Eliara Santana: Por que a mídia não escancara a CRISE ECONÔMICA no Brasil?

Tempo de leitura: 4 min
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Por Eliara Santana

Fotos: Sinergiasp-CUT, Elineudo Meira/Fotos Públicas, Nando Motta (twitter) e reprodução

Por que a mídia não pauta a CRISE ECONÔMICA no Brasil?

Por Eliara Santana*

Muitos leitores certamente vão me questionar: “Mas, Eliara, os jornais, as TVs, o rádio, todos os meios estão falando em inflação, em desemprego, em queda na renda do trabalhador… onde está o problema?”.

Sim, de fato, todos esses temas, isoladamente, estão a todo momento no noticiário. Afinal, o cenário é bem preocupante e assustador:

–De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada hoje pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), 77,7% das famílias brasileiras estão endividadas, ou seja, têm dívidas a vencer. E quase 29% das famílias estão inadimplentes, ou seja, têm dívidas ou contas em atraso.

Os dados batem novo recorde no mês de abril. É um cenário para além de preocupante – é um cenário perverso, muito perverso. Ninguém com dívidas em atraso dorme bem, come bem, vive bem, sai pra manifestação, pra encontrar os amigos, pra respirar, pra caminhar.

— Pelo terceiro ano consecutivo, desde 2019, o Brasil está de fora da lista de países em desenvolvimento convidados para a reunião de cúpula do G7, grupo dos países mais ricos do planeta. O evento será em junho.

E desde que tomou posse, Jair, o inc Bolsonaro é solenemente ignorado. Neste ano, estão convidados representantes de Índia, África do Sul (os dois integram o que costumava ser os BRICS), Indonésia e Senegal

– O cenário para o trabalhador brasileiro é o pior em décadas: quase 12 milhões de desempregados, queda de quase 9% na renda média (a menor registrada desde 2012), mais de 33 milhões de brasileiros vivendo com um salário mínimo ou menos por mês, inflação sem controle que assombra quem vai ao supermercado, ao sacolão, ao posto de gasolina. É um cenário de precarização absurda fruto de um (des)governo nefasto.

–19 milhões de brasileiros passam fome e 116 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

Mas, apesar de os temas estarem presentes no noticiário, mostrando de certo modo que há problemas, onde está, então, o versal “CRISE ECONÔMICA”? Onde está a chamada “CRISE ECONÔMICA” com estardalhaço nos telejornais?

E por que importa falar em CRISE ECONÔMICA se os assuntos já estão aparecendo aleatoriamente?

Porque a construção e a apresentação marcada de um conceito dimensionam a existência daquela questão, daquele acontecimento para quem não tem acesso ao real imediato – nomear um acontecimento é colocá-lo em cena, em pauta em todas suas dimensões, é dar uma roupagem a ele.

Falar em desemprego importa; falar em queda na renda importa; falar em inflação importa; falar em fome importa.

Mas falar em CRISE ECONÔMICA como um problema da conjuntura brasileira, com a reunião de todos esses problemas, é essencial para dimensionar para a opinião pública o real estado da economia do país, é essencial para mostrar que há um grande e grave problema e não apenas questões pulverizadas – pois tocar em pontos econômicos específicos de modo pulverizado não constrói a ideia de um conjunto danoso.

Tocar em pontos pulverivados, por mais que eles ganhem destaque em reportagens, não dá a dimensão da gravidade da conjuntura que o país vive – e não discutir a conjuntura pode ser nocivo demais para a sociedade.

Além do que, esses elementos pulverizados compõem um todo, dialogam entre si, estabelecem ligações e pontes – e formam um problema de política, um problema de governo, um problema de política econômica.

Então, a pergunta: por que a imprensa, de modo deliberado, silencia em relação à conjuntura CRISE ECONÔMICA?

Vejam vocês que, apesar de todos esses problemas pulverizados que são apontados, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não aparece na mídia – ele não dá entrevistas, não é ouvido, não é questionado, não é cobrado no sentido de mostrar soluções possíveis para um país que afunda. Nos governos petistas, por exemplo, os ministros da Economia eram ouvidos e questionados dia e noite, sobre todas as questões.

