‘Lula não sobe a rampa’: Braga Netto aprovou plano para matar Lula, Bolsonaro tinha ‘domínio’ da trama, revela relatório da PF

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Braga Netto aprovou plano para matar Lula, e Bolsonaro tinha ‘domínio’ de trama golpista: as principais revelações da PF

Relatório da Polícia Federal encaminhado ao STF pede indiciamento de Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas. Material teve o sigilo derrubado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e foi encaminhado à PGR.

Por G1 –Brasília

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou nesta terça-feira (26) o sigilo do relatório final da investigação conduzida pela Polícia Federal sobre uma tentativa de golpe de Estado em 2022.

O documento, que tem mais de 800 páginas, reúne as conclusões da PF sobre uma trama, arquitetada pelo entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para frustrar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em janeiro de 2023.

A corporação indiciou 37 pessoas por envolvimento na suposta tentativa de golpe, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O inquérito foi encaminhado, por Moraes, à Procuradoria-Geral da República (PGR), que poderá — ou não — apresentar denúncia contra o grupo.

As conclusões da PF apontam, por exemplo, que o então presidente Bolsonaro “efetivamente planejou, ajustou e elaborou um decreto que previa a ruptura institucional”. Os investigadores dizem que ele tinha “plena consciência e participação ativa” nas ações.

O relatório também afirma que o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, aprovou o plano para assassinar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Outros pontos do relatório revelam adesão de militares de alta patente à trama, como ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos. Mensagens obtidas pela investigação afirmam, por exemplo, que “tanques no Arsenal” da Força estavam “prontos” para o golpe.

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Bolsonaro tinha ‘domínio’ da trama e buscou apoio

O relatório da Polícia Federal afirma que Jair Bolsonaro tinha “plena consciência e participação ativa” nas ações do grupo que debatia a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil.

O documento aponta que o grupo deu início a ações para subverter a ordem constitucional e impedir a posse de Lula, eleito em 2022, com conhecimento do então presidente.

Bolsonaro, de acordo com a PF, fez, por exemplo, transmissões ao vivo e reuniões para inflamar e sustentar narrativas de fraude nas eleições.

Segundo a Polícia Federal, as provas obtidas no inquérito demonstram de “forma inequívoca” que o então presidente “planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa” que tramava o golpe.

Os investigadores afirmam, ainda, que o então presidente Bolsonaro tentou recorrer a instâncias inferiores das Forças Armadas para buscar respaldo a um golpe de Estado.

Segundo a Polícia Federal, o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, se colocou à disposição. Já os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, disseram que não adeririam a qualquer plano do tipo.

Foi diante dessa recusa dos comandantes que, de acordo com a PF, Bolsonaro decidiu se reunir dois dias depois com um militar de posto mais baixo: o comandante de Operações Terrestres do Exército, general Estevam Theophilo.

“Diante da recusa dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica em aderirem ao intento golpista, o então presidente Jair, no dia 09 de dezembro de 2022, reuniu-se com o General Estevam Theophilo, comandante do Coter, que aceitou executar as ações a cargo do Exército e capitanear as tropas terrestres, caso o então presidente Jair Bolsonaro assinasse o decreto”, diz a PF.

Ex-presidente ‘elaborou’ textos golpistas

Minuta de golpe no WhatsApp de Jair Bolsonaro — Foto: Reprodução

O documento entregue pela PF ao Supremo afirma que o então presidente Jair Bolsonaro “efetivamente planejou, ajustou e elaborou um decreto que previa a ruptura institucional”.

A chamada “minuta de decreto golpista” previa, entre outras medidas, a anulação das eleições para garantir Bolsonaro no poder.

Em seu depoimento, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou em depoimento que o ex-presidente pediu alterações na minuta de decreto golpista.

Segundo Cid, o então presidente determinou que dois pontos principais fossem mantidos: “a determinação de prisão do Ministro ALEXANDRE DE MORAES e a realização de novas eleições presidenciais”.

