Pedro Carrano: Fora do contexto, luta dos sem terra é só “confronto” e “invasão”

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Foto de Joka Madruga

Caso de Quedas do Iguaçu expõe falência de modelo de jornalismo

Assassinato de dois sem-terra no interior do Paraná, na ótica do monopólio e de grupos locais da mídia, limita-se a um caso de ‘versão dos fatos’ e não de conflito por questões sociais; algo novo tem que ser feito. 

Por Pedro Carrano*, na Maria Frô

10/04/2016

Tornou-se algo cômodo nas universidades e no cotidiano da profissão do jornalista o princípio de que é preciso ouvir as duas partes envolvidas em uma situação de conflito, como uma garantia de credibilidade para a produção jornalística.

O problema é que em situações da luta popular – no campo e na cidade – essa cartilha é jogada no lixo, quando fica evidente o espaço nenhum, ou então o espaço da caricatura, dado aos movimentos populares.

Até mesmo quando profissionais com mais credibilidade buscam apresentar “as duas versões” do fato, essa técnica torna-se insuficiente para entender a dinâmica social, frente à falta de conhecimento e inserção na realidade por parte dos jornalistas, ao preconceito, à linha editorial da empresa de comunicação, aos interesses econômicos de anunciantes e políticos.

O assassinato de dois sem-terra e o ferimento de outros, na ocupação Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu, é o auge de uma situação de luta popular que surge na mídia em situações extremas, apresentadas sempre como se os sem-terra fossem os agentes da provocação.

E a abordagem desconsidera que o contexto da região é marcado por assassinatos desde a década de 90, por contratação de jagunços (pistoleiros ou milícias armadas, como se queira chamar) por parte da madeireira Araupel, antiga Giacometi Marodin.

Em 1997, por exemplo, os agricultores Wanderlei das Neves, 16 anos, e José Alves dos Santos, 34 anos, foram assassinados em Rio Bonito do Iguaçu, na região.

Em júri feito finalmente no ano de 2010, os acusados, seguranças da Araupel, admitiram que usavam armas e tinha passagem por empresas privadas e órgãos de segurança.

Dois níveis de desinformação

No caso dos ataques ocorridos no entorno do acampamento, no dia 7, jornais locais difundiram imediatamente a versão da Secretaria Estadual de Segurança (Sesp), segundo a qual a emboscada teria partido na realidade dos ocupantes da área.

Estava dada a senha para a repercussão nos demais veículos nacionais e estaduais: a ação teria partido do MST, e qualquer argumentação contrária não teria mais o mesmo peso do argumento da secretaria.

Dentro do contexto nacional de polarização política, o episódio serviu para mais críticas ao governo federal – como foi o vínculo – espetacular – feito pelo editorial do jornal Gazeta do Povo (8/04), afirmando que Dilma fomenta o “paramilitarismo” dos movimentos populares.

Esse é o primeiro nível de desinformação no modelo de jornalismo adotado hoje: os ataques frontais contra os movimentos populares e de trabalhadores.

Em vários casos, as lideranças dos movimentos não são ouvidas, como aconteceu em grande parte das matérias publicadas no dia 7, logo após os dois assassinatos. Isso está presente no jornalismo da região, submisso à Araupel.

Por exemplo, o jornal Guará Notícias, do grupo Mattos Leão Comunicação, proprietário de Rádio e jornais em Guarapuava, região central do Paraná, deixou claro em sua chamada que “Duas equipes da Polícia Militar foram vítimas de uma emboscada”, no início da matéria.

Já o portal CATVE descreveu a cena do crime dessa forma: “À polícia, os socorristas relataram que ao chegar no acampamento, foram recebidos por um grupo de mais de 100 pessoas, fortemente armados. Além das armas de fogo, os manifestantes estavam com pedaços de madeira e facas em mãos”, versão que não aponta o relato dos sem-terra de que foram impedidos de socorrer e ter acesso aos corpos no local, ficando horas sem saber o número de vítimas.

Esse tipo de jornalismo tem se repetido em vários acontecimentos na região e certamente é o mais prejudicial, porque cria situações bizarras.

Em 2015, o jornal Correio do Povo, chegou a publicar um artigo intitulado “Os filhos do Stédile e do Seriguelli” do colunista João Muniz.

Na publicação, Muniz alegava que mulheres grávidas de dois acampamentos do MST no Paraná seriam vítimas de estupros dentro destes espaços, sugerindo que lideranças do movimento seriam os responsáveis.

Uma semana depois, o jornalista teve sua casa baleada – em relação que a mídia atribuiu – adivinhem – ao movimento popular.

Ordem dos fatores altera o produto

O segundo nível de desinformação é visto até mesmo por uma reportagem com credibilidade e bons profissionais, caso do jornal Gazeta do Povo, da família Cunha Pereira, maior grupo de comunicação do estado, que adota a expressão “confronto” para indicar o que supostamente aconteceu no acampamento em Quedas do Iguaçu.

Porém, a versão do MST e dos trabalhadores acampados no máximo é uma frase pontual que chega inclusive a reforçar a visão oficial: “Os dois lados têm versões diferentes para o conflito. Em nota, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) afirmou que os policiais foram vítima de uma emboscada e que eles foram ao local para tentar ajudar a combater um incêndio. O MST nega e diz que a polícia foi ao assentamento para tentar retirar o grupo, que ocupa, desde julho de 2014, as terras da Araupel, empresa de reflorestamento. Um líder do MST disse que os membros do movimento é que foram as vítimas de emboscada”.

