Coronel da PM ligado ao Massacre do Carandiru alega ‘questões familiares’ e desiste de cargo no Ministério da Justiça

Tempo de leitura: 6 min
Foto: Reprodução

Da Redação

Em nota à imprensa nesta sexta-feira, 23/12,  o coronel Nivaldo César Estivo, da Polícia Militar de São Paulo, informou que desistiu de assumir a Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

O futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, o havia indicado para o cargo na quarta-feira, 21/12.

Restivo é o atual secretário de administração penal do governo de São Paulo.

Na nota (na íntegra, abaixo), ele alega que a principal razão para a desistência é a “impossibilidade de conciliar a necessidade da dedicação exclusiva ao importante trabalho de fomento das Políticas Penais, com o acompanhamento de questões familiares de natureza pessoal”.

Segue a nota na íntegra:

Hoje, 23, conversei com o Ministro Flavio Dino.

Agradeci exaustivamente o honroso convite para fazer parte de sua equipe.

Em que pese a motivação e o entusiasmo para contribuir, precisei considerar circunstâncias capazes de interferir na boa gestão.

A principal delas é a impossibilidade de conciliar a necessidade da dedicação exclusiva ao importante trabalho de fomento das Políticas Penais, com o acompanhamento de questões familiares de natureza pessoal.

Assim, reitero meus agradecimentos ao Ministro Flavio, na certeza de que seu preparado conduzirá ao êxito da imprescindível missão que se avizinha.

CEL PMESP NIVALDO RESTIVO

Na verdade, o que pesou foi a pressão legítima de entidades de direitos humanos contra a sua indicação.

Restivo teve seu nome relacionado ao Massacre do Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992.

“A ação da Polícia Militar paulista para conter uma rebelião na Casa de Detenção da capital do estado resultou no assassinato de 111 detentos. Ele foi um dos policiais denunciados pelo Ministério Público por supostos excessos”, lembra Marcelo Auler, em reportagem no seu blog

Auler postou a carta aberta da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, “contra a indicação e nomeação do Cel. Restivo para a Secretaria de Políticas Penais”.

Mas não foi o único posicionamento contra a indicação de Restivo.

Houve outros. Um particularmente muito simbólico: a nota dos integrantes do GT de Transição de Segurança Pública do governo Lula  (na íntegra, abaixo). Ontem mesmo, ela já havia se tornado um abaixo-assinado.

“A indicação de alguém que carrega em seu currículo a participação num dos mais trágicos eventos da história das prisões do Brasil, o Massacre do Carandiru, representa um golpe bastante duro”, diz a nota.

“A passagem do Sr. Restivo pela gestão prisional paulista caminhou no sentido diretamente contrário ao que foi proposto por este GT, com declarada ojeriza à democratização da política penal e tendo a Secretaria paulista retroagido em todas as frentes que o relatório do GT defende”, acrescenta.

“Definitivamente, não corresponde ao perfil adequado aos esforços apontados no trabalho deste pelo grupo e constantes no plano de governo”, afirma.

Abaixo, a íntegra da nota.

NOTA DOS INTEGRANTES DO GT SEGURANÇA PÚBLICA E JUSTIÇA, SUBTEMA EXECUÇÃO PENAL E FUNPEN.

Caro Ministro Flavio Dino,

Considerando o ideal comum de reconstrução do país e de dias mais justos para o Brasil, aceitamos a tarefa de compor o Grupo de Trabalho de transição de execução penal, com ênfase na construção de propostas para o DEPEN e FUNPEN, passando por um processo amplo de escuta, de análise e construção participativa de um relatório propositivo para os desafios de reorganizar as políticas penais no país, tendo como objetivo maior o alcance daquilo que nosso ordenamento jurídico prevê em termos de garantia de direitos, com valorização dos servidores penais, respeito às pessoas privadas de liberdade e avanço nas políticas não-privativas de liberdade.

