Antonio de Azevedo: Retratos da falência ética, moral e ambiental

Tempo de leitura: 3 min
Na capital de São Paulo, o despejo de esgoto in natura no rio Tietê pela Sabesp, privatizada por Tarcísio de Freitas, em 23 de julho de 2024. Na foto acima, o governador no ato do ex-presidente Bolsonaro, realizado no domingo, 29/06. Fotos: Reprodução/TV Globo e Rovena Rosa/Agência Brasil

RETRATOS DA FALÊNCIA MORAL

Por Antonio Sergio Neves de Azevedo*

O Brasil amanheceu nesta segunda-feira digerindo retratos distintos, mas profundamente conectados: o da negligência fatal que matou a jovem Juliana Marins em um vulcão na Indonésia, o da solidão política de Jair Bolsonaro na Avenida Paulista e do despejo de esgoto in natura no rio Tietê em São Paulo.

Esses episódios ilustram o esgotamento — ético, moral e ambiental — de uma era marcada pela irresponsabilidade, pela antipolítica e pelo desprezo à vida.

A reportagem do Fantástico expôs detalhes estarrecedores da tragédia que vitimou Juliana.

O guia do grupo, sem qualquer certificação profissional, abandonou a trilha para fumar e simplesmente a deixou para trás. Após o desaparecimento, o parque demorou horas preciosas para acionar a Defesa Civil.

A sucessão de omissões custou a vida de uma jovem brasileira e escancarou o preço da negligência institucional, do improviso e da banalização da maldade.

Enquanto isso, no Brasil, outro abandono ficava evidente: Jair Bolsonaro, que convocou uma manifestação na Avenida Paulista, encontrou uma avenida quase deserta. Nenhuma liderança de peso apareceu. Nem mesmo Nikolas Ferreira, um de seus seguidores mais fervorosos, deu as caras.

Os poucos presentes foram surpreendidos por skatistas que usaram o espaço para protestar contra o ex-presidente — uma imagem impensável nos tempos áureos do bolsonarismo.

No palanque na Paulista, Silas Malafaia, em um surto de verborragia, partiu para ataques até contra aliados da própria direita, revelando o racha interno do grupo que antes se vendia como unido.

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O esvaziamento político vem acompanhado do avanço das investigações, das delações, das provas robustas. O que antes era bravata, agora é medo — da Justiça, da cadeia, do abandono.

O bolsonarismo que desprezou a democracia, glorificou as armas e zombou da empatia, agora experimenta a solidão daqueles que se julgaram acima da lei.

E como se não bastassem os escombros morais, um novo alerta ambiental escancarou o descaso com a vida urbana.

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) deu 72 horas para a Sabesp — privatizada pelo atual governador bolsonarista — explicar o despejo irregular de esgoto in natura no rio Tietê, às margens da Marginal.

A mancha negra visível a olho nu não é apenas um crime ambiental: é mais um sintoma da falta de compromisso com o bem comum, com o saneamento, com o futuro. O esgoto despejado sem tratamento é metáfora concreta de um sistema que preferiu contaminar tudo — rios, política, instituições — em nome de interesses próprios e do lucro fácil.

O episódio da contaminação do Tietê é, também, uma grave afronta ao Direito Ambiental e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU — especialmente o ODS 6, que trata do acesso à água limpa e saneamento, e o ODS 11, sobre cidades sustentáveis.

A violação sistemática desses princípios evidencia a urgência de restaurar a função ecológica do Estado e garantir políticas públicas baseadas na justiça intergeracional e na preservação ambiental. A crise ambiental não é apenas ecológica: é legal, ética e civilizatória.

Por derradeiro, o silêncio da Paulista foi ensurdecedor. O abandono de Juliana, imperdoável. E o esgoto lançado ao Tietê, inaceitável. Essas são cenas e retratos da falência moral de um país que parece estar, finalmente, confrontando os detritos de sua própria omissão.

O Brasil precisa — e parece querer — virar a página. E esse capítulo que se fecha será lembrado não apenas pelas mortes evitáveis e pelas praças vazias, mas pelo fracasso retumbante de quem confundiu liderança com abandono do meio ambiente.

*Antonio Sergio Neves de Azevedo, doutorando em Direito, em Curitiba/Paraná.

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo

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Comentários

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Zé Maria

Excertos

“A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo [protocolarmente] deu 72 horas para a Sabesp
— privatizada pelo atual governador bolsonarista —
explicar o despejo irregular de esgoto in natura
no Rio Tietê, às margens da Marginal.

A mancha negra visível a olho nu não é apenas um crime ambiental:
é mais um sintoma da falta de compromisso com o bem comum,
com o saneamento, com o futuro.

O esgoto despejado sem tratamento é metáfora concreta
de um sistema que preferiu contaminar tudo — rios,
política, instituições — em nome de interesses próprios
e do lucro fácil.”
[…]
“A crise ambiental não é apenas ecológica:
é legal, ética e civilizatória.”
.
.
[Capitalismo Predador (Neoliberalismo)
que favorece o Lucro Desmesurado
em Detrimento da Vida e da Dignidade]
.
.