As ações golpistas, de acordo com a investigação, só não avançaram em razão da resistência de militares, como os então comandantes do Exército Freire Gomes e da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior.

Militares destruíram decreto golpista

Print da conversa em que militares dizem que Bolsonaro rasgou documento assinado. Foto: Reprodução/ PF

Mensagens obtidas pela PF revelam, ainda, que um possível decreto golpista assinado por Jair Bolsonaro teria sido destruído por integrantes do Alto Comando do Exército.

Em mensagens entre Mauro Cid e Sérgio Cavalieri, prints de conversas com um interlocutor chamado “Riva” trazem detalhes de uma reunião entre Bolsonaro, seu vice-presidente Hamilton Mourão, e generais do Alto Comando (veja as imagens acima).

Segundo “Riva”, Mourão teria negociado a saída de Bolsonaro em referência a uma tentativa de golpe no Peru. Ele afirma que, nessas negociações, os generais decidiram destruir o documento assinado por Bolsonaro, que, segundo ele, poderia ser o decreto golpista.

”Rasgaram o documento que o 01 assinou”, escreveu Riva, usando o apelido “01” para se referir ao ex-presidente.

Braga Netto aprovou plano para matar Lula

A investigação conduzida pela Polícia Federal também concluiu que o ex-ministro da Defesa Braga Netto aprovou o plano para assassinar os então presidente e vice-presidente eleitos Lula e Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

O plano, elaborado pelo general da reserva Mario Fernandes — preso na última semana, foi apresentado a Braga Netto, em reunião na casa do ex-ministro de Bolsonaro em novembro de 2022.

Segundo a PF, o planejamento chamado de “Punhal Verde e Amarelo” falava em assassinar, em dezembro de 2022, Lula, Alckmin e Moraes.

Naquele momento, Lula e Alckmin já tinham sido eleitos, mas ainda não tinham tomado posse na presidência da República. Moraes era presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na casa de Braga Netto, o tenentes-coronéis Mauro Cid e Ferreira Lima, e o major Rafael de Oliveira discutiram o plano junto a Braga Netto, que teria aprovado o documento.

“A reunião contou com o tenente-coronel MAURO CESAR CID, o Major RAFAEL DE OLIVEIRA e o Tenente-Coronel FERREIRA LIMA, oportunidade em que o planejamento foi apresentado e aprovado pelo General BRAGA NETTO”, diz a PF.

“A reunião contou com o tenente-coronel MAURO CESAR CID, o Major RAFAEL DE OLIVEIRA e o Tenente-Coronel FERREIRA LIMA, oportunidade em que o planejamento foi apresentado e aprovado pelo General BRAGA NETTO”, diz a PF.

Militares recuaram de plano para matar Moraes

Conversa entre ex-assessor especial de Bolsonaro e o policial federal preso por planejar matar Lula, Alckmin e Moraes. Foto: Reprodução

A PF afirma que o grupo de militares recuou do plano para matar o ministro do STF Alexandre de Moraes por falta de adesão da cúpula das Forças Armadas.

O planejamento, chamado de “Punhal Verde Amarelo”, previa também o assassinato de Lula e Alckmin.

Em 15 de dezembro, segundo apuração da PF, militares estavam em pontos estratégicos de Brasília para capturar Moraes e executá-lo. Em dado momento, eles decidem abortam a missão.

O motivo, de acordo com os investigadores, foi a falta de adesão de militares ao plano.

“Apesar de todas as pressões realizadas, o general Freire Gomes e a maioria do alto comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República Jair Bolsonaro, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou. Com isso, a ação clandestina para prender/executar ministro Alexandre de Moraes foi abortada”, afirma a PF.

