Maringoni: Os desafios diante da Venezuela e de Cuba

Tempo de leitura: 7 min

E agora?

“Black Blocs são importação tardia que servem à ‘direita’”

DIÁRIO DA MANHÃ

RENATO DIAS

Os Black Blocs são uma importação tardia de um fenômeno que surgiu na Alemanha, com o recuo das esquerdas, e que, hoje, no Brasil, servem à direita. Trocando em miúdos é o que afirma, com exclusividade ao Diário da Manhã, o jornalista, escritor, chargista e professor de Relações Internacionais, Gilberto Maringoni.Os Black Blocs não são anarquistas, descartam programas e constituem-se em arruaceiros, fuzila.

Há, hoje, um clima de criminalização dos movimentos sociais, crê. A direita brasileira busca endurecer a legislação para combater protestos, ocupações de terras e manifestações, tachando-as de “terroristas”, analisa, em tom de indignação. Crítico, avalia que o julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão) foi político. Membro do PSol, ele diz que não há evidência nenhuma de que os réus agissem como organização criminosa.

Especialista em Venezuela e Chavismo, Gilberto Maringoni vê sinais de golpe contra Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez. “Há uma tentativa de se criar um clima de caos, aproveitando-se de uma situação econômica difícil, gerando condições para um golpe de Estado. Há duas facções na oposição, como se pode ver pela mídia. Uma é seu setor mais duro, que teve papel ativo no golpe de Estado de 2002, liderada por Leopoldo López. A outra, que aceita o jogo democrático-institucional, tem em Henrique Capriles sua principal figura”, explica.

Perfil

Nome completo:  Gilberto Maringoni de Oliveira

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Idade: 55

Formação: Graduação em Arquitetura e doutorado em História Social, ambos pela USP

Livros publicados: Doze no tota: Angelo Agostini, A imprensa ilustrada da Corte à Capital Federal, 1864-1910 (Devir, 2011 – Finalista do Prêmio Jabuti em 2012), Direitos Humanos – Imagens do Brasil (Aori, 2010), Barão de Mauá, o empreendedor (Aori, 2007), A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez (Editora Fundação Perseu Abramo, 2004) e A imagem e o gesto – Fotobiografia de Carlos Marighella (Editora Fundação Perseu Abramo, 1999 – Finalista do Prêmio Jabuti em 2000).

O que anda lendo: O alfaiate de Ulm – Uma possível história do Partido Comunista Italiano, de Lucio Magri (Boitempo, 2014)

Como jornalista: realizou coberturas no Brasil, Bolívia, Chile, Cuba, Uruguai, Venezuela e Tailândia. Publicou quadrinhos no Brasil, Chile, Venezuela, França, Itália, Espanha e Portugal. Foi chargista do jornal O Estado de S. Paulo entre 1989 e 1996.

Confira a íntegra da entrevista

Diário da Manhã – Quem são os Black Blocs?

Gilberto Maringoni – Os Black Blocs são um fenômeno surgido na Alemanha, nos anos 1980, no bojo da perda de expressão institucional da esquerda. Ou seja, de recuo dos partidos tanto nos processos eleitorais, quanto nos movimentos sociais. Portanto, apareceram como sintoma do enfraquecimento das forças progressistas e não de uma ascensão de mobilizações. O que temos aqui no Brasil é uma importação tardia de algo que nada conseguiu propor ou expressar claramente nesses trinta anos, a não ser uma difusa indignação.

DM – O que eles querem?

Gilberto Maringoni – Eu não sei. Eles não têm porta-vozes, líderes ou organização. Alguns afirmam tratar-se de uma “tática”. É um contrassenso. Táticas – uma expressão surgida no meio militar – pressupõem estratégias bem delineadas. Uma não existe sem a outra. Logo, não é uma “tática”. Como não se organizam coletivamente, cada blackbloc tem um objetivo na cabeça. No máximo, esses objetivos são um orelhão, uma fachada de banco ou uma vitrine de loja. Alegam que são anarquistas. Não são. Embora eu ache o anarquismo algo superado há cem anos, eles tinham programa e passos bem delineados de intervenção na cena política. Os blackblocs não são nada disso. São arruaceiros.