Por isso, tomamos a liberdade de manifestar o constrangimento, decepção e vergonha que sentimos como integrantes desse Grupo, pela indicação do novo Secretário da idealizada – e necessária – Secretaria Nacional de Políticas Penais.

Para um sistema prisional marcado de violações, sendo o descaso e tortura marcas recorrentes, a indicação de alguém que carrega em seu currículo a participação num dos mais trágicos eventos da história das prisões do Brasil, o Massacre do Carandiru, representa um golpe bastante duro.

Além disso, a passagem do Sr. Restivo pela gestão prisional paulista caminhou no sentido diretamente contrário ao que foi proposto por este GT, com declarada ojeriza à democratização da política penal e tendo a Secretaria paulista retroagido em todas as frentes que o relatório do GT defende.

Definitivamente, não corresponde ao perfil adequado aos esforços apontados no trabalho deste pelo grupo e constantes no plano de governo.

Na expectativa de melhor avaliação dessa situação, nos colocamos à disposição para tratar de maneira mais detalhada o assunto. Não consideramos que a participação ampla no trabalho de transição tenha sido apenas uma encenação.

Todos temos esperança de um governo verdadeiramente democrático e isso, necessariamente, inclui a esfera da sociedade onde, desde 1988, homens e mulheres negros e pobres, presos e seus familiares, esperam ansiosamente a chegada dos Estado democrático e de Direito.

Inclusive qualquer pretensão de uma política antiracista, como tem sido propalado pelo novo governo não passará de discurso vazio se nao levar em consideração a mais clara expressão do racismo brasileiro, o sistema prisional.

Assinam essa nota os membros oficiais e colaboradores/as voluntários/as do GT abaixo nomeados:

Camila Caldeira Nunes Dias – Relatora, Professora da UFABC, Pesquisadora do IPEA, do CNPQ e do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça – SEVIJU/UFABC

Entidades e grupos de pesquisa

LabGEPEN – Laboratório de Gestão de Políticas Penais do Depto de Gestão de Políticas Públicas da UnB

NAPP – Núcleo de Apoio à Política Pública da Fundação Perseu Abramo – Grupo de estudos sobre segurança pública, sob a coordenação do Deputado Paulo Teixeira

SEVIJU – Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça

Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Educação nas Prisões – UFT

Participantes individuais:

Abdael Ambruster – Coordenador Nacional de Segurança Pública do PT, Policial Penal Especialista em Segurança Pública e Direitos humanos, Especialista em Criminalística com ênfase em Perícia forense.

André Giamberardino – Professor da Faculdade de Direito e dos Programas de PósGraduação em Direito e em Sociologia da UFPR. Defensor Público no Paraná e atual Defensor Público-Geral no Estado.

Alessandra Teixeira – Professora da Universidade Federal do ABC. Pesquisadora do CNPq.

Gregório Antonio Fernandes de Andrade – Advogado Criminalista, sobrevivente do sistema prisional.

Ana Valeska Duarte — Advogada, especialista em Direito Penal e Processo Penal, Membra da Abracrim/RO, Membra das Comissões de Privação de liberdade e Segurança e Direitos Humanos do CNDH e atualmente perita do MNPCT. (As manifestações são de cunho pessoal e não representam a opinião do MNPCT, conforme disposto na Resolução nº 02, de 25 de novembro de 2016 no artigo 6º).

Bárbara Suelen Coloniese — Perita Criminal, Especialista em Criminalística e Criminologia e Protocolo de Istambul, membra das Comissões de Privação de Liberdade e Saúde Mental do CNDH, membra do Conselho Consultivo do Equador sobre as políticas de prevenção e combate à tortura na América Latina e atualmente perita do MNPCT. (As manifestações são de cunho 3 pessoal e não representam a opinião do MNPCT, conforme disposto na Resolução nº 02, de 25 de novembro de 2016 no artigo 6º).

