Jair de Souza: Lula ultrapassou a linha vermelha traçada pelo grande capital

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Lula ultrapassou a linha vermelha traçada pelo grande capital

Por Jair de Souza*

A mídia corporativa tentou transformar a entrevista concedida por Lula a jornalistas de Brasil 247 em um devastador terremoto autodestruidor.

Teria isso ocorrido em razão de Lula ter feito uso de um verbo que feriu as profundas sensibilidades linguístico-morais de quase todos os articuladores desses meios de comunicação?

Com a precaução de evitar o dissabor e para não aguçar ainda mais o sofrimento de todos os que se sentiram “chocados” com as palavras proferidas por Lula na citada ocasião, vou recomendar aos mais delicados que não leiam o próximo parágrafo e saltem imediatamente para o seguinte.

Também lhes rogamos que não permitam que esta parte do texto chegue aos olhos de crianças ou jovens que possam ser suscetíveis a constrangimento com a leitura desse tipo de palavras.

Logicamente, quem entende um pouquinho sobre o uso estilístico da ironia sabe exatamente o que eu quis dar a entender com o que acabei de expressar.

Ao ser indagado sobre o que o teria motivado a se entregar e se sujeitar ao cumprimento de uma pena de prisão inteiramente desprovida de justiça ou legalidade imposta pelo juiz encarregado dos processos da Lava Jato naquele momento, em lugar de pedir asilo e amparo em alguma embaixada estrangeira, Lula respondeu que o objetivo daquele seu comportamento era “FODER” o Moro.

Dito isto, e para não causar mais tanta aflição a ninguém, eu me comprometo a não repetir esta palavra no restante do artigo.

Em consequência do entrevero mencionado, a figura de Sergio Moro, que andava totalmente apagada e marginalizada, voltou a ocupar espaços em todos os meios a serviço do grande capital.

Este ex-juiz declarado parcial e tendencioso pelo STF, apesar de todas suas visíveis limitações intelectual e moral, tinha sido, no passado recente, elevado à categoria de herói nacional da luta contra a corrupção por esses mesmos órgãos de comunicação.

Porém, depois de uma temporada de insignificância, ele está reaparecendo agora vestido com uma nova roupagem: a de vítima preferencial do crime organizado e, para consubstanciar o anterior, perseguido pelo PT.

Embora seja mais do que sabido por todos que Sergio Moro é incapaz de formular e desenvolver um nível de raciocínio lógico com alguma desenvoltura, também é evidente que isto não tem nenhuma importância prática para que ele possa desempenhar o papel para o qual a classe dominante o forjou e treinou.

Para esta, as únicas qualidades que fazem do ex-juiz uma figura imprescindível são seu notório mau-caratismo e sua disposição a fazer o que tiver de ser feito para atender os desígnios dessa classe dominante nacional e de seus mentores do imperialismo estadunidense.

Obviamente, como condição sine qua non para motivar sua atuação, é importante que sempre sobrem alguns benefícios materiais para o próprio Moro. Quanto a isto, o volumoso patrimônio por ele acumulado diz tudo.

E quais são as grandes questões que, de fato, estão preocupando no momento o grande capital, o imperialismo e seus defensores em nosso país?

Evidentemente, elas não se derivam do horror causado pelo uso de uma palavra tachada como de baixo calão.

Se assim fosse, hipocrisia à parte, Bolsonaro já teria se tornado o ser mais imensamente odiado e rejeitado por todos esses “ofendidos” de ocasião.

O “palavrão” proferido por Lula no evento já referido não representaria nada de significativo em contraposição às centenas ou milhares de vezes em que o ex-presidente de extrema direita recentemente derrotado nas urnas recorreu e recorre a termos muitíssimo mais chulos.

O que efetivamente vem causando soçobra entre os defensores dos interesses do imperialismo gringo e de seus aliados do grande capital nacional é a determinação de Lula de tocar em temas tornados tabus por aqueles que articularam e desfecharam o golpe de Estado que redundou na deposição do governo de Dilma Rousseff em 2016.

Portanto, não seria a preocupação com uma hipotética ameaça à figura patética de Sergio Moro (por mais incompreensível e inacreditável que tal ameaça possa soar) que iria levar as classes dominantes a convocar e mobilizar todas as forças a sua disposição para travar combate contra o governo de Lula.

A bem da verdade, o descontentamento com o novo governo se evidenciou com a persistência de Lula em querer pôr fim à independência do Banco Central (o que inviabilizaria sua capacidade de continuar determinando a taxa de juros em conformidade com as expectativas e desejos do mercado, ou seja, dos banqueiros e outros grandes rentistas) e ao declarar-se favorável a tomar medidas com vista à recuperação da Eletrobrás para o controle da nação.

Em outras palavras, ao agir desta maneira, Lula ultrapassou a linha vermelha que fora traçada pelas classes dominantes para limitar o alcance das mudanças impulsadas por seu governo.

Sendo assim, não deveríamos estranhar a disposição quase que uníssona da mídia corporativa para tentar ressuscitar e dar novo fôlego a um ser que se encontrava praticamente moribundo e inservível.

Com exceção de sua sordidez e mau-caratismo, Sergio Moro nunca contou com nenhuma qualidade positiva que lhe pudesse proporcionar destaque no cenário público.

Mas, assim como as intensas e constantes campanhas publicitárias dos meios corporativos foram capazes de centrar o foco em sua figura, endeusá-lo e apresentá-lo com uma grandeza que ele nunca teve e, com isso, transformá-lo no supra sumo da “luta contra a corrupção e defesa da moralidade”, os atuais responsáveis comunicacionais do grande capital nutrem a esperança de que ele possa desta vez, pelo menos, vir a ser vendido a nossa população como uma vítima perseguida pelos agentes do crime organizado e pelas forças políticas de esquerda, e não como o traidor e vende-pátria com cujas características ele pode ser muito mais logicamente associado.

Se Sergio Moro puder, uma vez mais, ser útil para impedir que o povo brasileiro consiga avançar no rumo de conquistas sociais e nacionais significativas, as classes dominantes e os agentes do imperialismo não hesitarão em ressuscitá-lo, seja de que maneira for.

*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

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