Eliara Santana: JN manda recados a Bolsonaro; Guedes coloca impeachment na pauta

Tempo de leitura: 6 min
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Por Eliara Santana

Fotos: Agência Brasil e reprodução de vídeo

BOLETIM DO JN 11-08

por Eliara Santana*, em sua página em rede social

A edição de hoje traz elementos super interessantes para pensarmos já as articulações para um pós-pandemia e as eleições de 2022. Vou, portanto, centrar meus comentários nessas questões mais relevantes e colocar a grade para vocês.

A grande novidade, a vacina russa, teve o tratamento esperado no JN – aquela velha tendência a já menosprezar tudo o que não é ocidental.

Mas creio que a reportagem buscou esclarecer alguns elementos relativos à questão da vacina (testes, estudos, métodos etc.), ainda que o viés tenha sido o de já “adiantar” uma ineficácia da vacina.

A chamada para a reportagem já enuncia o que deve ser observado: “Rússia é o primeiro país do mundo a aprovar vacina contra Covid-19 debaixo de uma desconfiança enorme da comunidade científica internacional. O anúncio foi feito pelo presidente Vladmir Putin menos de dois meses depois do início dos testes clínicos”.

A reportagem mostrou a pesquisa e os problemas da vacina pela voz de muitos especialistas, de diversas entidades, como a Fiocruz, que chamaram atenção para a não publicação de artigos para averiguar a eficiência da vacina.

Foi uma fala bem equilibrada a de Julio Croda.

Também foi enfatizada a postura da OMS de exigir todos os protocolos e a falta de publicações sobre estudos realizados.

Obviamente, não foram ouvidos especialistas para explicar melhor os caminhos da vacina russa.

E obviamente também a reportagem destacou que as autoridades russas compararam a corrida pela vacina à corrida espacial na Guerra Fria (e a vacina tem o provocativo nome de Sputnik V rsrs) , além da “indignação” estampada pela revista Nature sobre a segurança da vacina.

O assunto vacina – em três matérias – teve 9 minutos no primeiro bloco, além da vacina russa, muito destaque também para os outras vacinas que estão sendo testadas.

Esse assunto deve render bastante, com várias nuances. Portanto, quero centrar nos dois pontos que achei mais relevantes na noite:

GUEDES COLOCA IMPEACHMENT NA AGENDA

O segundo bloco do jornal jogou foco sobre a questão da economia para dar toda evidência à propalada necessidade de reformas para “salvar o país”.

E evidenciou a completa nulidade da política econômica do governo Bolsonaro, deixando às claras também que o poder econômico que ajudou a eleger e mantém até aqui o (des)governo está ficando de cabelo em pé, pois o que ficou bem claro é que a incompetência de Guedes et caterva é tão grande que nem as privatizações prometidas conseguiram entregar.

Some-se a isso a devastação da Amazônia, que trará retaliações muito significativas para o agro é pop.

Mas a cereja do bolo foi: dando recado em nome do poder econômico, o ministro da Economia colocou o impeachment de Jair na pauta. E o desenrolar da edição, com a matéria do 4º bloco, mostrou bem isso.

A matéria chamou para os pedidos de demissão de dois secretários da Economia – Salim Mattar (secretário da Desestatização, alegando que as privatizações pretendidas não vão sair) e Paulo Uebel (de Reforma Administrativa, insatisfeito com a proposta do governo).

Paulo Guedes escancarou o cenário ao anunciar a saída dos secretários, mas disse que a resposta será “avançar com as reformas”.

Mas o que ficou cada vez mais claro é que ele não manda em nada e que Bolsonaro manda cada vez mais.

Na abertura, Bonner anunciou as “baixas” e disse que, desde o ano passado, seis integrantes deixaram a equipe, destacando que Guedes falou em “debandada” do governo. A matéria deixou um grande espaço para o ministro dar seu recado.

Segundo Guedes,

“se o presidente da Republica quiser mandar alguma reforma, ela é mandada, se não quiser, ela não é mandada. Quem manda não é o ministro, quem manda não são os secretários. E o secretário, quando o negócio não estiver andando, ele pode desistir ou ele pode insistir.

