Celso Lungaretti: Da necessidade de repudiar a ditadura síria

Tempo de leitura: 2 min

DITADOR SÍRIO É CLONE DE PINOCHET

Celso Lungaretti (*), no Náufrago da Utopia

Bashar al Assad: a mesma carranca…

O ditador sírio Bashar al Assad esmera-se em imitar, detalhe por detalhe, o carniceiro chileno Augusto Pinochet: seu regime genocida não só liquidou o Victor Jara do seu país, como está despejando presos políticos em estádios de futebol.

Compositor e cantor de músicas que combinavam ritmos folclóricos com mensagens de protesto, Jara lembrava muito o nosso Geraldo Vandré, também assassinado por uma ditadura bestial, embora por outros meios: dele só exterminaram a alma, deixando o corpo a perambular como zumbi.

Já do expoente máximo da  Nueva Canción Chilena  os militares ensandecidos tiraram também a vida.

O  pinochetazzo  o surpreendeu na universidade, sendo lá sequestrado pelas tropas golpistas, juntamente com outros alunos e professores.

Levaram-no ao Estádio Chile (não confundir com o Estádio Nacional do Chile), onde eram amontoados os seguidores do presidente legítimo Salvador Allende. Uma boa idéia dos horrores que lá tiveram lugar é dada no filme O Desaparecido – um grande mistério (d. Costa Gravas,  1982), cujas sequências mais chocantes são as que mostram as pilhas de cadáveres dos cidadãos executados pelos fascistas.

A versão mais difundida da morte de Jara é a que aparece em outro filme, Chove Sobre Santiago (1976), do chileno Helvio Soto: ele é desafiado a cantar para seu público, reunido nas arquibancadas do estádio sinistro — e o faz. Então, os verdugos o espancam até a morte.

Seu corpo foi exumado em 2009, quando ficou comprovado que realmente esmagaram-lhe as mãos a coronhadas.

Teve seus restos mortais atirados num matagal de beira de estrada, mas acabaram sendo encontrados e levados à câmara mortuária. Depois que a esposa o identificou, foi enterrado no Cemitério Geral de Santiago.

…e a mesma bestialidade de Pinochet.

Enfim, tratou-se de um destino bem semelhante ao que acaba de ter o músico sírio responsável pelo  hino  das manifestações contra a tirania do seu país — cujo título, numa tradução livre, seria ‘Pede pra sair, Basher’.

O cadáver do autor da canção, Ibrahim Qashoush, apareceu boiando num rio, no início do mês passado.

Agora, chega a notícia de que as tropas do ditador sírio estão invadindo casas num distrito sunita do porto de Latakia, prendendo pessoas às centenas e as levando para os estádios da Cidade Esportiva de al-Raml, sede dos Jogos Mediterrâneos na década de 1980.

“Os estádios da Cidade Esportiva estão servindo de abrigo para refugiados, para impedir que eles fujam de Latakia e, tal qual vimos em outras cidades atacadas, também como um centro de detenção”, disse o diretor do observatório Rami Abdelrahman à agência Reuters.

Os relatos de torturas provêm de todos os lados. Só não foram confirmadas, por enquanto, execuções nos estádios-masmorras.

É só o que falta para Bashar al Assad igualar-se a Pinochet em tudo e por tudo.

Quanto à presidente Dilma Rousseff, o que falta é ela confirmar a alardeada priorização dos direitos humanos, repudiando a ditadura síria com a mesma firmeza adotada em relação à congênere iraniana.

Afinal, para quem é ou foi revolucionário(a), não importa o sexo da vítima ou se a forma de execução é particularmente cruel (caso do apedrejamento). Temos o dever moral de nos posicionar contra as matanças, a barbárie e o despotismo em si mesmos, sob quaisquer circunstâncias e independentemente das conveniências econômicas.

* jornalista e escritor.


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Comentários

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Celso Lungaretti

Nunca, nem mesmo nos tempos de Marx, existiu somente "uma esquerda", mas sim diferentes tendências de esquerda tentando comprovar na prática a validade de suas posições. Essa pretensão de monolitismo é mais um dos nefandos legados do stalinismo. Foi para a lixeira da História há muito tempo.

Então, convido os comentaristas a lerem esta notícia de hoje e avaliarem se não há motivo para um revolucionário sincero, que lutou contra a ditadura brasileira, repudiar a repressão síria, comparável à de Pinochet: http://noticias.terra.com.br/noticias/0,,OI530229…

E, já que citaram a convicção que eu e muitos libertários temos, de que a principal característica do episódio de 1932 foi a de haver se constituído numa luta contra a tirania, que tal refletirem sobre os motivos que nos levam a defender tal posição? Estão resumidos aqui: http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2011/07/va

    luiz pinheiro

    Há pelo menos uma grande diferença entre Assad e Pinochet.
    Pinochet atuou em perfeito conluio com os Estados Unidos.
    Já Assad está com sua cabeça posta a prêmio pelos mesmos Estados Unidos.

Sergio Barbosa

É bom lembrar que este tal de Celso Lungaratti escreveu um artigo defendendo a "revolução de 1932" dos Barões do Café Paulistas no seu blog no dia 9 de julho de 2009.
Certo tipo de "esquerda" parece muito com a direita.