Por exemplo, no final do segundo governo Dilma, Guido Mantega à frente da Economia, quando o índice de desemprego era o menor da série histórica (4,8%) e havia aumento da renda média do trabalhador, que por isso conseguia fazer churrasco no domingo (vejam que luxo: era possível comer carne!), a ideia de “CRISE ECONÔMICA” já estava sendo posta pela mídia em reportagens, versais e chamadas, bastava qualquer pequena oscilação no índice de inflação e pronto, lá vinha a paulada.

Parece que, por ora, esse desejo da imprensa de escancarar a CRISE ECONÔMICA, como em outros tempos, está contido.

Isso talvez se explique pelo alinhamento completo da mídia corporativa brasileira aos ditames do neoliberalismo econômico – em linhas bem gerais: privatiza tudo, acaba com o Estado.

E também se explica porque o apoio a esse projeto neoliberal é o que sustentou o golpe contra Dilma Roussef e deu respaldo ao governo de Jair Bolsonaro – portanto, escancarar que o país vive um cenário de CRISE ECONÔMICA é admitir que a proposta neoliberal é péssima.

E então a população segue desinformada porque, mesmo com o aumento de reportagens mostrando inflação muito alta e desemprego, esses temas, além de pulverizados, aparecem sem um sujeito responsável.

Trocando em miúdos: as reportagens mostram uma faceta da inflação, que sobe porque sobe, o desemprego está alto por causa da pandemia, a renda caiu por causa da pandemia, o país afunda, mas não se sabe por que.

Ou seja, não há um sujeito responsável por esse estado de coisas, não há um responsável pelo afundamento da economia, até parece que não temos ministro há muito tempo.

É um jogo de causa e efeito que precisa ser escancarado para que as pessoas tenham a dimensão drástica do problema que vivemos – o efeito é a inflação, ou o desemprego; o que causa esses problemas?

O que o governo propõe ou não propõe?

Qual é a política econômica do governo Bolsonaro sob o comando de Paulo Guedes?

Aliás, onde está Wally, digo, Paulo Guedes??

Certamente, deve estar muito mais preocupado com sua offshore em paraíso fiscal (tema também devidamente ocultada pela mídia) do que com a economia brasileira, que vai mal, muito mal.

*Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística pela PUC/MG.

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Comentários

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marcio gaúcho

Não é necessário a mídia escancarar a inflação e a dolarização da economia, pois cada cidadão já se deu conta de que está perdendo o poder aquisitivo, mês a mês. Somente não enxerga quem é gado e pasta passivamente no verde tapete da ignorância. Esse Brasil só vai mudar, quando os seus cidadãos acordarem e derem um basta à exploração empresarial e política das suas vidas.

Marcos

Nossa. Era exatamente nisso que eu estava pensando a alguns dias. E não vi nenhum artigo que abordasse o tema dessa forma. A velha mídia não associa, em nenhum momento, o completo fracasso da política econômica do Bolsonaro à grave crise que estamos vivendo. Parece que a crise está sendo produzida por situações que não temos controle, que não podemos modificar. E aí cabe a cada um se virar. E passam reportagens de como economizar ao cozinhar, ao andar de carro. O resultado disso é que a velha mídia faz um discurso que só responsabiliza o indivíduo pela sua situação.

Nelson

A professora Eliara cobra que o povo brasileiro segue desinformado. Eu diria que não há qualquer novidade nisso, pois os exemplos, ao longo da história, de que a mídia hegemônica não tem qualquer compromisso com o povo brasileiro são abundantes demais.

Então, a não ser sobre futilidades, essa mídia nunca informou o povo de coisa alguma de real interesse do mesmo e vai seguir assim, não vai mudar. Por conta disso, cabe a nós, povão, exigirmos dos governos a criação de canais públicos de informação isenta, imparcial e irrestrita sobre todos os temas.