Então, é simplesmente isso que aconteceu. Então, se você fala assim: houve uma debandada? Hoje houve”.

OBS 1: Salim Mattar é o dono da Localiza e ligado a Rubens Menin, dono da MRV, empresário do ano, que também comanda a CNN Brasil (isso explica o love vergonhoso com Bolsonaro no noticiário), formam a dupla forte do empresariado de Minas.

Mattar entrou com Guedes pra privatizar tudo. Como disse ontem a GloboNews, não conseguiu privatizar nem o terreno do lado do Planalto rsrs.

Salim era ligado ao Partido Novo. E os dois – Mattar e Menin – eram os empresários expressivos em Minas, estado essencial para se dominar o processo político do país.

Embarcaram na vibe do Posto Ipiranga achando – como as Organizações Globo achavam – que tava tudo dominado e que Paulo Guedes mandaria em tudo.

A casa caiu. Debandaram. E a debandada deles diz muito…

Voltando à matéria, segundo Renata,

“o ministro defendeu responsabilidade fiscal nos gastos. E sem citar nomes, afirmou que auxiliares que aconselham o presidente a furar a regra do teto de gastos estão levando o presidente para uma zona de impeachment”.

Tchan! Cenário desenhado. Colocado em pauta.

Entra Guedes, de novo:

“Estamos com dificuldade, estamos sofrendo, estamos sendo atingidos, tragicamente, mas estamos travessando essa onda. E as linhas vitais da economia brasileira estão funcionando. As pessoas não estão só com dinheiro na mão e as prateleiras vazias.

Não, as prateleiras estão cheias, o sistema produtivo está funcionando. Então, nós temos de trabalhar para que continue assim. Se nós tentarmos, no ano seguinte a esse ano, que foi excepcional, seguirmos com esse padrão de gastos, nós vamos para o caos.

E os conselheiros do presidente, que estão aconselhando a pular a cerca e a furar teto, vão levar o presidente para uma zona de incerteza, para uma zona sombria, para uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal. E o presidente sabe disso. Então, o presidente tem nos apoiado”.

Não é bem o que parece…

Na sequência, em consonância com a fala de Guedes sobre o desempenho da economia brasileira (bem direcionada a alguns setores), como a fechar um bloco de poder, matéria seguinte mostrou a pujança do agronegócio brasileiro, que não vê crise, está exportando e investindo. Matéria de 3 minutos sobre recorde na safra de grãos mostrou um outro país…

OBS 2: Acho que o poder econômico que ajudou a eleger e manteve Bolsonaro está de cabelo em pé não apenas por causa da desastrosa gestão da economia.

Acho que já farejaram que Bolsonaro não é controlável, que não será marionete do establishment, que ele está caindo nos braços do Centrão, que aparelha o governo sem o menor pudor e que já se arma para disputar 2022, usando e abusando da expansão do teto de gastos. Já farejaram que Jair vai ampliar a distribuição de esmola loucamente, sem pudor.

Bolsonaro está passando o tapetão em todo mundo.

Pensaram, ao bancar o golpe e a eleição em seguida, que alguém tosco seria absolutamente controlável. Erraram. Feio. Bolsonaro, eu já disse aqui mais de uma vez, não é controlável. Nem idiota.

E talvez tenham sacado também que um segundo mandato de alguém como Jair, então empoderado e sem amarras para futura eleição, pode ser um estrondoso e completo desastre.

Por isso, os recados a ele, Jair, retornam com força no Aparelho Ideológico JN – primeiro, com a matéria sobre reunião de Bolsonaro com representantes de sete países que integram a Amazônia em que ele diz que a região é criticada de forma injusta por causa do interesse econômico de outros países.

Ou seja, ele sinaliza que não vai deter o desastre na Amazônia, o que é mortal para o Brasil.

Mas a matéria mais interessante do ponto de vista de dar recados é a que abre o 3º Bloco.

O HÁBITO DA FAMÍLIA

Cinco minutos para mostrar que usar dinheiro vivo é “um hábito” da família Bolsonaro.