Falta de apoio militar ‘enterrou’ golpe

O ex-presidente Jair Bolsonaro e ex-comandantes das Forças Armadas, em imagem de arquivo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A Polícia Federal concluiu, no documento enviado ao Supremo, que a trama golpista do entorno de Bolsonaro não se concretizou por falta de apoio junto ao comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Os investigadores afirmam que as ações não aconteceram por circunstâncias “alheias à vontade” de Bolsonaro.

À época, o Exército era chefiado pelo general Freire Gomes e a Aeronáutica, pelo brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior. A Marinha era comandada pelo almirante Almir Garnier Santos.

De acordo com a PF, somente Garnier Santos demonstrou apoio aos planos golpistas. Por outro lado, a maioria do Alto Comando do Exército e os comandantes de Exército e Aeronáutica permaneceram, de forma “inequívoca”, “fiéis aos valores que regem o Estado Democrático”.

“A consumação do golpe de Estado perpetrado pela organização criminosa não ocorreu, apesar da continuidade dos atos para conclusão da ruptura institucional, por circunstâncias alheias à vontade do então presidente da República Jair Bolsonaro, no caso, a posição inequívoca, dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, general de Exército Freire Gomes e Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Junior, e da maioria do Alto Comando do Exército, de permanecerem fieis aos valores que regem o Estado Democrático de Direito, não cedendo às pressões golpistas.”

Ex-ministro de Bolsonaro pressionou por apoio

02/04/2020: O general Braga Netto em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto sobre as ações de enfrentamento no combate ao covid-19. Braga Netto era o então ministro da Casa Civil. Foto: Isac Nóbrega/PR/ Reprodução

Um dos personagens que atuou ativamente para reunir apoio ao plano golpista, segundo a Polícia Federal, foi o ex-ministro da Defesa Braga Netto.

Segundo a PF, o ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro pressionou os “comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano que objetivava a abolição do Estado Democrático de Direito”.

Braga Netto teria utilizado, ainda de acordo com o inquérito, de um mecanismo semelhante às milícias digitais.

“Conforme consta nos autos, BRAGA NETTO utilizou o modo de agir da milícia digital, determinando a outros investigados que promovessem e difundissem ataques pessoais ao General FREIRE GOMES e ao Tenente-Brigadeiro BAPTISTA JÚNIOR, além de seus familiares”, diz a PF.

Lula ‘não sobe a rampa’

‘Lula não sobe a rampa’, diz documento. Foto: Reprodução

Documento obtido pela Polícia Federal em um grupo que tramava a inversão da ordem democrática dizia que, entre outras medidas, Lula não subiria a rampa, em referência à entrada principal do Palácio do Planalto, que é o símbolo do ato de posse de um presidente eleito.

O plano foi encontrado na sede do Partido Liberal, na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor do general Braga Netto.

O título era “Operação 142”, baseada em uma interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição Federal, que trata do papel das Forças Armadas.

De acordo com a PF, o plano indica que havia “uma possibilidade aventada pelos investigados como meio de implementar uma ruptura institucional após a derrota eleitoral do presidente JAIR BOLSONARO”.

O documento detalhava ações que incluíam “interrupção do processo de transição”, “mobilização de juristas e formadores de opinião” e “preparação de novas eleições”.

Outras medidas indicavam “anulação das eleições”, “prorrogação dos mandatos”, “substituição de todo TSE” e, sob o tópico “Estado Final Desejado Político (EFD Pol)”, o texto afirmava explicitamente: “Lula não sobe a rampa”.

Para a Polícia Federal, o documento demonstra que Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, e seu entorno tinham “clara intenção golpista, com o objetivo de subverter o Estado Democrático de Direito, utilizando uma interpretação anômala do art. 142 da CF, de forma a tentar legitimar o golpe de Estado”.

Tanques nas ruas

Tanques blindados em Brasília. Foto: TV Globo/Reprodução

Em outras mensagens obtidas pela PF, um contato chamado “Riva” diz que o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, era um aliado estratégico.

No diálogo, “Riva” afirma que “tinham tanques no arsenal prontos”, indicando uma possível preparação militar para apoiar o intento golpista.