Nelson

Meu caro Zé Maria.

A meu ver, a razão real da crise não é a incompetência ou a má administração, que, certamente, existem. A razão real é o projeto. O projeto imposto à nação já a partir do momento em que a Dona Dilma assumiu seu segundo mandato, mas, principalmente a partir do golpe de Estado de abril de 2016, não poderia legar destino diferente ao país.

Nos governos do PT, um incipiente mercado interno passou a se formar no Brasil a partir da ampliação dos recursos destinados ao Bolsa Família e da recuperação do poder de compra do salário mínimo.

Pois, a “reforma” Trabalhista e o fim da política de reajustes maiores para o citado salário, somados à austeridade imposta pelo governo Dilma e intensificada nos governos Temer e Bolsonaro deram um tombo gigante na massa salarial que se tornou ainda mais grave com o grande aumento do desemprego.

Some-se a tudo isso, a política deliberada de favorecimento do grande capital – privatizações incluídas -, em detrimento do atendimento das necessidades da esmagadora maioria do povo e está completo o quadro do liberalismo exacerbado ou ultraliberalismo ou “Ponto para o Futuro”.

É por esses motivos que a mídia hegemônica e seus comentaristas se recusam a se utilizar do termo crise econômica. Como o caos que estamos vivendo é resultado óbvio do projeto imposto à nação, é preciso evitar o quanto possível que as pessoas enxerguem onde estão as causas do grande sufoco que passaram a vivenciar a partir do golpe de Estado.

Se e quando as pessoas se derem conta das causas, os donos do poder já querem estar com seu projeto enfiado inteiramente goela abaixo o povo de forma a que seja quase impossível uma “viagem de retorno”.

Zé Maria

Também é bom ressaltar que a “CRISE ECONÔMICA” no Brasil
é principalmente por Incompetência do desgoverno Bolsonaro,
não pelos fatores externos atribuídos pelo Grupo GAFE*.

O Aumento do valor dos Combustíveis é culpa do Governo Federal
que nomeia o Presidente da Petrobras que institui a Política de Preços
de Paridade de Importação que são atrelados à Cotação do Petróleo
em nível internacional e, portanto, ao Dólar.
E se existe importação dos Derivados de Petróleo (Gás, Diesel, Gasolina)
é porque o País deixou de refinar o Óleo Bruto produzido aqui mesmo.

Da mesma forma, a Política de Exportação Descontrolada de Grãos e
Carnes produzidos no Brasil, sem a devida Reserva de Estoque para o
o Consumo dos Brasileiros no Mercado Interno, é Culpa da Péssima
Gestão da Economia do País pelo desgoverno Guedes/Bolsonaro.

Para resumir, estes são apenas dois exemplos de Má Administração
que provoca essa Inflação Desmedida que provoca a Carestia que
prejudica gravemente as Pessoas Mais Pobres, causando Fome.
E além disso também está onerando a Classe Média Brasileira.
E o Banco Central aplica um Manual Neoliberal Ultrapassado,
aumentando a Taxa de Juros, diminuindo o Crédito, sabendo
que essa Inflação não é de Demanda. Depois o Presidente do
BACEN vem dizer na cara dura que está surpreso que os preços
não baixaram.

Portanto, pode-se afirmar, sem erro, que a causa da Miséria e da Fome
aqui no Brasil é causada pelos Maus Gestores do próprio desgoverno
e não é exagero dizer que o País vive uma GRAVE CRISE ECONÔMICA
gerada em Anos Consecutivos de Incompetência e Má-Fé.
.
.

