Gilson Caroni: Nos tempos de Jango?

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Jobim: nos tempos de Jango?

Quando disse ao diplomata americano que o ministro Samuel Pinheiro Guimarães, “odeia os Estados Unidos e trabalha para criar problemas na relação entre Brasília e Washington”, Nelson Jobim se afigurou como triste personagem de uma geopolítica de vice-reinado.

por Gilson Caroni Filho, em Carta Maior

O professor Boaventura de Souza Santos, da Universidade de Coimbra, escreveu, há 11 anos, que: “uma parte do que de importante ocorre no mundo é em segredo e em silêncio, fora do alcance dos cidadãos. E o dilema para a democracia daqui resultante é que os segredos só podem ser conhecidos a posteriori, depois de deixarem de ser, depois de produzirem fatos consumados que escaparam ao controle democrático”.

Referia-se ele, na época, ao Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), que vinha sendo negociado na surdina, entre os países desenvolvidos da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), por iniciativa dos Estados Unidos e da União Européia, com cinco países observadores, entre eles o Brasil de FHC. Tratava-se de uma carta magna das corporações transnacionais que não deixava aos países da periferia qualquer margem de soberania.

Graças ao vazamento do site Wikileaks, organização que confirma o surgimento de uma nova esfera informativa mundial, os fatos e manobras que permaneciam ocultos, na lúcida observação de Boaventura, se tornaram de conhecimento público, expondo, no caso brasileiro, o tamanho da queda que nos querem impor, ou a que estamos sujeitos.

Os telegramas de Clifford Sobel, ex-embaixador dos EUA no Brasil, dando conta dos serviços prestados pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, a um país estrangeiro são emblemáticos. A presença de Jobim no futuro governo pode ter se tornado inviável. Mais do que nunca é importante lembrar a existência de uma relação íntima entre a intensidade da ameaça e a firmeza da resposta. Não há justificativa plausível, nem mesmo na lógica de uma estreita Realpolitik, para a continuação de Jobim à frente da pasta da Defesa. Um pequeno histórico se faz necessário quando mentalidades mórbidas voltam a atacar a soberania nacional, como se fosse praga e empecilho a ser removido.

Ao se abrirem os anos 1960, a diplomacia brasileira, refletindo tanto as novas realidades internacionais quanto a correlação interna das forças sociopolíticas, desenvolveu os seus primeiros esforços no sentido de divorciar-se do caduco alinhamento incondicional ao imperialismo, herança dos tempos da Guerra Fria. Foram dados, então, os passos do que, à época, ficou conhecido como “política externa independente”

O golpe de 1964 interrompeu esse processo. O regime emergente de 1º de abril, medularmente comprometido com o imperialismo estadunidense, acoplou à repressão no interior (“segurança nacional”) o reacionarismo na política externa (fronteiras ideológicas). O posicionamento internacional daí resultante só poderia ter sido aquilo que que sabemos: a subserviência mais lamentável aos desígnios do Império – de que permanece, como triste exemplo, a nossa intervenção na República Dominicana, no bojo da sinistra “Força Interamericana de Paz”.

Pouco a pouco, todavia, este posicionamento – lesivo à verdadeira soberania nacional, aviltante para uma república soberana – foi sendo ultrapassado pela realidade da vida. Entre as complicações de um mundo cada vez menos definível segundo o maniqueísmo dos “blocos” e as contradições do desenvolvimento das forças produtivas no país, a concepção das “fronteiras ideológicas” passou, de fato, à categoria de figura de retórica. Especialmente a partir dos primeiros anos da década de 70, os governos militares foram compelidos a descolar-se do jogo internacional do imperialismo.

E sempre que o fizeram, conflitando com sua política interna e com seu próprio discurso global, marcaram posições progressistas que lhes valeram significativos créditos entre a comunidade das nações. Basta pensar na postura brasileira em face da luta de libertação dos povos africanos, diante da Organização para Libertação da Palestina (OLP) e em relação às Malvinas.

