Chauí: Serra, versão empobrecida de FHC

Tempo de leitura: 4 min

Quarta, 20 de outubro de 2010, 10h11
Marilena Chauí: “Serra é versão empobrecida de FHC”

Claudio Leal
Do Rio de Janeiro, no Terra Magazine

A professora de Filosofia, Marilena Chauí, 69 anos, foi uma das intelectuais mais entusiasmadas no ato de apoio à candidatura de Dilma Rousseff (PT), no Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro, segunda-feira à noite (18). No púlpito, puxou um santinho do adversário José Serra (PSDB) e criticou o uso de uma mensagem religiosa (“Jesus é a verdade e a justiça”) na propaganda política. “É religiosamente obscena”, atacou.

Militante histórica do PT, Marilena retornou aos verbos de campanha depois que a sua candidata passou a rebater ataques morais e religiosos. Nesta entrevista a Terra Magazine, após a manifestação de artistas e de intelectuais, ela afirma que Serra é uma “versão empobrecida” do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

– Esse discurso religioso foi uma maneira de desconversar. Ele não tem um projeto para o Brasil. Ele é a versão empobrecida do horror que foi Fernando Henrique Cardoso e, por falta de um projeto real para o Brasil, eles encontraram uma maneira de desconversar.

Para Marilena Chauí, o governo Lula não se distanciou dos intelectuais petistas. O manifesto pró-Dilma, sustenta a professora da USP, “é a retomada do vigor da esquerda”. Só não se reuniram antes porque “não tinham que gritar contra nada”.

– A nossa presença foi difusa no interior nas várias áreas institucionais do governo. O que eu diria, é: o que nós tivemos hoje foi uma coisa que fazia tempo que a gente não fazia. Mas é porque fazia tempo que não tinha que gritar contra nada, reunir toda essa lindíssima história brasileira.

Confira a entrevista.

Terra Magazine – Ao discursar no ato de artistas e intelectuais que apoiam Dilma, a senhora mostrou e criticou um santinho de Serra, com a frase “Jesus é a verdade e a justiça”. Como a senhora avalia a entrada de temas religiosos na campanha?
Marilena Chauí – Olha, esse discurso religioso foi uma maneira de desconversar. Ele não tem um projeto para o Brasil. Ele é a versão empobrecida do horror que foi Fernando Henrique Cardoso e, por falta de um projeto real para o Brasil, eles encontraram uma maneira de desconversar. Primeiro, foi “Dilma é guerrilheira”. Não deu certo. Depois foi “Dilma e Erenice”. Não deu certo. Agora é Dilma e o aborto. E ele, protetor da sociedade brasileira. É um escândalo, um escândalo. Sobretudo, o que eu acho mais grave, ele está fazendo essa operação através da TFP (Tradição, Família e Propriedade) e da Opus Dei. Nós temos uma pessoa que foi de esquerda, trazendo pela porta da frente aqueles que fizeram a ditadura no Brasil. Trazendo os produtores, os autores da ditadura brasileira. Trazendo pela porta da frente essa conversa religiosa. Isso é inadmissível. Isso é um escárnio. É tripudiar as nossas lutas. É tripudiar a memória. É tripudiar os mortos, os desaparecidos, os torturados. Isso é um escárnio, é um deboche!

Mas o PSDB acusa o PT de fazer também terrorismo com o tema das privatizações, já que Dilma afirma que eles querem privatizar o pré-sal. Não ocorre isso?
Ah, não, não, eles não têm um caráter privatista… A política econômica neoliberal, você sabe, não tem nada a ver com privatização… A ideia do Estado mínimo, a ideia do enxugamento, a ideia de que o Estado não tem que se encarregar dos direitos, mas apenas de serviços, e que o Estado não tem nenhuma obrigação de intervir diretamente na economia, não são princípios neoliberais… Não são princípios que foram adotados pelo PSDB… Não são os princípios que regeram a política do FHC e do Serra em São Paulo, no pouquinho que ele ficou na Prefeitura, no pouquinho que ele ficou no governo do Estado! Ele tem essa peculiaridade. Um homem que foi eleito senador e não cumpriu o mandato. Eleito prefeito, não cumpriu o mandato. Eleito governador, não cumpriu o mandato. Ele é o homem dos desmandatos.

O que esse ato de intelectuais e artistas representa para a campanha de Dilma?
Ele é a retomada do vigor da esquerda, do vigor de uma trajetória histórica de lutas pela democracia, de lutas pela vida republicana, de lutas pelos direitos, de lutas pelas igualdades, pela justiça. É o coroamento de um processo de dignidade dos brasileiros.

Pode significar uma retomada da participação dos intelectuais dentro do PT? Há essa sensação de que eles não estiveram tão integrados ao governo de Lula e deveriam estar, pelo que representaram na história do PT.
Não acho que houve distância entre os intelectuais e o governo. É que os intelectuais participaram de setores importantes da participação popular. Nas câmaras de direitos humanos, nas câmaras de economia solidária, nas câmaras de ecologia, no Bolsa Família nem se fala, no Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)… Por exemplo, eu participei do Conselho Nacional de Educação – e, como eu, inúmeros petistas, professores… A nossa presença foi difusa no interior das várias áreas institucionais do governo. O que eu diria, é: o que nós tivemos hoje foi uma coisa que fazia tempo que a gente não fazia. Mas é porque fazia tempo que não tinha que gritar contra nada, reunir toda essa lindíssima história brasileira.