    Zé Maria

    A Liberdade Absoluta no Ultra-Neoliberalismo

    Guedes, Bolsonaro, Agentes Midiáticos do Mercado, e
    comentaristas de Rádio e Televisão, e de Redes Sociais
    pregam diuturnamente uma Liberdade Suprema:

    “O Indivíduo deve ser Livre. O Mercado deve ser Livre.”
    “Nada de Regulação do Estado. Nada de ‘Esmola’ Social”
    “Você é Livre para Dormir na Lata de Lixo e Morrer de Fome”

    “De fato, o neoliberalismo é um sistema especialmente cruel.
    E aqui há um outro ponto: seja você de esquerda, comunista,
    socialista, anarquista, social-democrata, centro-esquerda, centro,
    direita, bolsonarista, fascista, nazista ninguém vai dizer:
    “eu sou contra a liberdade”, a priori todos são a favor da liberdade,
    estão lutando por liberdade…
    o Monark fala de liberdade, o Bolsonaro diz que defende a liberdade,
    mas, que tipo de liberdade a gente está falando?

    Os neoliberais, entre eles Hayek [Friedrich Hayek (1899-1992), Economista considerado o fundador do pensamento neoliberal],
    vão dizer que as pessoas tem de ser livre para, inclusive, morrer
    de fome.
    Hayek vai questionar: é melhor você morrer de fome em um país
    livre ou viver em um país com pleno emprego, mas com forte
    intervenção do Estado?
    Para Hayek, apesar da existência seguridade social, esse mundo
    é pior, pois você não é livre.

    A política também é a disputa pelo significado de alguns conceitos
    (liberdade, justiça etc.) e isso tem implicância direta na saúde mental.
    A forma como a gente sofre está ligada com a forma de vida da gente,
    ou seja, esse tipo de liberdade neoliberal, a filosofia deu nome para isso,
    a “liberdade negativa”, onde as pessoas acham que são livres para
    fazerem o que elas querem.
    Esse tipo de liberdade que circula provoca a esse diagnóstico,
    desde Hegel [Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), Filósofo
    Germânico referência literária na Teoria da Dialética]. Ele já tinha
    intuído isso no início do século XIX quando ele critica o liberalismo.

    Ou seja, ele já tinha intuído que esse ‘modelo de liberdade’, se
    generalizado, pode provocar pressões subjetivas que joga a pessoa
    numa espécie de incerteza completa. A pessoa não consegue falar
    sobre si, agir sobre si, pois ela não condições sociais para isso.
    Ou seja, nós somos seres sociais, precisamos de uma dinâmica social
    para que a gente realize as nossas potencialidades, realize as nossas
    capacidades; … fora que ninguém pode ter a sensação de bem-estar
    morrendo de fome.

    Se Hayek diz que as pessoas podem ser livres para passar fome,
    o mesmo não se dá para a saúde mental.
    Não dá para a pessoa ser feliz vendo o seu filho passando fome,
    sem a certeza de que amanhã vai ter comida na mesa da sua família.
    Isso produz sofrimento psíquico e um campo de ansiedade social
    gigantesco.

    Em um processo de desemprego enorme como nós estamos vivendo
    e você corta dinheiro do SUS, corta dinheiro da educação, do ensino
    superior, da pesquisa etc., as pessoas olham e se sentem desamparadas
    e esse desamparo potencializa essa sensação de incerteza que é típica
    desse modelo de ‘liberdade’ que o neoliberalismo produz.

    Nós temos que combater o neoliberalismo não somente na sua
    instância política e imediata, mas também em sua concepção ético-
    política, ou seja, combatê-lo naquilo que ele impõe como modelo de
    vida, modelo de amor etc.
    Mas derrotar o neoliberalismo não significa acabar com o sofrimento, mas significa colocá-lo em outro patamar de problema.”

    Heribaldo Maia
    Historiador e Pesquisador (UFPE)
    Autor de “Neoliberalismo e Sofrimento Psíquico” (Ruptura Editorial)
    Em Entrevista concedida à Revista Fórum: (https://t.co/46EQTrDK43)
    https://twitter.com/RevistaForum/status/1522646234619686916

    Íntegra:
    https://revistaforum.com.br/cultura/2022/5/6/sofrimento-foi-privatizado-diz-autor-de-livro-sobre-neoliberalismo-depresso-social-116008.html

    Zé Maria

    Na realidade, antes de tudo,
    essa “CRISE ECONÔMICA”
    é uma Questão Doutrinária.

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