Bruna Roberta Wessner Longen — Mestranda em Políticas Públicas; Especialista em Direito Penal e Gestão em Segurança Pública; Graduada em Direito; Membra do Conselho Estadual de Direitos Humanos – SC; Policial Penal; Superintendente de Execuções Penais do Departamento de Polícia Penal – SC, Professora de Direitos Humanos na Academia de Administração Prisional do Estado de Santa Catarina; Pesquisadora nas áreas de políticas penais, políticas públicas aplicadas às minorias do cárcere e gestões prisionais.

Bruno Rotta Almeida — Professor da Faculdade de Direito e do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Pós-doutorado em Criminologia e Sociologia Jurídico-Penal pela Universidade de Barcelona. Mestrado e Doutorado em Ciências Criminais pela PUCRS.

Christiane Russomano Freire – Professora do Programa de Pós Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). Mestre e Doutora em Ciências Criminais pela PUCRS.

Fabrício Silva Brito – Defensor Público da Execução Penal de Palmas – TO. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (UFT/ESMAT). Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Educação nas Prisões-UFT.

João Marcos Buch — Juiz de direito da Vara de Execuções Penais de Joinville/SC; mestre em ciências jurídicas; especialista em criminologia e política criminal; formador da ENFAM.

Manuela da Silva Amorim — Especialista Federal em Assistência à Execução Penal – vinculada ao Depen/Ministério da Justiça e Segurança Pública, desde 2014. Mestre em psicologia pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul ( UFMS/2022).

Mayara de Souza Gomes – Doutoranda e Mestra em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Pesquisadora. Membro do SEVIJU/UFABC

Renato Campos de Vitto – Defensor Público de São Paulo, ex- Diretor Geral do Departamento Penitenciário Nacional- DEPEN

Roberta Fernandes – Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Segurança Pública da Pontífice Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Socióloga, mestre e doutora em Ciências Sociais pela PUC Minas.

Vanessa Menegueti — Bacharel em Direito pela USP, mestre em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Cofundadora do Instituto de Governo Aberto, diretora no Instituto Cidade Democrática, pesquisadora do Colaboratório de Participação Social Colab-USP e do SEVIJU/UFABC.

Sidnelly Aparecida de Almeida — Psicóloga CRP MG 04/33569, Mestranda em Serviço Social – UFJF, ANEDS – Psicóloga no Departamento Penitenciário de Minas Gerais, Servidora Mobilizada na Coordenação de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos e na Divisão de Inovação e Projetos Sociais no Departamento Penitenciário Nacional.

Silvia Alyne Soares de Sousa — Policial Penal do Estado do Tocantins, Pedagoga,Sindicalista, Pesquisadora.

Leia também:

Marcelo Auler: Ágil no caso do diretor-geral da PRF, Dino ainda mantém o coronel da PM ligado ao Massacre do Carandiru

Jeferson Miola: Governo Lula deveria extingir o GSI; permanência não interessa à democracia


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

“Mais uma vez, aplausos a @FlavioDino, futuro ministro da Justiça,
que mostrou não ter compromisso com o erro.
Alertado e pressionado, anulou direta ou indiretamente duas indicações
contraditórias com o governo Lula.
Corrigir equívocos é uma grande virtude na vida pública.”

Jornalista BRENO ALTMAN
https://twitter.com/BreAlt/status/1606399978905157632

Zé Maria

O CEL PMESP, ex-Tenente da PM no Massacre do Carandiru, desistiu do
Cargo de ‘Secretário de Políticas Penais’ do Ministério da Justiça, por
“questões familiares de natureza pessoal”.

Sei …

Sandra

Desejo a todos e todas um Feliz Natal e agradeço a companhia de vocês em momentos tão importantes da nossa história. Que esta data seja o Marco de uma nova Era. Era de esperança, amor e paz para todo povo brasileiro.

Cleiton do Prado Pereira

Embora militar, foi mais sensato que os açodados da transição em atender ao DEUS MERCADO. Eu não consigo entender o porque de não darem uma resposta direta ao tal MERCADO. Se vocês querem dar as ordens e conduzir o país, por que não formam um partido e disputam as eleições.

Deixe seu comentário

Leia também