Nelson

COMENTÁRIO Nº 3

“Vocês que fazem parte desta massa
REFAÇAM os projetos do futuro”.

Procedi a uma pequena adequação nos versos do grande Zé Ramalho. Nos projetos do futuro engendrados pelas megacorporações capitalistas, não está previsto um mundo decente para cada ser humano, ou um país decente para cada brasileira e brasileira, como é direito de todos e de cada um(a).

Tais corporações só visam lucros sempre maiores para si. Portanto, façamos nós, dos “projetos do futuro”, projetos que contemplem uma vida digna para todos. Esses projetos, porém, não aparecerão para nós por um passe de mágica ou por uma dádiva divina.

É preciso que lutemos por eles, até porque, Deus nos disse: “ajuda-te que te ajudarei”.

Nelson

COMENTÁRIO Nº 2

Também não gosto, nem um pouco, de lembrar e de falar do vaticínio feito pelo grande intelectual argentino Jorge Beinstein há cerca de nove anos.

“Os Estados Unidos, apoiado em certos casos por outras potências ocidentais, destruiu países como o Afeganistão, Iraque, Líbia ou Síria, tenta cercar militarmente a Rússia, afundar a sua economia, está começando a fustigar militarmente a China, encontra-se embarcado na recolonização integral da América Latina à qual reserva um destino mexicano”, denunciou Beinstein.

Por “destino mexicano”, entendamos que nossos países vão ficando parecidos com o país do grande Emiliano Zapata, onde o crime organizado domina parte significativa da sociedade.

Pois, vejo o “destino mexicano” a que se refere Beinstein a se materializar dia a dia, quando os noticiários apontam o crescimento do tráfico de drogas e do crime organizado no Brasil, ainda que a todo momento tomemos conhecimento de operações policiais feitas para debelarem exatamente o …. tráfico de drogas.

E vejo um vasto contingente de brasileiros a serem jogados num “campo de caça” à disposição do crime organizado. A continuar a destruição deliberada da Seguridade Social com o objetivo de abrirem-se mais espaços para a obtenção de lucros em grandes negócios privados, vai crescer proporcionalmente a quantidade de brasileiros que se tornam reféns do crime organizado.

A Seguridade Social é item de extrema importância para a nação, item que ainda garante alguma coesão social e que assim possamos seguir vivendo num país que, em certa medida, ainda é decente para se viver.

O desmantelamento da Saúde Pública e da Previdência Social, com o fim de abrir espaços para que floresça a saúde privada e a previdência privada, vai materializar no Brasil, em definitivo, o “destino mexicano” vaticinado por Jorge Beinstein.

É arrepiante afirmar isso, mas, se o povo brasileiro – trabalhadores e pequenos e médios empresários e profissionais liberais – não acordar para o projeto daqueles que se acreditam donos do mundo e pôr-se à luta, o país decente chamado Brasil vai evaporar-se, inapelavelmente, tornar-se-á coisa do passado.

Nelson

COMENTÁRIO Nº 1

“A sucessão de omissões custou a vida de uma jovem brasileira e escancarou o preço da negligência institucional, do improviso ……”

Não tenho qualquer deleite, lamento muito em ter que escrever isso, mas não dá para fazer de conta que não estou vendo acontecer. Estou me referindo à impressão de que, se já não embarcou por completo nessa onda “de omissões”, nosso Brasil está por um fio para por ela ser totalmente engolido.

Talvez não chegue ao grau da Indonésia ou de outros tantos países, mas nossa nação também sofre, historicamente, com a “negligência institucional”. E parece que essa negligência só faz aumentar.

Contudo, ainda resistimos, ainda permanecemos vivendo num país que, mesmo com tantas mazelas, ainda pode ser considerado em boa medida habitável, ainda pode ser considerado um país decente para se viver.

Não sei até quando poderemos gozar dessa condição já precária, haja vista que, em nome da extração de lucros sempre crescentes por um estrato minúsculo da nossa população as autoridades constituídas, com poucas exceções, se esmeram em ampliar, ilimitadamente, a “negligência institucional”.

Veja o tal “PL da devastação”, a “PEC do Fim do Mundo” (Teto de Gastos), o PL da ”Terceirização sem limites”, os tais “novos marcos”, as privatizações (doações) do patrimônio do povo, as tais “reformas”, que nada têm de reformas.

Trata-se, na verdade, de um conjunto de medidas que embalam enormemente a destruição pura e simples da condição de habitabilidade da nossa nação.

Medidas aprovadas por aqueles que teriam a obrigação de garantir que a “negligência institucional” se reduzisse ou fosse eliminada do dia a dia do país, em favor do cumprimento da nossa Constituição, para que cada brasileira e cada brasileiro pudessem viver no país decente a que têm direito.

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