Em resposta, o interlocutor sugere que Bolsonaro, referido como “01”, deveria ter tomado uma atitude mais decisiva com a Marinha, afirmando que, se isso tivesse ocorrido, “o Exército e a Aeronáutica iriam atrás”.

Plano de Bolsonaro nos EUA

30/12/2022,14h02: Tendo a bordo, o então presidente Jair Bolsonaro, o avião da Força Aérea Brasileira  decola do aeroporto de Brasília rumo aos EUA. Foto: Reprodução/CNN

O relatório da Polícia Federal diz que havia um plano de fuga para Jair Bolsonaro nos Estados Unidos.

O ex-presidente viajou ao país no final de 2022, depois de as supostas tentativas de golpe terem sido frustradas. Lá fora, de acordo com a PF, Bolsonaro aguardaria o desfecho do 8 de janeiro de 2023.

Segundo o relatório, além do 8 de janeiro, a fuga também pode ter sido motivada pelo receio de prisão. Bolsonaro ficou três meses nos EUA.

De acordo com o relatório, o plano foi dividido em três etapas principais:

1. A primeira, “Proteção do Pr no Planalto e Alvorada – sem apoio do GSI”, previa a cooptação de militares do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para ocupar posições estratégicas nos palácios do Planalto e da Alvorada. Essa etapa incluía a disponibilização de armamento e munição “em condições de uso imediato”, armazenados em cofres prontos para acesso rápido, caso necessário.

2. A segunda era descrita como “Condições de ocupar Etta Estrg como forma dissuasória para mostrar apoio ao Pr”. A PF aponta que “o termo ‘Etta Estrg’ refere-se a estruturas estratégicas ou infraestrutura crítica, cuja interrupção ou destruição teria impacto significativo no Estado e na sociedade”. O objetivo seria ocupar instalações críticas para intimidar medidas judiciais ou institucionais contra Bolsonaro, criando um cenário de pressão física e simbólica contra as decisões do Judiciário.

3. A terceira previa a retirada de Bolsonaro do país, descrita como “montar e operar um RAFE/LAFE para exfiltrar o Pr para o exterior”. A operação consistiria em criar uma rede de apoio logístico e militar para garantir a fuga do ex-presidente. A sigla RAFE/LAFE é utilizada em contextos militares para se referir a evacuações rápidas e discretas, com foco em evitar interceptações por autoridades nacionais ou internacionais.

Para a PF, o plano para Bolsonaro fugir “demonstra o nível de comprometimento de parte de sua base com a ruptura institucional”.

“A criação de uma rede de apoio militar para retirar o ex-presidente do país reflete o temor de que ele pudesse ser responsabilizado por seus atos após deixar o cargo”, diz a corporação.

Abaixo, a íntegra do relatório final da Polícia Federal sobre o golpe

relatorio-final-pf-site-2024-1

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Zé Maria

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Polícia Federal
RELATÓRIO N° 4546344/2024
2023.0050897-CGCINT/DIP/PF

Registro Especial: 2023.0050897-CGCINT/DIP/PF
(INQUÉRITO POLICIAL 2021.0044972)
Processo Judicial STF: Pet. 12.100/DF – INQ 4.874-DF

Excerto Inicial (Páginas 5-11 de 884):

1. DA CONTEXTUALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO

No contexto da presente investigação apurou-se a constituição de uma organização criminosa, com seus integrantes atuando, mediante divisão de tarefas, com o fim de obtenção de vantagem consistente em tentar manter o então Presidente da República JAIR BOLSONARO no poder, a partir da consumação de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, restringindo o exercício do Poder Judiciário e impedindo a posse do então presidente da república eleito.

