Jeferson Miola: Carestia de alimentos ameaça governo na eleição de 2026
Tempo de leitura: 3 min
Carestia de alimentos ameaça governo na eleição de 2026
Por Jeferson Miola, em seu blog
A perda de popularidade do governo advém, em grande medida,
[1] do mal-estar estrutural da população, exacerbado pela anabolização do extremismo pelas big techs; mas, também,
[2] devido à quebra da confiança e da credibilidade do governo, agravada pelo efeito PIX; e, ainda, e conexo a isso,
[3] em consequência da carestia do preço dos alimentos.
A inflação dos alimentos atinge duramente a maioria populacional que sobrevive com enorme dificuldade devido à baixíssima renda: 38% da população brasileira ganha até um salário mínimo, 32% ganha entre um e dois salários mínimos, e 20,5 milhões de famílias [53,9 milhões de pessoas] recebem em média 671,21 reais por mês do Bolsa Família.
Essa parcela majoritária da população, que corresponde à enorme maioria do eleitorado lulista, consome pelo menos 40% do salário mínimo para comprar uma cesta básica alimentar simples e modesta. Por isso a carestia de alimentos ameaça seriamente o desempenho do governo na eleição de 2026.
Ainda há tempo para reverter este cenário desfavorável, mas o governo precisa agir urgentemente e com ousadia, “pensando fora da caixa” neoliberal, como analisa a professora Isabela Weber, da Universidade de Massachussets.
A eliminação de impostos de importação de nove tipos de alimentos mostrou a preocupação central do governo com a inflação e seu empenho em combater a carestia, o que é relevante, mas tem efeitos praticamente nulos.
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Além disso, a política de estoques reguladores de alimentos foi destruída no período fascista-militar do Bolsonaro, e nos dois anos do governo do presidente Lula a CONAB recém começou armazenar produtos com o resultado da safra recorde.
A situação fica ainda mais preocupante porque a inflação dos alimentos é um fenômeno mundial pós-pandemia, e tem se mantido persistentemente, sem sinais de arrefecimento imediato.
E tem outro aspecto complicador, que é a “internacionalização” dos preços dos alimentos inclusive de consumo popular, equivocadamente equiparados a commodities quanto à lógica econômica. Mesmo no caso de produtos não exportáveis ou não exportados, os preços domésticos são referenciados nos preços no mercado mundial, independentemente dos custos locais de produção.
Para reverter a carestia no Brasil, o governo Lula está desafiado a seguir outro caminho que não o das amarras da austeridade, dos juros altos e do ajuste fiscal dogmático.
O Nobel da Economia Joseph Stiglitz esclarece que “a inflação atual é diferente da inflação normal. Essa inflação, a inflação pós-pandemia, é diferente da inflação que o Brasil e o mundo tiveram no passado. Esta é sobretudo uma inflação do lado da oferta”.
Na visão dele, “juros altos são contraprodutivos neste caso. Eles pioram a situação”, por isso os governos precisam empregar outras medidas para combater os altos preços e preservar o poder aquisitivo da população.
O presidente mexicano López Obrador, por exemplo, adotou uma série de medidas que seriam consideradas “drásticas” pelo “mercado”, por serem de fora da caixa da ortodoxia neoliberal. Com isso, ele conseguiu conter a alta desenfreada dos custos de alimentação, e elegeu sua sucessora com 60% dos votos e maioria congressual.
O custo total das políticas anti-inflação no México foi de 1,4% do PIB do país em 2023, cerca de 20,4 bilhões de dólares – o que significa, portanto, que combater inflação é uma política pública que requer prioridade orçamentária.
Lula não conseguirá implementar medidas efetivas para aliviar o preço dos alimentos se ficar engessado pelo austericídio fiscal e pela política monetária recessiva do Banco Central.
O governo precisa agir urgentemente neste momento de emergência social causada pela inflação dos alimentos, e que poderá levar dezenas de milhões de pessoas a uma situação de insegurança alimentar e fome.
Os governos do México e da Espanha se libertaram das amarras do figurino neoliberal e produziram políticas bem-sucedidas de preservação do poder aquisitivo das respectivas populações. Com isso, asseguraram as vitórias eleitorais dos seus governos – ver aqui e aqui as medidas executadas por López Obrador e Pedro Sánchez.
