Elaíze Farias: Professora da UFAM é intimidada por defender indígenas contra mineração
Tempo de leitura: 15 minProfessora da Ufam sofre tentativa de intimidação por defender indígenas contra mineração
Por Elaíze Farias, em Amazônia Real
Manaus (AM) – A professora e pesquisadora Caroline Nogueira recebeu no último dia 12 uma intimação da Corregedoria da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) para explicar por que seu grupo de pesquisa presta assessoria jurídica a indígenas Mura que são contrários à exploração minerária da empresa Potássio do Brasil em seu território.
Na notificação, a Corregedoria diz que Caroline deve esclarecer sobre um “suposto conflito de interesses”, já que a Ufam tem um protocolo de intenções com a empresa.
O processo foi gerado a partir de denúncia anônima na ouvidoria Fala Brasil, uma plataforma do governo federal.
Segundo Caroline, havia risco de ela ser submetida a uma sindicância e a um procedimento administrativo disciplinar (PAD).
Na última quarta-feira (18), a Ufam informou em uma curta nota que arquivou a denúncia por falta de materialidade.
À Amazônia Real, Caroline disse que a denúncia não possuía fundamentação jurídica e que ela iria constituir advogado caso o processo na Ufam avançasse.
“Foi uma espécie de pressão para que não houvesse mais uma movimentação do nosso trabalho na defesa dos Mura. Intimidação para provocar medo. Há uma tentativa de me enquadrar em ilícitos e irregularidades quando elas não existem. E é uma prática de pessoas interessadas em grandes empreendimentos”.
Caroline Nogueira coordena o grupo de pesquisa e extensão Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia (ODSDH).
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Desde outubro de 2023, a pedido dos indígenas que se opõem ao projeto de mineração da Potássio do Brasil, o Observatório oferece auxílio jurídico pro-bono (voluntário) aos Mura da aldeia Lago do Soares e à Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea (OLIMCV).
A mina de potássio está sobreposta à aldeia Lago do Soares, no município de Autazes (a 111 KM de Manaus).
O projeto é apoiado por ministros do governo Lula, como Alexandre Silveira (Minas e Energia) e pelo vice Geraldo Alckmin (PSB). Também tem como um dos principais aliados o governador Wilson Lima (União Brasil) e políticos locais.
Lideranças lutam pela demarcação ao menos desde 2003 e pedem respeito ao seu território ancestral, que tem mais de 200 anos. Em 2023, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) instituiu o Grupo de Trabalho para dar início à demarcação.
Os Mura do Lago do Soares protestam contra o posicionamento do Conselho Indígena Mura (CIM), que apoia o empreendimento, e solicitaram auxílio jurídico e informações sobre processos de demarcação. Até então, eles contavam apenas com apoio do Ministério Público Federal (MPF).
Em junho passado, as lideranças do Lago do Soares se desligaram oficialmente do CIM, segundo o tuxaua da comunidade, Gabriel Mura. Ele diz que seus direitos estão sendo violados, que os Mura de Soares discordam da conduta do CIM e que a organização não pode falar pela comunidade.
Como aliada da mineração, a reitoria da Ufam assinou um protocolo de intenções com a Potássio do Brasil em 2023.
Pesquisadores que participaram de um projeto chamado “Autazes Sustentável” disseram que não sabiam que o trabalho, realizado entre 2018 e 2019, seria utilizado para basear cientificamente o acordo, conforme apurou a Amazônia Real.
Em 2019, o reitor Sylvio Puga assinou um “convênio de cooperação técnica e científica” com a empresa Potássio do Brasil.
Em junho de 2024, o MPF-AM recomendou que a Ufam anulasse o acordo e deu 30 dias para a universidade responder se atenderia a solicitação. O MPF disse à Amazônia Real que a reitoria respondeu que o pedido “está em análise”.
No último dia 13, um dia após a notificação recebida pela professora, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) soltaram uma nota em apoio a Caroline.
