Ângela Carrato: Zema, aliado de Bolsonaro, das mineradoras que estão destruindo Minas e do coronavírus, e o ”mineirês”

Tempo de leitura: 7 min
Zema, o Bolsonaro das Gerais?! Fotos: PR e Ricardo Stuckert

BREVE ROTEIRO PARA ENTENDER O “MINEIRÊS”

Por Ângela Carrato*, especial para o Viomundo

O que está acontecendo em Minas Gerais nesta campanha eleitoral?

Os mineiros estão realmente satisfeitos com a administração do governador Romeu Zema, apesar de ele estar devastando a educação e a saúde pública do Estado, entregando-as à iniciativa privada, via OSS?  

O único governador do Novo em todo o país não tem oposição? 

Ele pode repetir 2018 e ter a vitória no primeiro turno?

Essas foram algumas das perguntas que ouvi da jornalista Conceição Lemes, editora do site Viomundo

Ela admite que não está entendendo nada deste “mineirês”.

Tenho algumas explicações para o que se passa aqui nesta campanha eleitoral. Mas antes, precisamos recuar um pouco no tempo.

Zema só foi eleito no primeiro turno em 2018, porque os mineiros se sentiram sem alternativa. Não queriam nem Antônio Anastasia e nem Fernando Pimentel.

Anastasia era aquele tucano que não convencia mais ninguém. Ex-governador, ele integrava a turma das aves emplumadas que fizeram de Minas Gerais terra arrasada. E Pimentel era o governador que havia atrasado o salário do funcionalismo.

Pena que a memória de muitos seja curta e a mídia mentirosa, porque isso é fundamental para se entender a vitória do Zema.

Quem se lembra que Aécio Neves chegou a promover uma campanha publicitária para anunciar que o estado tinha zerado a sua dívida, o tal “Déficit Zero”?

Anastasia foi o seu sucessor. E manteve viva a mesma retórica.

Tanto Aécio não zerou esta dívida, como ela só aumentou em função de obras faraônicas, controvertidas e absolutamente desnecessárias como a Cidade Administrativa – a nova sede do governo estadual -, que ele inaugurou em 2010.

O petista Fernando Pimentel, em 2014, quando assumiu o governo, herdou este e outros graves problemas e endividamentos de 12 anos de gestões tucanas.

Ele dispunha destes dados, mas errou feio ao poupar os adversários e não denunciar a terra arrasada que havia encontrado.

Pagou caro por isso, especialmente a partir do momento em que teve que enfrentar, como governador, toda a pressão do golpista Michel Temer, o novo ocupante do Palácio do Planalto, contra o PT, contra ele e sua família.

Até hoje Pimentel não explicou as razões pelas quais poupou os tucanos num episódio crucial como aquele.

Igualmente não explicou as razões pelas quais, antes disso, nos idos de 2008, fez uma estranha aliança com o próprio Aécio Neves, que acabou sendo das mais negativas para os petistas mineiros e para a política em Minas Gerais.

SEM REGISTRO

Talvez nem todos se lembrem, mas o PT comandou a Prefeitura de Belo Horizonte por 12 anos.

Primeiro com Patrus Ananias (1993-1996), depois com Célio de Castro (1997-2002) e, finalmente com o próprio Pimentel (2001-2009).

O balanço destas administrações era dos mais elogiados e não havia motivo para a agremiação deixar de ter candidato próprio nas eleições de 2008.

No entanto, não se sabe por qual razão, Pimentel acabou apoiando para seu sucessor um nome fora do PT e, pior ainda, um ex-secretário de Aécio Neves, o empresário e administrador Márcio Lacerda, filiado ao PSB.

Não há registro na história política brasileira – e talvez nem na mundial – de um partido, no auge do sucesso de suas administrações, abrir mão de lançar candidato próprio.

Mas foi exatamente o que aconteceu.

Graças à máquina da Prefeitura de Belo Horizonte e também aos tucanos encastelados no governo de Minas, Lacerda foi eleito e reeleito.