Por razões guerreiras e medievais; ou seja, por motivo nada nobres; a União Europeia flexibilizou as regras fiscais para aplicar 800 bilhões de euros –5,5 trilhões de reais, o equivalente à metade do PIB brasileiro– em gastos de guerra nos próximos cinco anos.
Diante disso, é de se perguntar ao rentismo, à Faria Lima, aos tecnocratas das finanças; enfim, aos parasitas financeiros, se eles criticarão se o governo Lula flexibilizar regras fiscais para proteger milhões de brasileiros do risco de insegurança alimentar e de fome causados pela inflação mundial do preço dos alimentos.
Com qual moral, afinal, as oligarquias e sua mídia atacarão o governo por agir nessa situação de emergência social, enquanto aplaudem os governos europeus que explodem seus orçamentos em nome da guerra, da russofobia e do supremacismo ocidental?
A carestia de alimentos ameaça seriamente o desempenho do governo Lula na eleição de 2026, e “o mercado” sabe disso.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Leia também
Jeferson Miola: Governo pode virar o jogo da carestia; para isso, precisa ousar
Jeferson Miola: Governos que venceram e governos que perderam a batalha da carestia
Comentários
Zé Maria
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MEDIDAS CONTRA A LIBERTINAGEM DO MERCADO
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Dentre as medidas de emergência para compensar a perda do poder
aquisitivo, López Obrador estabeleceu um acordo com os oligopólios
do setor da alimentação, altamente concentrado, pelo qual foi definido
um TETO PARA O PREÇO DA CESTA BÁSICA com 24 produtos essenciais
– “a maioria dos itens eram alimentos básicos, incluindo quantidades
definidas de arroz, óleo vegetal, peixe enlatado, carne fresca, frutas
e vegetais de acordo com os hábitos de consumo semanal de uma família
mexicana média.
A cesta também incluía itens essenciais de higiene, como papel higiênico
e sabão”.
O presidente mexicano comunicava à população todos os dias, no seu
programa matinal de entrevistas [La Mañanera], sobre as empresas
que cumpriam e as que descumpriam o acordo.
Além do controle da cesta básica, a administração López Obrador adotou
outras políticas, como a garantia de preço mínimo e de estímulo à produção
de agricultores familiares para a formação de estoques de emergência
de milho, feijão, arroz e leite.
FicaramLIMITADOS “OS PREÇOS DA GASOLINA, DO DIESEL E DO GÁS
liquefeito de petróleo, bem como os preços da eletricidade para as famílias,
por meio de subsídios que foram pagos em parte pelas altas receitas da
empresa estatal de petróleo, PEMEX, em 2022”.
A sucessora de López Obrador, Claudia Sheinbaum, foi eleita com 60%
dos votos e obteve maioria absoluta no Congresso.
A professora Isabella relata que “o custo total das políticas de inflação
do México foi de 1,4% do PIB naquele ano [2023], ou cerca de US$ 20,4
bilhões, de acordo com estimativas do governo” – cifra que representa
pouco mais de 10% dos quase 1 trilhão de reais desviados do Orçamento
da União para pagamento dos juros exorbitantes da dívida pública brasileira.
Na Espanha, Pedro Sánchez também trilhou um caminho ousado, e
na contramão da maioria dos países europeus.
Para compensar a explosão do preço do gás, que multiplicou por dez
devido à guerra na Ucrânia, ele fixou “um TETO DE PREÇO PARA O GÁS
usado na geração de energia”, e “desvinculou os preços da energia
dos preços do gás”, ela descreve.
O governo espanhol “também proibiu os proprietários de aumentar
os aluguéis em mais de dois por cento, reduziu drasticamente
os custos de transporte público e eliminou temporariamente
o imposto sobre itens alimentares essenciais”.
Sánchez ainda criou um organismo “para MONITORAR OS LUCROS
corporativos e introduziu impostos sobre lucros inesperados
em empresas de energia e bancos”.
Com estas escolhas, a inflação caiu na Espanha e o PIB cresceu 2,7%
em 2023, contra 0,4% da média de crescimento dos países da zona do Euro.
Na eleição parlamentar de 2023, o PSOE, partido de Sánchez, ganhou
“um milhão de votos adicionais, enquanto o partido de extrema direita
Vox perdeu 19 de suas 52 cadeiras no Congresso”, destaca Isabella.
Íntegra em:
https://www.viomundo.com.br/politica/jeferson-miola-governo-pode-virar-o-jogo-da-carestia-mas-para-isso-precisa-ousar.html
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