JotaCe

Recadinho…

Azenha, quando encontrar outra boa piada, não te esqueças de divulgá-la como fez com o texto do Celso…Precisamos também de rir…Abraços,

JotaCe

Luca K

Fraquíssimo esse artigo do Lungaretti. Não se trata de aprovar a ditadura de Assad mas a situação na Síria é muito mais complexa do q essa bobeira que o autor escreveu. Inclusive muitos dos rebeldes não querem "democracia" coisa nenhuma(o mesmo se aplica aos "rebeldes" líbios), sequer entendem o conceito, são os elementos mais extremistas do ponto de vista religioso no país. Há evidencias tb de q os rebeldes estejam sendo ao menos em parte financiados e até armados pelos EUA. Jornalistas ocidentais independentes q estiveram na Síria relataram que as manifestaçoes são muito menores do q o reportado pela mídia ocidental. E q o apoio a Assad é grande. Pepe Escobar escreveu um bom artigo sobre o assunto recentemente. O pior cenário para a Siria e para o mundo, seria Assad ser substituido por um fantoche dos EUA/IsraHell, o que isolaria o Hezbollah no sul do líbano, cortando rota de armas e profundidade estrategica, isolaria tambem o Irã, aumentando a chance de um ataque ao país. O que poderia ter consequencias desastrosas para todo o mundo.

    Bonifa

    Sem esquecer que esta estratégia de personificar para demonizar, transformar o inimigo numa só pessoa (no caso Assad) é uma manjadíssima estratégia de dominação romana, magistralmente descrita por Montesquieu em seu livro "Os Romanos". Assad não manda na Síria, quem manda na Síria é o Partido Baath. Quando os EUA invadiram o Iraque, nada tinham de pressoal contra Sadam, seu alvo era o Baath. Apesar de Sadam ter limpado os pés em um tapete com a efígie de Bush pai. O inimigo era o Partido de Sadam, o Baath. O Partido Baath invadiu o Kwait em 1960 e na época, a Inglaterra sozinha foi capaz de repelir a invasão. E o dirigente do Iraque na ocasião foi condenado à morte pelo partido, por incompetência. O Baath conseguiu controlar todas as tribos e todas as religiões do Iraque e fez o país ficar Laico e anti-teocrático. Comandado por um conselho de três conselhos: Curdo, Norte e Sul: O Baath era a evolução? Foi sob o Baath que o Iraque tinha as melhores universidades do Oriente Médio e hoje nada mais tem? E os ocidentais querem empurrar estes povos para a Idade Média novamente? Precisamos saber mais sobre isso.

    daniel bastos

    Caracas Bonfa, o papo tá muito bom, mas o sangue tá rolando lá naquele país do oriente médio. O que fazer com os descontente e oprimidos, parece que não são pouco?. Tenho um amigo que é filho de sírios e foi visitar o país de seus pais há uns anos atrás. Ele me contou que o clima de opressão por lá lembrou-lhe o da ditadura brasileira. Você parece conhecer bem as questões geopolíticas da região, mas não vi você comentar a violencia absurda do Estado contra as pessoas. Os cidadãos que se revoltam e saem as rua são mortos. A impressão que tive ao ler seu comentário é que você se não é favorável , pelo menos não toma partido. Ora, não preciso da história do poder colonial ingles e americano para me colocar contra o regime sírio. O que quero dizer com isso é que minha posição não parte de uma essencia já dada a priori que direciona minha visão de mundo – a realidade tem que se encaixar com minha teoria, e não o contrário. Nesse ponto concordo com o filosofo " a existencia precede a essencia." Me revolto contra os assassinatos cometidos contra aquela gente, eles são reais e acontecem aqui e agora. Não preciso recorrer a uma certa ideia de mundo pra me posicionar diante do real.

Naomi Klein: Não falta dinheiro para comprar balas de borracha e canhões de água | Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Celso Lungaretti: O repúdio à ditadura síria   […]

Edson Barbosa

E indo pela mesma coerência citar as prisões Guantánamo, os sequestros realizados pela CIA, os bombardeios contra civis no Iraque e no Afeganistão e o assassinato de Osma Bin Laden (criminoso tem que ser presos e julgado, como dizem os maiores defensores dos Direitos Humanos- os EUA)

Bonifa

Parece que foi escrito pelo Eunaosabia. Elenaosabia a complexa situação daquela região, onde até o experiente Pepe Escobar por vezes confessa que se perde. Mas Elesabia que Pinochet foi uma obra intra-muros americanos, coisa de primos continentais, soprada pelos ventos da Escola das Américas.

    Mael

    Mas não estar a par da"complexa situação daquela região" não impede ninguém de repudiar a violência da repressão síria.

    luiz pinheiro

    Como repudiar aquilo sobre o que não se está a par?

    JotaCe

    Caro Bonifa,

    Belezinha de texto, verdadeiro primor o artigo do jornalista do estadão! Pobre de mim, que admirava os artigos de Pepe Escobar com os quais o Vi o Mundo comprazia o meu espírito e a minha curiosidade (como ‘O meu minarete é maior’, por exemplo’) !

    Vamos atacar o Irã, premiar o governo de Israel pelos crimes cometidos contra Gaza? Que tal uma louvação do ‘náufrago’ ao democrata Mubarak, à democracia da Arábia Saudita e satélites lá do Golfo?

    JotaCe

    Bonifa

    Como faríamos tal proeza? Já há na Europa um movimento, comandado pelo direitista sincero espanhol Aznar, de recuperação e defesa "da honra de Mubarak, nosso amigo e aliado" (lá deles). Qual a reportagem séria que existe sobre o Partido Baath? Como poderemos entender este partido? Pepe Escobar pode tentar dizer? Isso sem contar que o serviço de inteligência do Ministério das Colônias britânico deve ter bloqueado para o povaréu qualquer informação, para que as famílias ocidendais permaneçam virgens de tais preocupações.

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