Atilio Boron: Na Bolívia, Exército se omitiu para permitir o golpe dos milicianos contra presidente constitucional em exercício

Tempo de leitura: 3 min
El Alto - O presidente Evo Morales pediu neste domingo novas eleições gerais na Bolívia e anunciou a renovação do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), na sequência do relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizou uma auditoria integral do processo eleitoral de 20 de outubro passado. Foto ABI

O golpe na Bolívia: cinco lições

Por Atilio A. Boron, via GGN

Tradução de Roberto Bitencourt da Silva

A tragédia boliviana ensina, eloquentemente, várias lições que nossos povos e nossas forças políticas e sociais populares devem aprender e registrar em suas consciências para sempre.

Aqui, uma breve enumeração, em tempo real, e como um prelúdio para um tratamento mais detalhado no futuro.

Primeiro, não importa o quanto a economia seja administrada de maneira exemplar, como o fez o governo de Evo, o crescimento, a redistribuição, os fluxos de investimentos são garantidos e todos os indicadores macro e microeconômicos são aprimorados, a direita e o imperialismo nunca aceitarão um governo que não serve a seus interesses.

Segundo, precisamos estudar os manuais publicados por várias agências americanas e seus porta-vozes disfarçados de acadêmicos ou jornalistas para poder perceber os sinais ofensivos a tempo.

Esses escritos invariavelmente destacam a necessidade de destruir a reputação do líder popular, que no jargão especializado é chamado de assassinato do personagem, como ladrão, corrupto, ditador ou ignorante.

Essa é a tarefa confiada aos comunicadores sociais, auto-proclamados como “jornalistas independentes”, que em favor de seu controle quase monopolista da mídia, moldam o cérebro da população com tais difamações, acompanhadas, no caso em questão, por mensagens de ódio dirigido contra os povos nativos e os pobres em geral.

Terceiro, atendidos os parâmetros e as ações expostas acima, é a vez da liderança política e das elites econômicas reivindicarem “uma mudança”, encerrando a “ditadura” de Evo que, como escreveu o notório escritor peruano Mario Vargas Llosa, há alguns dias, é um “demagogo que quer se eternizar em poder “.

Suponho que Llosa estará brindando com champanhe em Madri quando ver as imagens das hordas fascistas saqueando, queimando, acorrentando jornalistas a um poste, raspando a cabeça de uma prefeita e pintando-a de vermelho, destruindo as atas da última eleição para cumprir o mandato de dom Mario e “libertar a Bolívia de um demagogo do mal”.

Menciono o caso dele porque foi e é o imoral porta-estandarte desse ataque vil, desse crime sem limites que crucifica as lideranças populares, destrói uma democracia e instala o reino do terror encarregado de gangues contratadas para repreender um povo digno que a audácia de querer ser livre.

Quarto: as “forças de segurança” entram em cena. Nesse caso, estamos falando de instituições controladas por várias agências, militares e civis, do governo dos Estados Unidos.

Eles os treinam, os armam, fazem exercícios conjuntos e os educam politicamente. Tive a oportunidade de verificar quando, a convite de Evo Morales, abri um curso sobre “Anti-imperialismo” para oficiais superiores das três armas.

Naquela ocasião, fiquei envergonhado pelo grau de penetração dos slogans americanos mais reacionários herdados da era da Guerra Fria e pela irritação indiscutível causada pelo fato de um indígena ser presidente do seu país.

O que essas “forças de segurança” agora fizeram foi sair de cena e deixar o campo livre para o desempenho descontrolado das hordas fascistas – como as que agiram na Ucrânia, na Líbia, no Iraque, na Síria para derrubar ou tentar fazê-lo em neste último caso, líderes incômodos para o império – e assim intimidam a população, a militância e o governo.

Ou seja, uma nova figura sociopolítica: o golpe militar “por omissão”, permitindo que as quadrilhas e os bandos reacionários, recrutados e financiados pela direita, imponham a sua lei.

Uma vez que o terror reina e ante a impotência, ou incapacidade de defesa, do governo, o resultado era inevitável.

Quinto, a segurança e a ordem pública nunca deveriam ter sido confiadas na Bolívia a instituições como a polícia e o exército, colonizadas pelo imperialismo e seus lacaios da direita indígena.

Quando foi lançada a ofensiva contra Evo, o governo optou por uma política de apaziguamento e não de resposta às provocações dos fascistas. Isso serviu para encorajá-los e aumentar a aposta: primeiro, exija segundo turno; depois, fraude e novas eleições; a seguir, eleições, mas sem Evo (como no Brasil, sem Lula); depois, renúncia de Evo; finalmente, dada a sua relutância em aceitar chantagens, semeie o terror com a cumplicidade da polícia e das forças armadas e force Evo a renunciar.

Do manual, tudo do manual. Vamos aprender essas lições?

Atilio A. Boron – Sociólogo argentino, com doutorado em Ciência Política pela Universidade de Harvard, professor da Universidade de Buenos Aires. É autor de diversos e importantes livros.


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Comentários

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Zé Maria

Para a Direita Capitalista, democracia é ‘alternância obrigatória’ de poder,
quando quem está no poder é um Governante de Esquerda; não importa
se a maioria da população decide mantê-lo no Governo pelo voto direto.
Aliás, no Brasil, os ‘democratas da direita’ não admitem sequer que se
mantenha no Governo o mesmo Partido Político de Esquerda, nem mesmo alternando, a cada 8 anos, o representante eleito pelo voto popular direto.

Zé Maria

Aos Adeptos das Teses Conspiratórias:

Trauma de Junho de 2013 no Brasil
Agora, iremos comprovar se os Protestos no Chile tiveram raiz popular
ou se foram Movimentos insuflados pela Extrema Direita Chilena
que apenas serviram de distração para consumar o Golpe na Bolívia.

https://pbs.twimg.com/media/EJGRYysXkAIP2Qj.jpg
Pelo que se depreende as notícias sobre o Governo Chileno,
o Piñera propôs uma ‘nova’ constituição, só que elaborada
pelo atual Congresso Nacional do Chile sem legitimidade.
https://pbs.twimg.com/media/EJGJj5QW4AEyDIH.jpg

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