Eliara Santana: O tiro certeiro no sistema de desinformação bolsonarista

Tempo de leitura: 4 min
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Por Eliara Santana

Fotos: STF, Agência Brasil e DW

Por Eliara Santana*

Na quinta-feira, 17 de março, o ministro Alexandre de Moraes, afirmando que o Telegram ignora a Justiça brasileira, atendeu a um pedido da Polícia Federal e ordenou a suspensão do aplicativo no país.

O ministro usou como argumento o descumprimento de decisões judiciais que determinavam o bloqueio de contas do blogueiro Allan dos Santos.

A decisão envolve controvérsias, pode dar margem a várias discussões sobre interferência na comunicação, na liberdade de expressão, sobre judicialização, enfim, há muitos aspectos.

No entanto, é preciso registrar: o Telegram não adotou medidas para combater a viralização de desinformação – isso é fato notório –; além do mais, não há representação do aplicativo no Brasil, ou seja, ele não está sob o mando da legislação brasileira. E sim, o aplicativo abre espaço sem controle não somente para desinformação, é bom dizer. Portanto, a medida do ministro tem caráter legal.

Dito isso, vamos voltar um pouquinho a algumas questões para entender a importância da medida e o significado dela.

A partir de 2020, grupos e canais políticos tiveram um aumento muito expressivo no Telegram.

De acordo com levantamento feito por um estudo da UFMG, coordenado pelo pesquisador Fabrício Benevenuto, 92,5% dos usuários da rede social que seguem temas políticos estão em canais bolsonaristas – o que totaliza quase um milhão e meio de seguidores.

A mesma pesquisa indica que o volume de mensagens nos grupos monitorados teve um aumento de mais de 500% entre 2020 e 2021.

Os grupos do Telegram podem ter até 200 mil membros – os do Whatsapp têm até 256 membros.

Os canais (com listas de transmissão) não têm limite de membros. O canal do presidente Bolsonaro, em junho de 2021, tinha mais de 700 mil membros.

A pesquisa da UFMG também relacionou os picos de mensagens a momentos políticos acirrados, geralmente de embate de Jair Bolsonaro ou do governo com as instituições.

Muito bem, produzir conteúdo para alimentar todos esses canais e disseminar desinformação com um alcance gigantesco não é coisa feita espontaneamente, por amadores, sem dinheiro.

É preciso estrutura, e para isso, é preciso muito dinheiro, ou seja, para ser efetiva, a estrutura de desinformação precisa ter financiamento – privado ou público ou ambos. Esse é um primeiro aspecto para entendermos a complexidade da decisão do ministro.

Em março de 2021, uma comitiva do governo federal, com 10 pessoas, foi até Israel para testar um spray contra Covid – cujos estudos eram bem preliminares.

O assunto nunca andou adiante e foi questionado – sem explicações – durante a CPI da Covid.

A comitiva, bancada por dinheiro público, não contribuiu para nada no tocante à doença. Mas houve encontros de membros do grupo com empresas responsáveis por equipamentos e esquemas de espionagem.

Em maio de 2021, o vereador Carlos Bolsonaro, articulador do gabinete do ódio, se envolveu numa disputa com o alto comando militar do país para comprar um programa de espionagem, o Pegasus, que possibilita o monitoramento de empresas e pessoas.

Em reportagem publicada no dia 17/01 deste ano, o jornalista Jamil Chade denunciou que o gabinete do ódio do governo Bolsonaro está interessado em uma poderosa tecnologia espiã desenvolvida por empresas de Israel.

De acordo com a matéria, um assessor ligado ao vereador Carlos Bolsonaro conversou com as empresas DarkMatter e Polus Tech.

Em fevereiro deste ano, Carluxo integrou a comitiva de Jair que foi à Rússia.

Até agora, a despeito do pedido de explicação por parte do ministro Alexandre de Moraes – atendendo a pedido do senador Randolfe Rodrigues –, o Planalto não deu qualquer explicação plausível para a ida de Carlos Bolsonaro na comitiva do pai.

No entanto, a viagem encheu o TSE de preocupações. Não é segredo que a estrutura de desinformação bolsonarista busca apoios de peso no mercado internacional – como Steve Bannon e os hackers russos, por exemplo.

Também não é segredo que Carluxo é o articulador e mantenedor do gabinete do ódio e responsável pela articulação das redes sociais bolsonaristas. Essas articulações são um segundo aspecto importante para entendermos os últimos passos do ministro Alexandre de Moraes.

Vamos ao terceiro aspecto: Allan dos Santos.

O blogueiro, um dos grandes articuladores da extrema-direita bolsonarista está foragido nos EUA.

De lá, livre, leve e solto, ele tem produzido muitos e muitos vídeos criticando pesadamente o ministro Alexandre de Moraes e disseminando fake news.

O blogueiro migrou para o Telegram e segue fazendo vários ataques às instituições – ou seja, ele permanece alimentando a máquina de fake news bolsonarista.