Antes mesmo de Temer e da turma da Operação Lava Jato dar início à criminalização do PT, da política e dos políticos, Lacerda fazia questão de se apresentar como “técnico”.

Foi neste momento que as propostas de Pimentel, já como governador, desandaram. Ele tinha um projeto importante para Minas Gerais, mas viu todas as portas sendo cerradas pelos golpistas.

O governo Temer simplesmente não aceitou qualquer renegociação das dívidas do Estado e se negou a repassar as verbas que Minas Gerais fazia jus. Pimentel entrou com ações nas instâncias legais, mas como essas são morosas, sua gestão terminou sem que tivessem chegado ao fim.

Zema se valeu do resultado positivo de muitas dessas ações.

Moral da história: em meio à crise que se abateu sobre o seu governo, Pimentel foi obrigado a atrasar o salário do funcionalismo público e, depois, a parcelar este pagamento.

AZARÃO E FAKE NEWS

Para um estado no qual o poder público e as mineradoras sempre foram os grandes empregadores, não é difícil imaginar o que isto significou.

Milhares de funcionários se viram desesperados. Estavam empregados, trabalhavam, mas não conseguiam pagar as contas em dia.

Na República Velha, na época do “Café com Leite”, atrasos de salários eram frequentes. Os anos 1950 colocaram fim a situações deste tipo. Governadores como Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro e quase todos os que vieram depois gozam de boa fama exatamente por conseguirem manter os salários do funcionalismo em dia.

A exceção foi Itamar Franco, que administrou Minas Gerais de 1999 a 2003. Ele também experimentou a oposição cerrada do então presidente da República, o tucano Fernando Henrique Cardoso.

Sabendo do desgaste, Itamar preferiu não disputar a reeleição.

Era quase óbvio que Pimentel não conseguiria se reeleger. Mas ele tentou. Já os tucanos ensaiaram a volta ao poder, de novo, com Anastasia.

Foi neste contexto e apoiado, na última hora pelas fake news de Bolsonaro, que Zema, um azarão, foi vitorioso em 2018.

Zema era um ilustre desconhecido no meio político. Até como empresário, estava distante ser visto com alguma relevância. Sua sorte, ou esperteza, foi ter percebido que o quadro favorecia Bolsonaro.

Em 2018, no último debate entre os candidatos a governador, Zema anunciou, meio como quem não quer nada, que apoiava Bolsonaro, mesmo sendo do Novo e seu partido possuindo candidato à presidência da República,

Nesses quase quatro anos de governo, Zema continua empregando a mesma tática.

No início do mandato, quando apostava no poder de Bolsonaro, se tornou bolsonarista de primeira hora.

Cerrou fileiras com as posturas negacionistas do ocupante do Palácio do Planalto e afirmou que era necessário que o coronavírus “viaje um pouco”, ao criticar os prefeitos que decretavam o fechamento do comércio em suas cidades.

Neste momento, Zema e Alexandre Kalil (PSD) então prefeito de Belo Horizonte, entraram em conflito. Kalil desde o início apostou na ciência e adotou todos os protocolos voltados para proteger a população.

Não foi apenas neste aspecto que Zema e Kalil entraram em choque.

ZEMA E AS MINERADORAS

Para dizer o mínimo, Zema é amigo das mineradoras que, a exemplo da Vale, estão destruindo Minas Gerais.

O passivo da Vale em relação aos crimes humanos e ambientais que praticou em Mariana (distrito de Bento Rodrigues) e em Brumadinho estão longe de serem equacionados, inclusive indenizações aos que perderam entes queridos ou tiveram casas arrasadas pela lama.

Zema, no entanto, fez uma série de parcerias com as mineradoras, em especial a Vale, e elas tem resultado em recursos que distribuiu para mais de 600 prefeitos.

Moral da história: esses prefeitos, que não imaginavam receber tais recursos, se tornaram seus apoiadores desde criancinhas.