A senhora sempre faz críticas às posições da imprensa. Como ela se comporta no processo eleitoral?
Eu sou crítica da mídia como um todo. Em primeiro lugar, o fato de ela ser um monopólio de quatro famílias e que identifique a liberdade de pensamento e de expressão com os lucros dessas famílias no mercado. É uma destruição da noção de liberdade de pensamento e de expressão. Eu tenho dito que aqueles que defendem, verdadeiramente, a liberdade de pensamento e de expressão têm como obrigação fazer a crítica da mídia e recusar a imposição que a mídia nos faz. E eu acho a coisa mais maravilhosa, mais perfeita, o que aconteceu com a (psicanalista) Maria Rita Kehl. Quer dizer, foi esse jornal, o Estado de S. Paulo, que iniciou a cruzada contra o “partido autoritário, totalitário, que impedia a liberdade de expressão”. Ele encabeçou essa campanha. E na hora que Maria Rita Kehl escreve uma opinião que discorda da linha editorial do jornal, eles demitem a Maria Rita! Em nome do quê? Então, é preciso fazer a crítica.


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Comentários

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rubem

Serra consegue ser pior que FHC ?e pode ser pior do que aquilo???
Serra por favor aposente-se.

Rossi

Meu Deus!Se fhc foi a catástrofe completa,uma versão empobrecida daquilo,só em pesadelos.

Pitagoras

Deste modo, Serra, em relação à fhc, prova que o poço pode sempre ser mais fundo.

Carlos Cruz

Uma vez me disseram que uma mentira aparece a primeira vez como verdade, e engana muita gente. Já a segunda vez apresenta-se como farsa, e já não engana. Serra, o fariseu, é a farsa da farsa que foi (ou é) FHC. Mas estou notando uma radicalização preocupante da parte deles. Aqui em Fortaleza-CE estão convocando uma "marcha pela vida"… Dá pra entender de que eles sentem saudade? Parece que voltamos à década de 60. A fossa tucana está contaminando a política nacional. Eles vão tentar TUDO. TUDO! Não podemos cair no conto da serraeira. Há um rochedo. Um rochedo de preconceito, calunia, terrorismo eleitoral. Cadê o MPF? Cadê o TSE? Como podem jugar tanta sujeira em minha casa se EU pago o horário eleitoral? Há de se exigir do Sr. Serra, o fariseu, um mínimo de compustura. O horário foi criado para se debater programas e não caluniar, ofender. Cadê a PF?

ruypenalva

Serra é o FHC genérico. FHC pelo menos defende os seus atuais pontos de vistas neoliberais e de estado mínimo. Defende o seu governo e suas privatizações. Serra, ao contrário, ele quer fazer a campanha de maneira esquizofrênica: liberal para o Estadão, privatista para os investidores internacionais, canônico para igreja, verde para os ambientalistas, de esquerda para encobrir tudo isso. É por isso que Dilma diz que ele não tem só duas faces (e todo mundo tem de ter 2 faces, pois temos essa contradição dentro de nós) ele tem é mil faces, melhor dizendo. ele tem mil disfarces; é proteiforme, muda de forma como os animais que metamorfozeiam, muda de cor como camaleão.

Domngos

A professora é sensacional.

Vinicius Cabral

O que mais me assusta nesta campanha não são as calúnias contra a Dilma nem as acusações dos dois lados (mas partindo com mais intensidade do lado extremo direito). É a falta de projeto para o Brasil do candidato tucano e das suas "fórmulas mágicas" de, como bem disse a (genial) professora Chauí, DESCONVERSAR para, evidentemente, desviar o foco dos debates.

E o pior de tudo é: tem brasileiro que vai cair na desconversa e vai votar no cara… isso é que dói! =/

    Elton

    O anti-petismo é responsável pela maioria dos votos que Serra vai receber e por sua vez este é cultivado pela mídia dominante, que criminaliza TODAS as ações do governo e TODOS os movimentos sociais como por volta de 1910: "Manifestações do povo são caso de policia". Nossas "elites" não evoluíram em absolutamente NADA!

    Lucia Fernandes

    Tenho que rir…
    Acho que assistimos palestras e debates diferentes…
    Quem não conclui os pensamentos é a Dilma…nunca vi tanta insegurança!

Urbano

O zé contra-rampa, o mitômano até para ser mafioso é incompetente. É um verdadeiro emissário, ou seja, é oco e só passa dejetos por dentro.

Mônica

Acho que eu não tenho que explicar, pricipalmente neste blog, é claro, que a resposta da professora sobre PSDB e privatizações foi em tom de ironia (aquele recurso linguístico que só os mais inteligentes reconhecem e apreciam). O problema é que pode aparecer gente da direitona e retirá-la do contexto e usá-la em favor do Serra (e dizer também que Marilena Chauí se "contradiz"). Sabe como é, todo cuidado é pouco.

    Elton

    Tem toda a razão!

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