E essa máquina, não se enganem, é responsável pelo fato de Jair Bolsonaro – com mais de 650 mil mortos pela pandemia, desemprego em alta, pessoas comendo pé de galinha, milhares de pessoas morando nas ruas, queda na renda, PIB negativo – estar com praticamente 30% de intenções de voto, segundo as últimas pesquisas.

Muito bem, todos esses aspectos e fatos relacionados se juntam para explicar a decisão do ministro Alexandre de Moraes em relação ao Telegram – na quinta, dia 17/03, o ministro proibiu a rede social no Brasil, decisão que foi revogada depois de o aplicativo dar algumas explicações e retirar de circulação um vídeo de Jair Bolsonaro atacando as urnas eletrônicas.

Pela primeira vez, vejo uma ação mais efetiva de combate à desinformação. Uma ação certeira de Alexandre de Moraes, que assume o TSE em agosto.

A ação não mirou pessoas, nem plataformas somente, mirou um sistema de desinformação; o ministro parece compreender de fato o que significa esse sistema, como ele está estruturado (o ecossistema de que já falei aqui algumas vezes) e o impacto desse funcionamento para a democracia de um modo geral, não apenas para as eleições.

Claro que a medida não resolve o problema, que é gigantesco; claro que a medida é controversa e pode suscitar questionamentos, mas a ação do ministro indica um caminho que será seguido e, sobretudo, indica que Alexandre de Moraes sabe onde está o problema.

E ele se localiza na montagem estruturada desse sistema de desinformação bolsonarista, dessa rede, que se intensifica a partir de 2018 – um sistema estruturado que conta com um grande financiamento.

Uma rede que não é amadora, que tem várias pontas e articulações, que tem propósitos e uma capilaridade impressionante.

Uma rede estruturada de desinformação que determinou os rumos da eleição de 2018 – inventando e disseminando, por exemplo, a a ideia de um kit gay.

Claro que essa rede teve também o apoio de um ex-juiz que estava de olho em ministério e indicação para vaga no Supremo e também de estruturas da mídia tradicional. Portanto, uma rede poderosa

É um sistema poderoso e perigosíssimo, que impacta vários aspectos da vida nacional, não apenas nos processos eleitorais – vejam que o Brasil tem hoje a pior cobertura vacinal no país, pais estão deixando de vacinar os filhos; pessoas durante a pandemia acreditaram que remédio para verme e piolho era capaz de combater o coronavírus.

É um sistema poderoso e estruturado que se alicerça em crenças, pauta moral e medos, que tem financiamento pesado, inclusive oficial, e um poder incrível de disseminação. Por tudo isso, só tenho a celebrar a decisão de Alexandre de Moraes.

*Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística pela PUC/MG

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Comentários

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Zé Maria

Será que os Patifes da Lava-Jato Comandados por Moro
migraram do WhatsApp/Facebook/Meta para o Telegram?

    Zé Maria

    Os Parceiros do Moro na Ajufe, tão Parciais/Suspeitos quanto ele,
    estão catando qualquer coisa que possa ser chamada de Denúncia
    para criar Factoides na Mídia Venal contra os Adversários.

    Zé Maria

    Aliás, essa Quadrilha continua atuando nos Subterrâneos,
    se não pelo Telegram, é pelo WhatsApp/Facebook/Meta.
    Preparem-se para a Enxurrada de Acusações na Imprensa.

    Zé Maria

    É impressionante como a Mídia Venal está tentando melar
    as Candidaturas e Coligações da Esquerda nos Estados,
    fazendo Intrigas entre Partidos Políticos e Candidatos.

    A Globo e a Mídia FasciPaulista só estão aguardando o ‘Timing’
    para disparar a Metralhadora da “Difamação Eleitoral
    (Artigo 325 do Código Eleitoral)*, crime correlato ao
    tipificado no art. 139 do Código Penal **, consistente em
    “difamar alguém na propaganda eleitoral, ou visando
    a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à reputação”:

    *Código Eleitoral (Lei nº 4.737 /1965)
    PARTE QUINTA
    TÍTULO IV
    DISPOSIÇÕES PENAIS
    CAPÍTULO II
    DOS CRIMES ELEITORAIS

    Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

    Pena – detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.

    Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

    (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm)

    ** Código Penal (Decreto-Lei Nº 2848/1940)
    PARTE ESPECIAL
    TÍTULO I
    DOS CRIMES CONTRA A PESSOA
    CAPÍTULO V
    DOS CRIMES CONTRA A HONRA

    Difamação
    Art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo
    à sua reputação:
    Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
    Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite
    se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao
    exercício de suas funções.

    https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1225916

    Constituição Federal de 1988
    TÍTULO II
    Dos Direitos e Garantias Fundamentais
    CAPÍTULO I
    DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

    Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza …

    LVII – Ninguém será considerado culpado
    até o trânsito em julgado de sentença penal
    condenatória …

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

Riaj Otim

todo mundo sabe que se pudesse usar livremente o telegram, o mito se elegeria com mais de 200% dos votos . sem isso, acho que por que não haverá mais eleição e o mito vira presidente perpétuo

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