Os elementos de prova colhidos permitiram delimitar as ações dos investigados em núcleos, a seguir descritos, evidenciando a criação de uma estrutura de atuação previamente ordenada, com a individualização de conduta penalmente relevante de cada investigado para atingimento do objeto descrito:

a) Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;

b) Núcleo Responsável por Incitar Militares a Aderirem ao Golpe
de Estado;

c) Núcleo Jurídico;

d) Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;

e) Núcleo de Inteligência Paralela;

f) Núcleo de Operacional para cumprimento de medidas
coercitivas

O grupo investigado criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do país, que teria como artífices ministros da Suprema Corte brasileira e do Tribunal Superior Eleitoral, com o objetivo de prejudicar o então presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO.

Os ataques às urnas eletrônicas não se iniciaram após o segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Pelo contrário, conforme exposto no RE 2021.0059778 (INQ STF no 4781-DF), o grupo ora investigado, desde o ano de 2019, já propagava essa ideia.

O objetivo era sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral para posteriormente a narrativa atingir dois objetivos: inicialmente não ser interpretada como um possível ato casuístico, em caso de derrota eleitoral e, o mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato JAIR BOLSONARO no pleito de 2022.

Para o desenvolvimento da empreitada criminosa, os investigados durante todo o processo se utilizaram do modus operandi da denominada milícia digital (Inquérito 4874/DF).

Nesse sentido, os produtores de dados falsos, difundiram em alto volume, por multicanais, de forma rápida, contínua e repetitiva a ideia de que tanto nas eleições de 2018 quanto nas eleições de 2022 foram identificadas diversas vulnerabilidades nas urnas eletrônicas, que “teriam revelado” a arquitetura de uma grande fraude para prejudicar unicamente o então presidente da República JAIR BOLSONARO, culminando com sua derrota no pleito de 2022.

Por mais inverossímil que possa parecer, os investigados sabiam que a narrativa falsa de fraude eleitoral, sendo disseminada por muito tempo, por vários canais, especialmente na internet (aplicativos de mensagens, redes sociais, vídeos, entrevistas etc.), em grande volume seria extremamente eficiente em seu público-alvo.

Receber mensagens semelhantes de várias fontes é muito mais persuasivo.

O endosso de um grande número de usuários aumenta a confiança na informação que está sendo transmitida, especialmente se a informação vem de um canal (ou perfil de rede social) com o qual o destinatário se identifica (afinidades ideológicas, políticas, religiosas etc.).

Além disso, a repetição maçante das informações, mesmo que falsas, leva à familiaridade, e a familiaridade leva à aceitação por parte dos receptores.

Por fim, os investigados ainda fizeram uso de pessoas com posição de autoridade perante o público-alvo, para dar uma falsa credibilidade às narrativas propagadas.

Nesse processo, no dia 29 de julho de 2021, o então Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO realizou uma transmissão ao vivo (live), acompanhado pelo então Ministro de Estado da Justiça, ANDERSON GUSTAVO TORRES, e outras pessoas, com a finalidade de apresentar o que seriam indícios da ocorrência de fraudes e manipulações de votos em eleições, decorrentes de alegadas vulnerabilidades do sistema eleitoral brasileiro.

Posteriormente, já no ano de 2022, dando prosseguimento à execução do plano criminoso, na reunião de cúpula do Poder Executivo Federal, entre o então presidente da República JAIR BOLSONARO e seus Ministros de Estado, ocorrida em 05 de julho de 2022, treze dias antes da reunião com os embaixadores, foi realizada novamente uma apresentação da narrativa construída para disseminar alegações sabidamente não verídicas ou sem qualquer lastro concreto, de indícios da ocorrência de fraudes e manipulações de votos nas eleições brasileiras, decorrentes de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação.

Além disso, o então Presidente utilizou a reunião para disseminar ataques e insinuações de condutas criminosas que teriam sido praticadas pelo atual Presidente da República LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e, principalmente, pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral LUIS ROBERTO BARROSO, EDSON FACHIN e ALEXANDRE DE MORAES, para impedir sua reeleição.