A importância deste descolamento, conduzido consequentemente após a redemocratização, configurou o perfil que as forças democráticas reclamam para o Brasil: o de um país independente, com uma posição internacional e soberana e autônoma. Este cenário, evidentemente, é função da situação nacional. Somente um regime democrático, como o que temos hoje, assentado na mais ampla participação popular, pode aprofundar as tendências progressistas de nossa política externa. Vale dizer: a luta pela reorganização democrática da sociedade continua sendo conjugada à luta para sistematizar uma inserção internacional que corresponda aos interesses da maioria do nosso povo.

No limiar do futuro, a sociedade brasileira aparenta ser prisioneira do seu passado que, por ainda não ter sido dominado, ameaça se voltar contra ela. Pois é na hora do vôo livre para uma área ainda por construir, porém promissora, que a vontade não pode se distrair na desconfiança de que, mais uma vez, reiteramos antigos erros.

Quando disse ao diplomata americano que o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, “odeia os Estados Unidos e trabalha para criar problemas na relação entre Brasília e Washington”, Nelson Jobim se afigurou como triste personagem de uma geopolítica de vice-reinado.

Por aí, estaríamos condenados a viver em um território estranho à dialética, oscilando mecanicamente entre velhas sístoles e diástoles, vítimas de uma conspiração da nossa própria história. Cabe à presidente eleita avaliar se vale a pena apostar no atual ministro da Defesa. Por seu desempenho nos últimos anos e pelas confidências reveladas pelo site, Jobim está empenhado em uma aventura que lhe permita tomar o passado de assalto, obrigando o país a viver uma vida que não é a sua, como se fosse a única possível. Seria Jango o seu alvo?

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil


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Comentários

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flavio jose

Infelizmente este traidor da Patria ficará mais fiscalizado como ministro. Acredito que elel solto a coisa piora. É importante saber quando o inimigo está ao seu lado.

Jorge Corrêa

Azenha

Por mais que o Jobim fosse amigo do embaixador americano, fica difícil acreditar que não seja uma "amizade íntima"
com as confidências do indiscreto embaixador ou espião embaixador. Ou seja, o Jobim não pode mais representar o Estado Brasileiro. É suspeito de ser de naturalidade norte americana.
E, como o Estado Americano só pensa em seu umbigo, é mais um motivo para ficarmos espertos.

Um abraço.

Lucio Dias

Se o Johnbim ficar na Pasta da Defesa, perderemos a Defesa e a Pasta ele leva pra casa.

Wilson Nascimento

Trairão do lodo.

O Jobim é truta da Padim Pade Serra e do cabo Anselmo.

Um requiem para o Jobim.

O lugar do Jobim é em São Paulo junto com o Zé Aborto.

O Jobim será nomeado secretário de defesa da Opus Days

Fala sério!

Abraços.

Marcio H Silva

E os PIGs não se manifestam. Nem contra nem a favor. Grande Imprensa esta. Só prova que o cara, o Jonhbim, é da turma dos PIGs, e portanto alinhado ao PSDB.

Jo Rolex

Em todas as crises envolvendo ministros o presidente Lula agiu de maneira firme e coerente, determinando que as devidas apurações fossem realizadas e o afastamento dos titulares como forma de impedir qualquer interferência no processo investigativo.

Vários nomes compõem a lista, a partir de Benedita da Silva, Gushiken, Zé Dirceu, Waldir Pires e Erenice são os que me lembro.

O ministro dos esportes quase caiu por ter pago uma tapioca com o cartão corporativo.

Então, o ministro da defesa comete 3 transgressões gravíssimas: inconfidência, conspiração e traição e continua?

Esperamos do presidente Lula a atitude coerente de determinar uma investigação e afastar o ministro Jobim, preservando de embaraços a futura presidenta Dilma Rousseff.

ebrantino

A Dilma deve ter toda a liberdade, pois nada está provado. Mas bem que o Simon, senador, aquele que fala bem e gesticula melhor, agora em provecta e sensata idade, e que já deu bons conselhos a indiscretos antigamente, para sairem e não prejudicarem o seus chefes, poderia fazer o mesmo agora, e dar uma faladinha, de preferencia pela TV ou na Tribuna do Senado, ao conterrâneo e correligionário Jobim. Poderia ajudar ao PMDB, ao Brasil, e ao próprio Jobim, sem falar no confiabilidade do próprio Simon. Tiraria das costas da Dilma, do Lula e do RGS um constrangimento consideravel.

