dá por pressão de governo, mas por uma complexidade de nossa cultura institucional”, disse FHC. “Nós temos toda a arquitetura democrática, menos a alma”.

FHC afirmou ainda que é preciso lutar pelos mecanismos de regulação que permitam a diversidade. Para ele, “não há como regular adequadamente a democracia sem regular adequadamente os meios de comunicação”.

*****

Sumário das propostas apresentadas na introdução do livro “Meios de comunicação e Democracia: além do Estado e do Mercado”, organizado por Bernardo Sorj, publicado pelo Instituto FHC, Centro Eldenstein e Plataforma Democrática:

Regulação da ação do poder público

1. A distribuição de concessões de rádio e televisão deve passar pela criação de uma agência reguladora que aja com transparência e cujas decisões sejam abertas ao debate e escrutínio público.

2. Garantir a autonomia dos canais ou emissoras públicas direta ou indiretamente dependentes de recurso público.

3. O uso e a distribuição da dotação pública para publicidade oficial devem ser transparentes e politicamente neutros.

4. O favorecimento de certos meios, quando realizado em nome do apoio a pequenas e médias empresas de comunicação, deve ser realizado com critérios transparentes e universais, abertos ao debate e ao escrutínio público.

5. A liberdade de informação inclui a obrigação dos governos de informar.

6. Garantir o acesso público aos conteúdos sem que eles sejam parasitados por sites comerciais e garantir a neutralidade da Rede. 

Regulação do setor privado

1. Combater a concentração de propriedade dos meios privados, pela ação de agências reguladoras autônomas do poder governamental (não confundir a extrema concentração com a existência de grupos de mídia economicamente sólidos).

2. Garantir a sustentabilidade do jornalismo investigativo, pela sua importância para o sistema democrático.

3. Políticas públicas para favorecer o pluralismo, com política de apoio universal ao surgimento de novos jornais e subsídios que diminuam os custos de entrada no setor.

4. Conscientizar a sociedade sobre a importância de ter acesso à informação e ser capaz de realizar uma leitura crítica da informação recebida. 

(*) João Brant é radialista e integrante do Intervozes

NOTA DA REDAÇÃO: 

É da maior gravidade a simplificação feita por Bucci que, ao identificar uma “irracionalidade de matriz de esquerda” com desejos censores nos defensores da regulação, acaba por impor — intencionalmente ou não — a pecha de censores a todos os setores da esquerda que defendem a regulação democrática do setor. Carta Maior, uma publicação assumidamente de esquerda e defensora da regulação repele o carimbo arbitrário. Não só Carta Maior. A esquerda, as idéias progressistas, seus veículos de comunicação, e a própria ausência deles, tem sido, elas sim, objeto de censura política explícita ou de cerco econômico asfixiante por parte do dispositivo conservador que controla a comunicação na sociedade brasileira.

Antes de afirmações graves como essa deve-se consultar a memória do país. Ela indica, por exemplo, que o debate do qual o senhor Bucci participa no Instituto FHC — e que Carta Maior cobre ecumenicamente, sem censura, mas com direito ao contraditório — só acontece porque uma parte da esquerda empenhou-se em incorporar o tema à agenda política nacional. Com resistência superlativa ou dissimulada, diga-se, da parte de muitos que agora pontificam sobre o assunto. Bem-vindos; antes tarde que nunca. Não se pode, todavia, contrariar os fatos. 

Frases de conveniência destinadas a sustentar uma equidistância baseada em generalizações desprovidas de conteúdo histórico podem facilitar o trânsito em salões e veículos que nem sempre primaram pela defesa da democracia, mas não contribuem para assegurar o primado da pluralidade à liberdade de expressão.

O Brasil tem derrubados dogmas herdados do ciclo da ditadura política e de sua versão mercadista neoliberal. Rompeu-se o interdito da ação reparadora do Estado na esfera social; rompeu-se a esférica blindagem à ação do Estado na economia; rompe-se o cinturão de ferro em torno do capital financeiro e, mais recentemente, instalou-se uma Comissão da Verdade. Com todas as suas limitações, ela certamente não cometerá o despautério de orientar seu trabalho com base na descabida premissa de que a esquerda quer investigar a tortura apenas para assumir o lugar do torturador. O apoio bem-vindo, insista-se, do ex-presidente FHC à regulação da mídia reflete essa evolução da luta democrática no país, cujo avanço não pode excluir ninguém a priori, como se vê, mas dispensa preconceitos assentados em ressentimentos pessoais. (Direção Editorial de Carta Maior – Joaquim Palhares)

PS do Viomundo: O Viomundo apoia ardorosamente a proposta de banir toda e qualquer propaganda oficial para toda a mídia, nas esferas municipal, estadual e federal e oriunda dos três poderes da República. Mas o banimento deve valer para TODA a mídia, do jeitinho que o ex-governador e agora senador Roberto Requião fez quando governou o Paraná. O dinheiro economizado pode ser investido na rede pública de emissoras de rádio e TV, por exemplo.

 


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Comentários

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Kenarik Boujikian: Estado é conivente com humilhação de preso pela imprensa « Viomundo – O que você não vê na mídia

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abolicionista

Acho que devemos ser a favor de uma democratização da mídia. Essa bandeira da “regulação” pode suscitar equívocos…

emerson57

toda hora esse fegacê vem encher o saco.
estou por aqui de fegacê.
esqueçam o fulano!