Estas parcerias e a utilização destes recursos têm sido alvo de muita crítica por parte da oposição. Estão longe de serem transparentes, mas em termos de apoio eleitoral funcionam e muito.

Kalil, por sua vez, é contra a mineração predatória e tem criticado a gestão Zema neste aspecto, apontando interferência das mineradoras nos órgãos ambientais do Estado.

Diante deste quadro, era de se supor que a oposição em Minas estivesse fechada com a candidatura de Kalil. Afinal, ele representa o anti-Zema.

Mas não é bem assim.

Dentro do próprio PT, a candidatura de Kalil enfrenta problemas. Os seguidores de Pimentel praticamente abriram guerra contra ele, depois que Kalil disse que o PT tinha feito uma “gestão lamentável” no estado, referindo-se à sua administração de 2015 a 2018.

Conhecido por não ter papas na língua e por ser um tanto rude em suas colocações, a declaração de Kalil repercutiu negativamente entre os aliados. Ele, no entanto, fez questão de ressaltar que não cabe qualquer comparação entre os governos do Lula com outros governos do PT.

No enorme comício que a campanha de Lula realizou em Belo Horizonte, em 18 de agosto, quando reuniu mais de 100 mil pessoas na Praça da Estação, tradicional local de manifestações na capital mineira, estavam todos no palanque: Kalil, Pimentel, deputados federais e estaduais, lideranças do PT e de siglas aliadas.

Em discurso, Lula foi direto: “vim aqui para apoiar Kalil e a eleição dele é fundamental para Minas Gerais. Juntos, vamos voltar a cuidar do povo mineiro e brasileiro”.

ZEMA E OS TUCANOS

Lula sempre foi muito bem votado em Minas Gerais. Nesta eleição, não será diferente.

Seu apoio a Kalil ajudou o ex-prefeito a melhorar o desempenho nas pesquisas. Na mais recente, divulgada ontem (20/9) pelo IPEC, Zema aparece com 46% e Kalil com 29%.

A pontuação dos demais candidatos é baixíssima: Carlos Vianna, oficialmente o candidato de Bolsonaro, tem 4% e o tucano Marcus Pestana, 1%. Os demais postulantes quase não contam.

Quem leu este relato até aqui, deve estar se perguntando: mas os tucanos não eram os todo-poderosos em Minas Gerais?

Sim. Mas engana-se quem achar que Aécio apoia Marcus Pestana nestas eleições. Aécio está caladinho, aparentemente cuidando dos seus cabos eleitorais e da própria reeleição. Na prática, tem trabalhado intensamente pela reeleição de

Zema e para tentar levar a eleição presidencial para o segundo turno. Na administração Zema ele conseguiu empoleirar grande parte da turma que o apoia.

Dito de outra forma, esse fato explica a fraquíssima performance de Pestana, “cristianizado” pelos correligionários.

Outra confusão digna de registro diz respeito ao vice-governador Paulo Brant (PSDB). Preterido na composição da nova chapa por Zema, Brant se tornou candidato a vice-governador na chapa “puro sangue” de Marcus Pestana.

A situação não deixa de ser inédita, como inédita foi a reação do próprio Zema: exonerou todos os 26 funcionários do gabinete de Brant, encerrando, na prática, as atividades do seu vice.

Não há registro de truculência igual na política mineira, pelo menos nos tempos da República.

Ao contrário de se indignarem, os líderes tucanos fingiram de mortos. O que confirma o apoio que dão a Zema.

GRANDE DESAFIO

Se Lula parece a um passo de vencer no primeiro turno, o grande desafio para os petistas e aliados em Minas Gerais é conseguirem levar a eleição de governador para o segundo turno.

Foi com esse objetivo que Lula esteve em Montes Claros, principal cidade do Norte do estado na semana passada.

Lá, ao lado de Kalil, do candidato a vice-governador, André Quintão (PT) e das principais lideranças que integram a sua coligação em Minas, na Praça da Catedral superlotada por populares para vê-lo e ouvi-lo, fez questão de pedir votos e ressaltar a importância da vitória do ex-prefeito de Belo Horizonte.

