Eliara Santana: Uma vez apoiador de torturador, sempre apoiador de torturador

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Por Eliara Santana

A HOMENAGEM DO DEPUTADO AO TORTURADOR

Por Eliara Santana*

Neste 31 de março de memória dolorosa, eu quero lembrar de um episódio bem recente da nossa história que explica muita coisa.

Quero lembrar o dia 17 de abril de 2016, um domingo. Era a votação do impeachment da presidenta Dilma na Câmara, e o então deputado Jair Bolsonaro, ao proferir seu voto, disse: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim”.

Sem pudor nenhum, na Câmara dos Deputados, ele exaltou a memória de um torturador bruto e covarde.

Conhecido como “Dr. Tibiriçá”, Brilhante Ustra foi o primeiro militar condenado pela Justiça brasileira pela prática de tortura durante a ditadura.

Ele chefiou o DOI-CODI do II Exército, de 1970-1974, quando, comprovadamente, 50 presos ou presas políticas foram ali assassinados.

Era um dos idealizadores e principais organizadores da tortura. Dirigia, ordenava mortes, acompanhava pessoalmente os casos mais “difíceis”: eram famosos os “passeios”, quando levava torturados para ver cadáveres de torturados mortos, agredia mulheres grávidas e chegou a levar crianças de 4 e 5 anos para ver a mãe sendo torturada na cadeira de dragão.

A comissão de Justiça e Paz, coordenada pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, documentou 502 denúncias de torturas no período.

Depois de proferir o voto exaltando a memória de Ustra, Bolsonaro foi aplaudido, e não preso como deveria ter ocorrido. Dois anos depois, ele foi eleito presidente.

Chegamos a 2021. De repente, todos os que ignoraram a truculência do deputado em 2016 estão agora “surpresos” com a truculência, a desfaçatez, a ignorância, o deboche, o viés autoritário do presidente.

Como imaginar, não é mesmo, que alguém que declara amor a um torturador do naipe de Ustra pudesse ser assim tão sórdido?

Empresários, parte das Forças Armadas, alguns ministros, a imprensa, os apoiadores de vários grupos de WhatsApp, todos horrorizados e indignados, todos tão inocentes.

Só queriam um Brasil livre desses governos petistas horrorosos que tiraram 40 milhões da miséria e levaram o país a ser a sexta economia do mundo. E para isso, valia até apoiar um sórdido apoiador de torturador.

Todos cínicos. Porque agora – com 318 mil mortos por Covid (e subindo), pandemia sem controle, Brasil como exemplo péssimo para o mundo, economia em frangalhos – fica fácil apontar o dedo para Jair e querer pular fora do barco da insanidade.

Antes, ninguém conseguia enxergar que um cara que defende torturador e faz apologia à tortura não tem condição moral para ser presidente da República?

Ou estava tudo bem, uma vez que ele pegava uma arma e dizia, em comício, que ia acabar com todos os “vermelhos”?

Era apenas uma referência aos vermelhos, não tinha importância, não é mesmo?

Esses que agora se horrorizam e querem pular fora esperavam que, uma vez na presidência, Jair iria se tornar um estadista iluminista?

Pois é, uma vez apoiador de torturador, sempre apoiador de torturador.

E lembro tudo isso agora para que, quando o sol voltar a brilhar neste país que já foi feliz, nada seja esquecido, nada se repita.

*Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística pela PUC/MG

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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