Denúncias como a presente, que buscam inibir legítima atuação profissional de professora e pesquisadora, devem ser arquivadas de imediato, de modo a evitar o efeito silenciador que a prática busca alcançar”, diz trecho.
Nesta quinta-feira, a Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (ADUA) divulgou uma nota sobre o caso.
“Diante dos fatos, a ADUA manifesta profunda preocupação quando a Ufam inicia um Processo Administrativo contra uma servidora do seu quadro sem obedecer às etapas fundamentais de sua instauração. A professora Caroline Nogueira sequer foi ouvida em primeira mão, revelando-se um processo de instalação acelerada a partir de uma denúncia anônima”, diz a ADUA.
Apesar da denúncia que chegou na ouvidoria ter sido anônima, a contestação ao auxílio jurídico oferecido pelo grupo de pesquisa coordenado por Caroline Nogueira consta em um agravo de instrumento (recurso judicial) ingressado no mês passado pelo Conselho Indígena Mura (CIM), que apoia a Potássio do Brasil e já entrou com outros processos judiciais favoráveis ao empreendimento.
A organização afirma que os indígenas Mura são favoráveis à mineração e que a autorização deles já foi dada, o que vem sendo continuamente negado por indígenas Mura do Lago do Soares.
No agravo, o advogado do CIM, Ivan Queiroz, diz que a existência do acordo entre a Ufam e a Potássio do Brasil aponta uma possível irregularidade do grupo de pesquisa no auxílio jurídico aos indígenas do Lago do Soares e à OLIMCV.
“É no mínimo contraditório que a OLIMCV e a Comunidade Indígena do Lago do Soares sejam patrocinadas pelo Grupo de Pesquisa Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia – Clínica e Assessoria Jurídica Universitária Popular da Ufam, enquanto sua reitoria firma um compromisso com a empresa Potássio do Brasil para que o empreendimento Potássio Autazes seja realizado em consonância com a sustentabilidade, o meio ambiente e o desenvolvimento econômico da região”, diz trecho do agravo.
“E para que fique registrado, não retornaremos e nem permitiremos que se retome o assunto da Consulta, pois soberanamente já nos posicionamos de acordo com nosso Protocolo de Consulta”, complementa o trecho.
Também em agosto, a Potássio do Brasil entrou com um agravo de instrumento, contestando uma proibição de seu representante entrar na aldeia Guapenu, afirmando que tinha consentimento prévio.
No documento, a empresa afirma que o empreendimento se encontra em fase de cumprimento das condicionantes e programas ambientais impostos pelo órgão licenciador.
Recentemente, empresa anunciou que o projeto está “totalmente licenciado” pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado (Ipaam), órgão estadual licenciador.
Segundo a empresa, no agravo, os indígenas Mura já autorizaram a obra e que uma “minoria de indígenas Mura insatisfeitos com o resultado da consulta vem criando obstáculos para o prosseguimento do licenciamento ambiental do Projeto Potássio Autazes”.
Na última quarta-feira (18), a Amazônia Real conversou com Caroline Nogueira. Naquele momento, ela já sabia que a Ufam havia arquivado o processo. A professora, que ficou inconformada pela possibilidade de ser investigada de forma injusta, ainda avalia como proceder diante da intimação.
Caroline Nogueira é professora da Ufam, da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia.
Ela é credenciada aos departamentos de Antropologia e História do IFCHS/Ufam. Tem Doutorado em Direito, com estágio doutoral no Centro de Investigações e Estudos Superiores em Antropologia Social, do México. Atualmente realiza Pós-Doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Sevilha, na Espanha.
Amazônia Real – Como você foi informada sobre a notificação da Corregedoria da Ufam?
Caroline Nogueira – Dia 12 de setembro recebi uma notificação da Corregedoria Seccional da Ufam solicitando informações e esclarecimentos sobre um suposto conflito de interesses.