Os discursos realizados pelo então Presidente JAIR BOLSONARO e outros integrantes do Governo, como o Ministro da Justiça ANDERSON TORRES, além do Deputado Federal FILIPE BARROS seguiram exatamente a metodologia desenvolvida pela milícia digital, propagando a ideia de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação em “alto volume”, sem compromisso com a verdade, realizado por influenciadores em posição de autoridade perante sua “audiência”, no caso, o próprio Presidente da República, assessorado pelo Ministro da Justiça e pelo referido Deputado Federal que “teria conhecimento técnico” sobre o assunto, como forma de dar maior credibilidade à narrativa perante seus receptores, no caso, os demais Ministros e integrantes do Governo do Federal, demonstrando uma atuação com dolo, consciência e livre vontade, na produção e divulgação, por diversos meios, de narrativas sabidamente falsa.

A reunião teve também a participação direta e relevante do então Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General da Reserva AUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA, do então Ministro da Defesa PAULO SÉRGIO NOGUEIRA DE OLIVEIRA e do Chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência da República, General MÁRIO FERNANDES, com o objetivo de reforçar aos presentes que as Forças Armadas e os órgãos de Inteligência do Governo Federal tinham ciência das fraudes e ratificavam a narrativa apresentada pelo então Presidente da República JAIR BOLSONARO.

O encontro, previamente estruturado, teve a finalidade de cobrar dos Ministros de Estado presentes, a promoção e a difusão, em cada uma de suas respectivas áreas, desinformações quanto à lisura do sistema de votação, utilizando a estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e desgarrados do interesse público.

Logo após o termino do segundo turno das eleições presidenciais, mesmo cientes da inexistência de fraudes nas eleições realizadas em 2022, o núcleo responsável em promover ações que pudessem desacreditar o processo eleitoral brasileiro, seguindo o planejamento da empreitada criminosa, começou a atuar de forma mais incisiva, utilizando a metodologia desenvolvida pela milícia digital para reverberar por multicanais a ideia de que as eleições presidenciais de 2022 foram fraudadas, estimulando seus seguidores a “resistirem” na frente de quarteis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o Golpe de Estado.

Nessa linha de ação, os militares SERGIO RICARDO CAVALIERE DE MEDEIROS, MARCOS PAULO CAVALIERE e HÉLIO FERREIRA LIMA disseminaram estudos sem qualquer lastro, que teriam identificado o registro de votos após o término do horário de votação e a existência de inconsistências no código-fonte das urnas eletrônicas que propiciaram fraudes nas eleições presidenciais.

Dando seguimento à execução do plano, o mesmo conteúdo falso foi utilizado pelo argentino FERNANDO CERIMEDO, com auxílio do Major da reserva ANGELO MARTINS DENICOLI e do Tenente-Coronel MARQUES DE ALMEIDA para disseminar, por meio de uma live realizada no dia 04 de novembro de 2022, o que ele chamou de “investigação” sobre as eleições brasileiras.
O texto publicado no site ‘https://derechadiario.com.ar” afirmou, em resumo, que foram encontradas disparidades entre a distribuição de votos nas máquinas (urnas) mais novas (modelos 2020) e máquinas (urnas) mais antigas (fabricadas em 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015).

Segundo CERIMEDO, as urnas fabricadas antes de 2020 “geraram uma anomalia a favor do candidato de número 13”.

Em seguida, o material foi disponibilizado no serviço de nuvem GOOGLE DRIVE, editado pelo então assessor especial da Presidência da República, TÉRCIO ARNAUD TOMAZ, integrante do autodenominado GABINETE DO ÓDIO e encaminhado para MAURO CESAR CID, possivelmente com o objetivo de facilitar a propagação do conteúdo falso.

A diversificação da disseminação do conteúdo falso produzido pelo argentino FERNANDO CERIMEDO continuou a ser realizada pelos investigados.