DM – As manifestações não servem à direita?

Gilberto Maringoni – As manifestações dos Black Blocs, você quer dizer? Em boa parte dos casos, sim. Até porque não existe nenhum controle, por parte deles mesmos, de quem é Black Bloc ou não. Como todos estão com os rostos cobertos, você não sabe quem é manifestante e quem é policial. As provocações e quebra-quebras que cometem acabam provocando de forma artificial as forças repressivas. Agora, as manifestações de massa, amplas e com objetivos definidos são expressão legítima do descontentamento popular. É preciso separar movimentos sociais de provocadores ou baderneiros que volta e meia aparecem em seu interior.

DM – O que há por trás da criminalização do PSol e do PSTU?

Gilberto Maringoni – Como os dois partidos têm presença expressiva nas mobilizações dos últimos meses, o objetivo é criar um clima para criminalizar o próprio movimento popular. Há tempos, a direita brasileira busca endurecer a legislação para combater protestos, ocupações de terras e diversas manifestações, tachando-as de “terroristas”. Sabemos que a chamada guerra ao terror – deflagrada pelo governo George W. Bush a partir dos atentados de 2001 – tenta criar uma capa legal para investir contra quem quer que seja em qualquer situação. Os EUA impuseram legislações contra o terror em vários países do mundo. Agora, potencializados pelo clima da Copa, correntes conservadoras buscam fazer isso aqui no Brasil. O lamentável é que contam com apoio de setores do governo Dilma, como o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

DM – O que o senhor achou da decisão do STF de não considerar formação de quadrilha no caso do mensalão?

Gilberto Maringoni – Achei correta. Não há evidência nenhuma de que os réus agissem como organização criminosa. O STF toma decisões marcadamente políticas, fazendo interpretações da Constituição e das leis do País. O julgamento da AP 470 foi extremamente político, passando por cima até mesmo de normas e procedimentos jurídicos.

DM – O que há, hoje, na Venezuela?

Gilberto Maringoni – Há uma tentativa de se criar um clima de caos, aproveitando-se de uma situação econômica difícil, gerando condições para um golpe de Estado. Há duas facções na oposição, como se pode ver pela imprensa. Uma é seu setor mais duro, que teve papel ativo no golpe de Estado de 2002, liderada por Leopoldo López. A outra, que aceita o jogo democrático-institucional, tem em Henrique Capriles sua principal figura. Há problemas no governo. Mas os protestos – até aqui – são de setores de classe média. O desabastecimento toca especialmente os supermercados comerciais. Toda a extensa rede de mais de dez mil pontos de venda estatais – a rede Mercal, que vende produtos básicos – supre a população com produtos essenciais. Um sinal claro disso é que não há fome e nem saques a estabelecimentos comerciais por parte dos setores populares. Mas há problemas. A inflação anual de 56% gera instabilidades que devem ser combatidas. O presidente Maduro iniciou nesta semana uma rodada de diálogos com líderes do empresariado, da Igreja e da oposição, buscando um entendimento. Não podemos esquecer também que o país foi fortemente atingido pela crise internacional.

DM – Uma grave crise não bate à porta da economia de Nicolás Maduro?