Na abertura, Renata anuncia:

“A mulher do então deputado jair Bolsonaro, Rogéria Bolsonaro, usou dinheiro vivo para ampliar o patrimônio da família quando era vereadora no Rio. Não foi a única vez que a família fez transações com um volume grande de dinheiro em espécie”.

Entra a reportagem, ilustrada por muita grana sendo contada:

“Pagamento em dinheiro vivo. Não parece só uma preferência ocasional. É um hábito que atravessa duas gerações na família Bolsonaro”.

E aí acontece uma recapitulação maravilhosa, ano a ano, mostrando o “hábito” da família de pagar tudo em dinheiro. Muito dinheiro.

22/01/1996 – reportagem mostrou que Rogéria Bolsonaro, ex-mulher de Jair e mae de Carlos, Flávio e Eduardo, comprou um apartamento na Zona Norte do Rio por 95 mil reais, equivalente hoje a 621 mil, o documento registra que o pagamento de 95 mil foi recebido integralmente no ato, através de moeda corrente devidamente conferida, contada e acabada certa e examinada.

Segundo a reportagem, que mostrou imagem do documento, essa expressão, segundo tabeliães ouvidos, se refere a dinheiro vivo.

5/12/ 2008 – o MP diz que o filho do casal, Flávio, usou 86 mil reais em dinheiro vivo para comprar 12 salas comerciais. A reportagem mostrou as explicações de Flávio.

Novembro/2012 – o MP afirma que Flavio Bolsonaro e a mulher, Fernanda, compraram dois imóveis em Copacabana que somam 300 mil reais.

Os promotores descobriram que Flavio transferiu o valor para duas contas dos venderores.

Mas também descobriu que os vendedores receberam, nesse mesmo dia, mais dois depósitos em dinheiro vivo no valor total de 638 mil reais.

O que significa que foram feitos pagamentos “por fora” pelo então deputado.

1/10/2018 – Fotos mostram o ex-assessor de Flávio, Fabricio Queiroz, na boca do caixa de uma agência na Assembleia.

Queiroz é acusado de ser o arrecadador de valores desviados da Alerj.

O MP diz que Queiroz levava um maço de dinheiro para pagar dois boletos das escolas das filhas de Flávio.

E não foi a única vez que a mensalidade foi paga com dinheiro que não veio dos pais – foram 53 boletos pagos em dinheiro vivo.

O MP suspeita que Flavio usou a loja de chocolates que tem no shopping para lavar dinheiro.

Ou seja, a matéria foi recuperando esse “habito” da família Bolsonaro de forma muito precisa e detalhada.

Um super recado dado a Jair. Vamos ver como tudo vai se desenrolar. Estão tentando mostrar que sabem tudo o que família fez no verão passado e que poderão usar isso contra a autonomia do presidente.

Mas Jair tem a máquina e a grana para gastar e incrementar a fabrica não desativada de fake news…

Link para a matéria: https://globoplay.globo.com/v/8769741/programa/

*Eliara Santana é jornalista e doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Comentários

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Zé Maria

https://twitter.com/i/status/1294466288862076928
Os Herdeiros Bilionários do Roberto Marinho estão sentindo na própria pele
os efeitos do vazamento de uma Delação “Premiada” no Âmbito da Lava-Jato.
https://noticias.r7.com/brasil/doleiro-dos-doleiros-diz-que-entregava-dolares-a-familia-marinho-14082020

Zé Maria

Jair Bolsonaro foi enquadrado por Maia, Guedes, Mourão e a Mídia Venal Neoliberal.
Mas depois da última enquete Datafolha, vai pular o Cercadinho onde foi encerrado.

Flávio

Bolsonaro não e um político ingenuo como a Dilma que achou que podia peitar o Obama e por isso caiu. Bozo e um ex militar. Militar só cai atirando.
Essa tentativa de por cabresto e arreios no Bolsonaro e bem perigosa. Pode ter o efeito completamente contrário e exearcebar o autoritarismo dos milicos.
O Guedes não passa de um pau mandado do mercado.
Bolsonaro não e honesto como a Dilma.

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