O Tenente-Coronel MARQUES DE ALMEIDA, então lotado no Comando de Operações Terrestres do Exército – COTER, dentro da divisão de tarefas estabelecida pelos investigados, atuou deliberadamente para burlar a ordem judicial de bloqueio do conteúdo falso sobre o sistema eleitoral brasileiro, disponibilizando o material produzido por FERNANDO CERIMEDO em servidores localizados fora do país.

O Relatório de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação produzido pelo Ministério da Defesa também foi um instrumento utilizado pelo grupo investigado para reforçar o sentimento de uma possível fraude nas eleições presidenciais de 2022. Os dados analisados indicam o então Presidente da República JAIR BOLSONARO determinou a postergação da divulgação do referido relatório, pelo fato de não terem identificado qualquer indício de fraudes ou vulnerabilidades no sistema eletrônico de votação.

Dentro do planejamento traçado, a publicidade do relatório destruiria a narrativa construída para manter mobilizadas as manifestações, que serviriam de suporte para a execução do Golpe de Estado.

O Relatório de fiscalização do Ministério da Defesa foi publicado no dia 09 de novembro de 2022.

Diante da repercussão de que a fiscalização não identificou qualquer indício de ilegalidade nas eleições de 2022, o então Ministro da Defesa, GENERAL PAULO SÉRGIO NOGUEIRA DE OLIVEIRA, no dia seguinte (10/11/2022), no sentido de manter a narrativa de possível fraude eleitoral, divulgou uma nota afirmando de forma contraditória que “embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”.

Os atos para reverter o resultado das eleições continuaram e, dentro do planejamento projetado pelos investigados, no dia 22 de novembro de 2022, o Partido Liberal, apresentou “Representação Eleitoral para Verificação Extraordinária” perante o TSE.
Para o ato, o referido partido contratou o Instituto Voto Legal – IVL, presidido por CARLOS CESAR MORETZSOHN ROCHA, que apresentou os “fundamentos técnicos” que embasaram o pedido de nulidade das eleições.

Por sua vez, o IVL firmou um contrato com a empresa GAIO, para prestação de serviço de base de dados.

No entanto, trocas de mensagens por meio do aplicativo WhatsApp e e-mails, identificadas no material apreendido, entre CARLOS CESAR MORETZSOHN ROCHA e ÉDER LINDSAY MAGALHÃES BALBINO (sócio da empresa GAIO) demonstraram, de forma inequívoca, que os investigados tinham consciência de que o argumento que fundamentou a Representação pela nulidade dos votos computados nas urnas eletrônicas produzidas antes do ano de 2020 era inconsistente, não provando qualquer fraude ou
vulnerabilidade que levasse a alteração do resultado das eleições de 2022.

No entanto, ainda assim, de forma dolosa, o Partido Liberal, por meio de seu presidente WALDEMAR COSTA NETO e do então candidato a reeleição presidencial JAIR BOLSONARO e CESAR MORETZSOHN ROCHA do IVL, insistiram na contestação formal do resultado das eleições perante o TSE.

Os investigados, mesmo cientes da chance remota de êxito, adotaram a referida estratégia com a finalidade de servir de fundamento para a tentativa de Golpe de Estado, que estava em curso.

A contestação formal ao resultado das eleições por um partido político juntamente com a disseminação da narrativa falsa por meio de

influenciadores digitais e alguns integrantes da mídia tradicional [QUAIS!?!],

com forte penetração em parcela da população ligada à direita do espectro político, manteve o discurso de uma atuação ilícita do Poder Judiciário, especialmente do STF e do TSE, que estariam extrapolando os limites constitucionais com a finalidade de impedir a reeleição do então Presidente JAIR BOLSONARO. Esse contexto serviu para indicar os seguidores do então presidente da República, o esgotamento dos instrumentos legais para reversão do resultado, devendo-se adotar uma outra forma de ação mais contundente, diante das divulgadas “arbitrariedades” do Poder judiciário.
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Íntegra em:
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