Eliara Santana: Bolsonaro precisa manter o discurso bélico para segurar a base de apoio

Tempo de leitura: 4 min
Array

Por Eliara Santana

Reprodução de redes sociais

por Eliara Santana*

A aparente falta de nexo dos discursos do presidente, de seu filho 02 e de dois ministros, na queda de braço com o presidente francês Emmanuel Macron, tem, para além do completo desprezo pela costura da política externa, um posicionamento  marcado na manutenção da base popular (que ainda existe) do Bolsonarismo pela fomentação do clima bélico e pela criação de um sentimento de nacionalismo (forjado, por suposto) .

Existe uma massa a ser cultivada, e ela é, em linhas gerais, religiosa, moralista, defensora da família tradicional e bastante conservadora.

Como ressalta o linguista George Lakoff em relação à  hierarquia do pensamento conservador, o desenho que se tem é: Deus acima do homem, o homem acima da natureza, o disciplinado (forte) acima do indisciplinado (fraco), o rico acima do pobre, empregadores acima dos empregados, adultos acima das crianças, cultura ocidental acima de outras culturas, homens acima das mulheres, cristãos acima dos não cristão, héteros acima de gays.

Essas formações centrais marcam o discurso de Bolsonaro e de seus ministros, que reverberam para seus seguidores, com os elementos simbólicos ganhando tônus na disputa agora com o presidente francês na questão da Amazônia.

Algumas das falas dessa semana, expostas nas redes sociais, trazem elementos bem emblemáticos que sintetizam um conjunto:

Weintraub (ministro da Educação):

“Os franceses elegeram esse Macron, porém, nós já elegemos Le Ladrón, que hoje está enjauladon…   Ferro no cretino do Macron, não nos franceses”.

O ministro marca o campo do irado debochado, que ri na cara dos adversários e usa expressões grosseiras e aparentemente engraçadas para mobilizar os seguidores.

Bolsonaro marca o campo do tiozão piadista, machista e misógino, que acha engraçadas as piadas sexistas.

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores:

“Está introduzindo racionalidade nos debates sobre o meio ambiente e sobre o clima, protegendo o ambiente
com soberania e sem histeria. Está governando o Brasil para os brasileiros, sem pedir permissão às ONGs ou aos controladores do politicamente correto”.

O ministro das Relações Exteriores é mais contundente e marca o campo do beligerante pronto para a batalha, marcando a suposta soberania.

Ressalta a “liderança” de Bolsonaro (“está introduzindo racionalidade nos debates”) e aponta os inimigos a combater (“sem pedir permissão às ONGs ou aos controladores do politicamente correto”). Marca claramente os campos de disputa.

Eduardo Bolsonaro, deputado federal, candidato a embaixador nos EUA:

“Temos queimadas? Temos queimadas, óbvio. Ninguém está virando a cara para isso. Agora, querer fazer fake news e exagerar isso para ter ganhos políticos, acho que o termo molecagem ficou até barato”.

O filho que pretende ser embaixador expõe a disputa com o presidente francês e o coloca como um moleque, portanto, alguém a quem não se deve dar ouvidos.

O conjunto das falas ditas ao longo da semana – essas são apenas algumas pinceladas, há muitas outras – resgata, sem dúvida, elementos simbólicos que estão presentes na formação discursiva desses sujeitos que constituem o público-eleitor de Bolsonaro: a força do machão que enfrenta todos e não leva desaforo pra casa (enfrenta o presidente da França, enfrenta a Globo), a virilidade do machão que trata a mulher como objeto e faz piadas, a força do nacionalista que defende a Pátria do estrangeiro (e aí não importa muito como esse “estrangeiro” se configura), o moralista que aponta os ladrões, a superioridade do produtor, gerador de renda (em contraposição às ONGs, por exemplo).

O discurso trata da mobilização de certas ideias orientadoras, certas ideias-força, como pontua o linguista francês Dominique Maingueneau, que sintetizam um conjunto de crenças e valores e são orientadoras no sentido de produzir estruturas mobilizadoras para alimentar a base de seguidores de determinado grupo.

Em relação a esse momento de Bolsonaro e seu governo, retomando as ideias-força, temos dois conjuntos norteadores:

1.Enfrentamento do inimigo: esse clima bélico é necessário à sustentação de um presidente/governo fraco, cada vez mais dependente de bons resultados na economia que não vão chegar.

É dessa forma bélica que Bolsonaro responde às críticas, mesmo de seus até então apoiadores, como parte da mídia corporativa. Ele parte para o ataque e se posiciona no campo como um soldado pronto para a batalha. Faz “bonito” para a plateia, sem dúvida.

2.Defesa de soberania: diante da catástrofe que representa a queima da floresta amazônica, problema claramente derivado da inépcia do governo em combater as queimadas e do incentivo tático dado aos ruralistas, é necessário um elemento aglutinador, que não deixe a queimada ser identificada como fruto de irresponsabilidade.

E esse motivo é a pretensa defesa de uma soberania do Brasil contra os interesses de potências estrangeiras (a França).

Parte da sociedade brasileira tem sim uma visão de mundo moralista, conservadora, de certa forma machista e que acha que a discussão sobre meio ambiente “é coisa de viado”, sem contar os defensores ardorosos do latifúndio e do desmatamento, que querem ver ONGs à distância e índios também.

Esse público espera que uma figura de poder resolva os problemas e não está de fato muito interessado em relações diplomáticas. Precisa, portanto, ser alimentado em sua ira.

E para se manter em cena,  num momento em que o país está em recessão técnica, Bolsonaro precisa manter esse discurso agregador da base (embora seja um discurso que também desagrega e desagrada em outros segmentos).

Então, o presidente encarna a figura do macho personalista fortão, e a base de apoiadores prontamente responde, exalta o “mito” e chama o presidente francês de “frutinha”. Nos comentários em vários perfis de apoiadores, vê-se de modo bem claro que o discurso é efetivo, muito embora também desagrade aos que votaram nele mas não se identificam totalmente com o conjunto de valores.

É uma postura deliberada de ataque, mais do antes, e Bolsonaro pode manter esse ritmo daqui pra frente.

Após as eleições e bem no começo de seu governo, a estratégia era usar frases de efeito e aparentemente sem sentido lógico para desviar a atenção de questões sérias do país e da falta de propostas.

Agora, a aposta é a exacerbação do tom bélico e do enfrentamento – contra tudo e todos.

Collor, quando sentia que seu governo estava fazendo água, partiu para o ataque frontal, sem escolher muito nem o inimigo.

Bolsonaro pode estar nesse caminho, num endurecimento muito mais acirrado do jogo. A ver…

*Eliara Santana é jornalista e doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes.

Array

Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Bel

Um presidente pode citar nome tipo fazendo propaganda de marca de caneta? Por que as blogueiras não podem citar nomes de marcas famosas de produtos?

Deixe seu comentário

Leia também