Gilberto Maringoni – Sim. Mas é preciso localizar o foco da crise. Como em todo país periférico, a Venezuela sofre fortemente as conseqüências da crise de 2008-2009. Com isso, como em toda parte, quem tem um pouco de dinheiro busca segurança. Houve uma corrida ao dólar desde o segundo semestre de 2012, que provocou um forte movimento especulativo com a moeda norte-americana. O câmbio oficial é de 6,17 bolívares por dólar. No paralelo, o preço chega a quase 90 bolívares. Em uma economia que só exporta petróleo e importa tudo mais – alimentos, eletrodomésticos, produtos de limpeza, automóveis etc. -, a transmissão da variação cambial aos preços é imediata. Se não atacar diretamente a especulação com o câmbio, a crise não se resolve. Não é algo simples, pois os custos políticos podem ser altos. Envolvem elevar a taxa de juros e cortar alguns subsídios. Para isso é preciso um entendimento nacional e não uma medida administrativa. Mas é preciso que se diga que a economia de um país que tem as maiores reservas de petróleo do mundo tem boas perspectivas de recuperação no médio prazo. Ou seja, os problemas são conjunturais e imediatos, apesar de sérios

DM – O Chavismo esgotou-se?

Gilberto Maringoni – O grande engano da oposição foi não entender – já em 2002, ano do golpe – o que é o “chavismo”. Achavam estar diante de um fenômeno puramente eleitoreiro, liderado por um demagogo. Só após vários erros – entre eles o próprio golpe – perceberam estar diante de um fenômeno muito profundo na sociedade venezuelana e em sua estrutura de classes sociais. Diz respeito à demandas reprimidas de setores populares urbanos, que começaram a ser atendidos nesses quinze anos. Embora tenha em Hugo Chávez sua marca maior, o chavismo não depende mais da figura do líder. O chavismo teria se esgotado se as votações de Maduro e de seu partido tivessem sido pífias. O que sofre instabilidades é outra coisa, é o modelo de desenvolvimento baseado no petróleo. Para isso, não há solução no curto prazo.

DM – Em seu prefácio no livro O Homem que amava os cachorros (2013), Boitempo, de Leonardo Padura, o senhor diz que Leon Trotsky e o trotskismo eram uma sombra do que haviam sido e não ameaçavam o poder da URSS e de Josef Stálin. Qual é a do trotskismo, hoje?

Gilberto Maringoni – Trotsky empreendeu uma luta acirrada no interior do Partido Comunista da União Soviética e perdeu. Foi expulso da agremiação e do país. Se olharmos para a História, num exame acurado, vamos perceber que várias das posições de Trotsky eram equivocadas. Isso não justifica a perseguição e assassinato que o vitimou. Não foram tempos tranqüilos. Eram os anos da construção do Estado nacional russo – e depois soviético – em situação de extrema penúria e de isolamento internacional. Se formos estudar, podemos verificar que a construção dos Estados em cada país sempre se fez de forma brutal e violenta. Um dos exemplos mais gritantes é o dos EUA. Lá o processo se fez através de cinco anos de guerra civil, no século XIX, que levou à morte quase 800 mil soldados e um número incalculável de civis. Voltando a Trotsky, foi num quadro assim que se deu seu injustificável assassinato, em 1940. Hoje, o trotskysmo possui várias correntes em seu interior, com presença em diversos países. Na maioria deles, seu peso relativo é pequeno, embora tenha militantes valorosos e dedicados.

DM – Qual o futuro de Cuba?

Gilberto Maringoni – Não posso falar do futuro, mas das perspectivas. Cuba sobreviveu aos anos mais difíceis do neoliberalismo e à queda dos sistemas de corte soviético na Europa. Isso mostra que seu regime tem entre os cubanos ampla legitimidade popular. Não é possível explicar esse fenômeno alegando-se que se assenta sobre bases repressivas. Mas a economia da Ilha – pela própria posição que ocupa no mundo – não conseguiu avançar na industrialização. Há uma carência grande de capitais e crédito, em muito potencializada pelo bloqueio norte-americano. A tarefa imediata do governo local é obter o fim dessa limitação, para normalizar suas relações com os EUA. O grande desafio é aumentar seu intercâmbio com o mundo, sem perder as marcas distintivas de um país socialista, que garante saúde, educação e alimentação de qualidade à sua população, bem como um regime de pleno emprego. Cuba é um país pobre e sofreu com a queda da URSS e com a retração da economia venezuelana. Com esta última, tem diversos programas de cooperação. O desafio é grande.

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