Gil Rocha

E por falar em regulação da
mídia.
E a Justiça Eleitoral que mandou
recolher os jornais do PR do Rio?
Só porque tinha fotos das festinhas
do Cabral e dos seus secretários em Paris.
A juíza da 192ª zona eleitoral Ana Paula
Pontes Cardoso considerou, em sua decisão,
que a publicação é propaganda eleitoral extemporânea.
Eu posso estar errado, mas acho que o Cabral não concorre
a coisa nenhuma este ano.
E o jornal não apresenta nenhum candidato a nada também.
Quer dizer, o único erro do jornal é fazer críticas ao seu
Sérgio Cabral.
Mas parece que no Rio, isso não pode.
A coisa vai mal, muito mal.

    Gil Rocha

    Esqueci, e o Lula fazendo
    campanha antecipada no Ratinho
    pro Fernando Haddad pode?
    Bem, vamos ver como a Justiça
    Eleitoral vai se pronunciar.
    Se é que vai né.

Eduardo Souto Jorge

Eu tambem. Acho que o FHC esta abandonando de vez, essa canoa furada que se tornou o PSDB.

Pedro

Quero ver a imprensa daqui contrariar os interesses do império americano. Ela é portavoz do Pentágono e da CIA, que não têm qualquer pretensão de ser democráticos.

abolicionista

FHC só tem um defeito: ter sido um péssimo presidente.rs

Gil Rocha

Interessante, aí acho uma
boa também.
Políticos donos de meios de comunicação
é outra coisa que não entendo.
Só no Brasil mesmo.
Mas nós sabemos que isso é quase uma missão
impossível.
Do jeito que a política se mostra hoje, eu
não acredito que isso aconteça tão cedo.
Até porque, a fiscalização teria que ser muito
atuante.
E quando se fala em fiscalizar, o Brasil não é
o maior exemplo no assunto.

FHC, oportunista! « Ficha Corrida

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Fabio Passos

Será que fhc tomou vergonha na cara?
A direita neoliberal que fhc representa sempre foi apoiada pelo PIG.

Será que a repercussão política da sociedade da veja com o crime organizado assustou fhc?

    Marcio H Silva

    Também estou intrigado……

    FrancoAtirador

    .
    .
    Estão tentando achar uma brecha para “regular” a internet
    e deixar o resto como está ou até pior.
    .
    .
    “Assusta-me que FHC assuma a bandeira da regulação da mídia”

    Em entrevista à Carta Maior, Venício Lima, pesquisador na área da Comunicação, analisa as recentes declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, favoráveis a regulação dos meios de comunicação.

    “Isso pode significar que algum tipo de costura de bastidores pode estar sendo feita para que haja alguma coisa que se apresente como regulação e que não chegue nem ao que já está na Constituição há 23 anos. Então, tenho medo disso”, afirma.

    Por Vinicius Mansur

    http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20173

    FrancoAtirador

    .
    .
    PGR dá parecer favorável à ação de Comparato que determina regulamentação da mídia

    A ação, ajuizada por Fábio Konder Comparato e assinada pelo PSOL em 2010, pede que o Supremo determine ao Congresso a regulamentação de artigos da Constituição que proíbem o monopólio, definem as finalidades da programação do rádio e da TV e regras para o direito de resposta.

    Segundo a ação, mais de 20 anos depois da promulgação da Constituição, o fato de o Congresso ainda não ter regulamentado estes artigos prejudica a democracia brasileira.

    Por Bia Barbosa, na Carta Maior

    http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20172

Gil Rocha

Eu apoio ardorosamente a proposta de banir
toda e qualquer propaganda oficial para toda
a mídia, nas esferas municipal, estadual e federal
e oriunda dos três poderes da República. Mas o banimento
deve valer para TODA a mídia.
Quanto a regulação da mídia ou sei lá o que seja isso, sou
contra.
Mas, o Azenha e sua equipe poderia colocar uma explicação de
como seria essa regulação.
Não seria uma boa?

    Marco Freitas

    Você não sabe o que é, mas é contra.

    Interessante.

    Gil Rocha

    Sou contra porque nenhum
    político a favor, explicou
    o que seria ou como seria.
    Se quem é a favor não sabe como
    seria, eu tenho como dizer que
    sou a favor?
    Mas o Azenha já deu um exemplo,
    e muito bom por sinal.

    Luiz Carlos Azenha

    Cabe à sociedade discutir a regulação, não a mim ditá-la. Sugestão? Banir a propriedade cruzada, impedindo que no mesmo mercado a pessoa tenha rádio, TV e jornal, como o Sarney no Maranhão. abs

    Marcio H Silva

    É a principal. Mas tem outra muito importante: O direito de resposta. Imediato e no mesmo espaço que acusou…..

    Gil Rocha

    Mas direito de resposta já
    existe.
    Ou estou enganado?
    Se não me engano já vi vários.
    Do Lula na Band em resposta a
    reportagens do Paulo Henrique Amorim.
    Também já vi do Brizola na Globo.
    Será que mudou a lei?

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