Paulo Villas

Jobim é da cota dos Clinton.

francisco.latorre

silêncio.

três armas em silêncio.

estranho. não há qualquer reação a um ministro da defesa espião.

..

serão os militares golpistas?.. pro-amerika?..

..

matheus

Nelson Jobim se ainda resta a você um pingo de vergonha, pede pra sair.

Jarir Almansur

Atenção. Alguem aventou a possibilidade de o embaixador americano ter mentido sobre o que ouviu do Jobim? Essa gente mente muito e se promove demonstrando intimidades e criando antagonismos. Tanto o Jobim pode ter falado como o embaixador ter mentido. Quero lembrar o Jobim como o primeiro Ministro da Defesa do Brasil. Esse ministério antes dele não teve qualquer importância. Ministros anteriores foram insípidos e inodoros. Se houver que trocar (eu acho bom) deveriamos pensar de alguem com personalidade e curriculo forte para conter prepotência e arrogancia de generais até há pouco acostumados a fazer política.

francisco p.neto

Ele é pedante só aqui no Brasil.
Quando conversa com com o diplomata norte americano, tira os sapatos, arria as calças…

mariazinha

Se o Sr. Jobim continuar à frente do MD terá sido em vão toda nossa luta para viabilizar D. DILMA? Ou, será como alguns pensam: os próprios buches[sionistas] soltam os telegramas para criarem a discórdia em nossa pátria?
Sabemos bem que estão raivosos pq aceitamos o presidente do Irã como autoridade legítima de um país soberano.
Por favor, AZENHA, não me censure por identificar os buches estadunidenses como sionistas, sabemos que é verdade.

MAC

fora ,fora,fora,fora,fora TRAÍRAAAAAAA !!!!!

Morvan

Viva o WikiLeaks. Viva Assange.
Mais um texto emblemático do Professor Gilson Caroni.
A pergunta que não quer calar: a Presidente vai roer a corda, em nome da famigerada "governabilidade", ou vai defenestrar o histriônico alcaguete John Bean?
E se nos fosse dado optar, o que diríamos, sobre manter o sr. X9 como Ministro? Acredito que agrande maioria optaria por demiti-lo imediatamente.
Principalmente para quem sempre defendeu que quem "segurou as pontas" em 2005 foi a militância (não me refiro a militância no sentido estrito; eu já afirmava isso, independentemente dos recentes comentários do Presidente Lula, sobre a tentativa de golpe cognominada de "mensalão").
Abraços antiX9,

Morvan, Usuário Linux #433640

Marcelo Rodrigues

Os poucos militares que conheço são pessoas sérias e não têm as mãos sujas do sangue derramado pela ditadura. Pelo que conheço das instituições, as pessoas sérias sempre são maioria, porém em algumas instituições a banda podre é que dá a face pública – atenção, não estou dizendo que seja o caso atual das forças armadas, que a duras penas tenta recuperar sua imagem destroçada pelo golpe de 64 a ditadura que conspurcou o país.

O ponto que quero levantar é o seguinte: a presença de Nelson Jobim na Defesa é mais uma humilhação retardatária que as mãos sujas impõem aos militares sérios e à nação. É hora do país prestigiar os militares íntegros, democráticos e republicanos e livrar as forças armadas dos fungos criados nas sombras dos ditadores.

Reinaldo Lopes

Evidentemente que a permanência de Jobim no governo Dilma é uma decisão que somente ela poderá tomar. No entanto, nós internautas, bem que poderíamos lhe dar uma ajuda.
Vamos começar a campanha FORA JOBIM !!!!

dukrai

cada vez mais difícil a permanência do nerson bobin na defesa. Artigos demolidores como este do Caroni pipocam em sites e blogs, com milhões de acessos e de credibilidade inatacável.
se ficar, o nerson vai virar um manco das duas pernas pelo desmoralização internacional da trairagem exposta pelo WikiLeaks e um representante à altura dessas nossas forças armadas reacionárias, que tem numa turma de cadetes recém formados o falecido ditador fascista e sanguinário Carrasco Azul Médici como patrono.
Belo exemplo, soldadinhos!

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