Marcia Tiburi relembra em arte os bichos usados na tortura no Brasil, enquanto vê do exílio o valentão Daniel Silveira derreter na cadeia

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Da Redação

O mundo não dá voltas, capota, diz o ditado. Marcia Tiburi está há dois anos e meio afastada da família no Brasil e há um do marido, o juiz e autor Rubens Casara, que mora no Rio de Janeiro.

Agora vivendo em Paris, onde dá aulas em home office numa universidade local, Tiburi acompanha à distância o desmanche do Brasil e continua mantendo a promessa de não pisar aqui enquanto o país “não voltar a si”, como afirmou anteriormente.

É também uma questão de segurança pessoal. Desde que a filósofa, escritora, professora e artista plástica deixou um debate com o líder do MBL, Kim Kataguiri, numa emissora de rádio de Porto Alegre, em janeiro de 2018, alegando que não era de conversar “com pessoas indecentes, perigosas”, ela passou a ser alvo de milícias digitais e notou a presença física de possíveis agressores em lançamentos de livros e em sala de aula.

O mesmo ódio destilado contra a filósofa Marilena Chauí e a presidenta Dilma Rousseff voltou-se contra ela: mulheres que falam o que pensam e não pedem licença aos homens.

Em Paris, Marcia dedica-se a pintar animais que foram utilizados por torturadores no Brasil durante a ditadura militar (1964-1985): cobras, ratos e baratas.

De longe, assistiu ao “capotamento” de Wilson Witzel, que teve mais de 40% dos votos no primeiro turno das eleições para governador do Rio de Janeiro, em 2018 — Márcia, concorrendo pelo PT, obteve cerca de 6%.

Apesar de ter sido do elenco do Saia Justa, da GNT, que resultou no livro Olho de Vidro – a Televisão e o Estado de Exceção da Imagem, faz mais de vinte anos que não vê TV, mas reconhece a soberania de programas como o BBB no imaginário do brasileiro.

Seu livro Como conversar com um fascista, de 2015, deu muito o que falar, mas em retrospectiva se mostrou visionário.

A própria Márcia, três anos depois, na revista Cult, explicou o uso da palavra “fascista” no título:

“Fascista” é termo adequado para definir o representante de um discurso vazio de reflexão, mas cheio de preconceito e ódio, que assume diversas características estereotipadas. Alguém que, por exemplo, segue um líder destrutivo a pregar ódio, que se identifica com esse líder, alguém que não tem capacidade de amar, de ter compaixão pelo outro, além de ser incapaz de raciocínios complexos. Fascismo é, nesse livro, um padrão de pensamento caracterizado pela repetição de clichês e pelo esvaziamento da reflexão. O fascista é o sujeito ativo do mal banal, um ativista do mal cotidiano, aquele que distorce as falas alheias, que vive de fazer fake news, de fomentar o racismo e o machismo e se orgulha disso. Ele é um manipulador, alguém que se vê como uma coisa e pensa que os outros também são coisas e não pessoas humanas. Ele é um masoquista e sádico ao mesmo tempo. Seu comportamento também é estereotipado, ele é conservador por falta de raciocínio e cínico ao mesmo tempo.

Ela viu Ridículo Político, seu livro de 2017, ser amplamente confirmado nas urnas em 2018, pela eleição de Janaína Paschoal em São Paulo e Daniel Silveira, no Rio, dentre tantos outros.

Foi o que a levou a lançar Delírio do poder: Psicopoder e loucura coletiva na era da desinformação,  em 2019.

Em Como derrotar o turbotecnomachonazifascismo, a obra mais recente, a autora está interessada nos fenômenos subjacentes à política cotidiana, que podem explicar como Jair Bolsonaro ainda mantém o apoio de cerca de um terço do eleitorado.

Em nossa conversa, falamos sobre o exílio e sobre a visão que ela tem hoje do Brasil depois de 30 meses no Exterior.

Como se o Brasil sediasse uma nova Chernobyl — de onde a radiação foi levada para países vizinhos pelo vento — Marcia vê o Brasil com o potencial de produzir tantas variantes da covid-19 que uma intervenção externa não está absolutamente fora do campo de possibilidades.

“Eu espero que o governo caia”, diz ela quando questionada se o exílio é definitivo.

“O mal de quem é vitorioso é de achar que vai ser vitorioso para sempre”, afirma sobre Jair Bolsonaro. 

De fato, depois de se eleger, Bolsonaro conquistou apoio no Congresso, abafou o inquérito contra o filho Flávio, aquietou a Polícia Federal e a PGR e se manteve um candidato viável à reeleição, apesar de não ter produzido absolutamente nada no Planalto.

“A gente corre muitos riscos. Se o Bolsonaro não for parado, se o governo dele não parar, a destruição vai continuar. Nós estamos esperando um milagre, que um disco voador apareça… O que se espera? Que em 2022 [nas eleições] vai ser diferente. É uma corrida contra o tempo. Se o Brasil continuar se desenvolvendo como uma incubadora do vírus, eu acho que não é impossível que haja uma intervenção internacional”, prevê.

Daniel Silveira, o deputado federal bombado que quebrou a placa com o nome de Marielle Franco e mais recentemente ameaçou ministros do STF, hoje chora quase todos os dias, preso no Batalhão Especial Prisional da PM — segundo o colunista Guilherme Amado, da revista Época.

Márcia Tiburi não se surpreende: os valentões, assegura, na verdade são indivíduos muito frágeis, a não ser quando estão atuando na “psicopolítica”.


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