A partir dessa tese, ao longo da matéria a versão do movimento popular é citada brevemente, prevalecendo o eixo principal na versão do Estado e da Secretaria de Segurança.

O problema da visão do “confronto”, da “confusão”, da “invasão” e de outras palavras usadas para relatar conflitos sociais, esvaziando o seu conteúdo e pautas, é que, se estamos falando de confrontos, como podemos adotar uma visão de equivalência de forças, de condições, de objetivos e simplesmente sugerir “confrontos” entre palestinos e israelenses, moradores da favela e policiais militares, sem-terras e agronegócio, entre a polícia de Richa/Francischini e os professores do Paraná?

De acordo com essa visão, a sociedade se limita a uma disputa de “versões” e não a uma disputa real na sociedade por direitos sociais, por maior participação, por menos exclusão, por mais direitos, pela disputa na renda e terra. Essa visão de jornalismo trata apenas de discursos e não de grupos com interesses reais, em um contexto social desigual e autoritário como é a História brasileira.

Esse modelo se esgota, pois não dá conta e uma série de críticas surgem na sociedade civil contra ele. Une-se a este cenário a concentração e a má gestão dos empresários do ramo comunicacional, alheios aos problemas dos trabalhadores e de seus próprios jornalistas – demitidos e precarizados.

Algo novo tem que ser feito. Dois assassinatos em acampamentos de luta pela terra não podem ser retratados com certo cinismo e como um problema de ordem ou de versão dos fatos. O problema é mais profundo.

*Pedro Carrano é jornalista do Brasil de Fato Paraná.

Leia também:

Stedile: Globo ataca América Latina em nome dos EUA


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FrancoAtirador

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MAIS UMA EXECUÇÃO SUMÁRIA
DOS LATIFUNDIÁRIOS COVARDES
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Presidente do Partido dos Trabalhadores (PT)
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do Município de Mogeiro, Estado da Paraíba,
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foi Executado de Emboscada, na Própria Casa,
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Alvejado na Cabeça por um Tiro de Espingarda
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de Calibre 12, na Presença da Filha de 13 Meses.
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A Vítima, Ivanildo Francisco da Silva, tinha 46 Anos,
morava num Assentamento da Reforma Agrária
e era Suplente de Vereador no Município Paraibano.
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O Deputado Estadual Frei Anastácio (PT),
solicitou ao Secretário de Segurança Pública,
um Delegado Especial para apurar o Crime.
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“Ele foi executado na presença
de uma filha de um ano e um mês,
que passou a noite inteira ao lado do corpo,
que só foi encontrado hoje pela manhã
na entrada da casa da vítima”,
disse o deputado.
.
O Parlamentar afirmou que não tem dúvidas
de que Ivanildo foi mais uma vítima do latifúndio.
.
“Em outubro do ano passado, ele e outros cinco agricultores
da fazenda Salgadinho, no município de Mogeiro,
foram feridos a tiros de espingardas 12 e revólveres 38
por capangas pagos pelos proprietários da terra,
quando realizavam um mutirão.
.
Ivanildo era um homem da luta dos trabalhadores do campo
e sempre estava dando apoio às ações realizadas
pela Comissão Pastoral da Terra (CPT)”, destacou.
.
De acordo com Frei Anastácio, os sete capangas que feririam os trabalhadores
foram presos pela polícia, mas eles pagaram fiança e estão respondendo os processos em liberdade.
.
“Essa é a principal suspeita que temos em relação ao assassinato de Ivanildo,
que durante a investida dos capangas foi atingido por dois tiros a queima-roupa,
mas escapou”, disse Frei Anastácio.
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Frei Anastácio disse que Ivanildo estava só em casa, com a criança,
porque a esposa dele havia ido dormir na casa do pai dela, em Mogeiro
(como fazia sempre que ia assistir as missas na cidade durante a noite,
para não ter que voltar altas horas para casa).
.
“Hoje, pela manhã,quando ela retornou, encontrou o marido morto
e a filhinha suja de sangue chorando ao redor do corpo.
Não temos nenhuma dúvida de que o crime foi encomendado.
Espero que a Polícia Encontre logo os culpados.
Não iremos nos calar enquanto a Justiça não for feita”,
destacou o deputado.
.
Ivanildo deixou seis filhos órfãos. Cinco do primeiro casamento
e a Menina de um ano e um mês da segunda mulher
que vivia com ele no assentamento.
.
“A Luta na Terra e pela terra está de Luto
e o PT perdeu um Guerreiro
que nunca deixou de lutar por Dias Melhores
para os Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo.
A Justiça tem que ser feita”, disse Frei Anastácio.
.
(http://www.maispb.com.br/174339/presidente-do-pt-e-executado-com-tiro-na-cabeca.html)
.
.

Urbano

Satanizados até por pobres e remediados e sem a firme decisão do Estado em estabelecer a reforma agrária, que até o capitalismo mor o fez, a saída mais pertinente é a invasão de terras que normalmente são improdutivas e pertencentes aos grileiros latrocidas.

    Urbano

    Ademais, se o Brasil está dançando na mão dessa raça fascista, imagine-se então o MST…

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