Nesta sexta-feira, Lula estará de volta a Minas. Desta vez irá ao Vale do Aço, região de grande concentração operária e importante reduto do PT. Mais uma vez, sua missão será a de continuar alavancando a candidatura de Kalil para além da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Não há dúvida quanto ao poder de Lula, mas não se pode esperar milagres.

Há chances de ter segundo turno em Minas? Tecnicamente, sim. O número dos que ainda não se decidiram e os que dizem votar nulo ou em branco ainda é alto.

Tudo vai depender desta reta final de campanha.

Se os eleitores mineiros não perceberem o que Zema significa, como surfou na onda bolsonarista, como funciona como biombo para os tucanos e, principalmente, como tenta disfarçar seus erros e incompetências, de pouco adiantará o esforço de Lula, do PT e, claro, do próprio Kalil.

Em resumo:

  1. Zema anunciou voto em Bolsonaro, mesmo antes do seu partido de posicionar oficialmente.

2. Por conta dos negócios empresariais de corregelionários e de sua família, Zema defendeu o negacionismo de Bolsonaro, e disse que era necessário que o coronavírus “viaje um pouco”.

3. Mais no final do mandato, Zema até tentou um caminho independente, mas no fundo é um Bolsonaro.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação da UFMG.


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Comentários

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João de Paiva

Comentei este artigo ontem, mas o comentário não foi publicado até agora.

Zé Maria

Excerto

“Pena que a Memória
de muitos seja Curta
e a Mídia Mentirosa”…

.
Comentário

Talvez por essas duas verdades incontestáveis no Brasil que
ainda há dúvida se LULA vai ganhar no 1º Turno contra um
Adversário que nos Últimos Quatro Anos de Governo, como
Presidente da República, maltratou as Mulheres, os Indígenas,
os Negros, os Doentes, os Pobres, em geral, e o Meio Ambiente.
.

    Zé Maria

    .

    Le Monde Diplomatique Brasil

    “RACISMO AMBIENTAL”

    “Mulheres Negras e Pobres
    São as Mais Impactadas”

    Na TVT:

    https://youtu.be/wg5DfeDYXco?t=96

    .

Zé Maria

BolsoZema É CONTRA O LULA

João de Paiva

Por razões éticas e de ofício, a Professora Ângela Carrato não pode contar tudo o que sabe. A eleição do (enfi)Zema em 2018 é comparável à do Wilson (Ausch)Witzel no RJ e do tal Oriovisto para o enando, no PR, na mema farseca e fraudulenta eleição de 2018.

As inauditáveis urnas eletrônicas “Positivo e Operante”, sabidamente inauditáveis e sujeitas a fraudes, usadas no sistema eleitoral controlado de ponta a ponta pelas corjas militares golpistas, vira-latas, entreguistas, corruptas até a medula torturadoras e assassinas, explicam a eleição de nulidades políticas como as que mencionei.

Cláudio

O artigo me ajudou a entender um pouco da burrice dos mineiros votarem nesse Zema, lamentável.

Ibsen Marques.

Em resumo: há uma completa dissonância entre o discurso dos jornalistas quando dizem que sem jornalismo não há democracia e a prática que demonstra quão pernicioso à democracia é o jornalismo praticado pela grande mídia (e o que, por enquanto , realmente interfere no processo eleitoral). Não tenho conhecimento para generalizar, mas pelo menos em 1964 o jornalismo foi fundamental para o sucesso do golpe que nos privou da liberdade.

Mario Borges

Nesta oportunidade, peço desculpas ao blog por ter ocupado com comentários tantos posts.
Eu não parti dessa para melhor na minha última internação mais estou gravemente doente de câncer e acho que já fiz o que eu podia pelo meu país.
Nunca pensei que veria tanta destruição no Brasil e, sobretudo, o terrorismo nem em meus piores pesadelos.
Creio que já posso descansar em paz. Daí não vou incomodar mais. O importante é que mesmo doente eu lutei.

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