A ideia que passaram é que o conflito existe porque a Ufam tem um protocolo de intenções desde o ano passado com a Potássio do Brasil.
E que dessa forma a minha atuação enquanto professora e docente não seria imparcial, seria contrária à empresa e eu não poderia atuar contra a empresa por conta desse protocolo.
Anexaram [na denúncia anônima] inúmeras fotografias que foram printadas do meu instagram. Minhas atividades são todas públicas, não tenho por que fechar.
Tiraram fotografias da viagem que fizemos, eu e o advogado da equipe, no Acampamento Terra Livre (ATL) desse ano, em Brasília [mobilização nacional indígena].
Todo o suporte de passagens dos Mura do Careiro da Várzea e do Lago do Soares foi dado pelas próprias organizações indígenas. Toda a parte de hospedagem e alimentação foi paga com nosso próprio dinheiro.
Eles [os denunciantes] alegam que essas fotografias são as provas que estou atuando contra a empresa, como se isso fosse alguma reprovação da minha conduta enquanto docente diante da atuação junto com os povos indígenas e dos movimentos sociais, que é uma atuação que faço desde antes de entrar na carreira de docente.
Não conheço nenhum professor que trabalhe seriamente na universidade, principalmente os de Ciências Sociais e Humanas, ou de Ciências da Saúde, que não trabalhe diretamente com comunidades e com populações vulneráveis.
Esse é o objetivo de um grupo de pesquisa e extensão. De aproximar a universidade da sociedade, mas especialmente em dar atenção a grupos sociais que tenham maior vulnerabilidade dentro da sociedade.
Amazônia Real – Você identificou algo na notificação que lhe deixou apreensiva?
Caroline – No e-mail que recebi, além de meu nome vir incorreto, colocam um número do meu CPF, mas dizem que meu endereço é desconhecido, que minhas informações são desconhecidas. Sou professora efetiva e tenho uma ficha cadastral gigantesca dentro da Pró-reitoria de gestão de pessoas da Ufam.
O processo estava em sigilo. E dentro da categoria do Processo Disciplinar e para sindicância. Fiquei confusa. O fundamento do sigilo era porque era um servidor sendo investigado por responsabilidade conforme a Lei 8.112, que trata de regulamentação da lei de serviço público em geral.
Conversei com juristas mais experientes para me auxiliarem. E cheguei na SBPC. Alguns dos membros da Comissão da Liberdade de Cátedra e de Liberdade de Expressão em Ciência fazem parte de uma equipe nacional, que tem atuado em articulação junto a povos indígenas do Brasil por conta da situação da conciliação do marco temporal.
No dia seguinte já havia uma nota pronta. A ABA ratificou. Trataram como caso urgente.
Após isso, a vice-reitora tentou entrar em contato comigo. Mas eu queria resolver as coisas por meio de trâmites legais. Escrever minha defesa e responder.
Fiz minha resposta, protocolei no sistema. Foi uma resposta simples. Primeiro, solicitei diligência com o servidor. Porque a forma como foi feita, foi uma forma que julgo não ter sido a mais adequada. Depois expliquei os motivos pelos quais a denúncia era improcedente.
Amazônia Real – O que você disse na resposta?
Caroline – Expliquei que minha atuação é pública, tanto que eles tiveram facilmente acesso às fotografias.
E que atuar junto aos povos indígenas e grupos sociais vulneráveis é papel de todo docente, especialmente extensionista e pesquisador em direitos humanos. Que é esse o público que trabalhamos.
Que não tinha fundamentação jurídica alguma o que estava sendo denunciado, mas que eu iria providenciar advogado para fazer a resposta, caso a instituição decidisse prosseguir com o processo disciplinar e sindicância.
Falei que eu tinha liberdade de cátedra e que eu não tinha nenhuma ligação com o protocolo de intenção da Ufam com a Potássio do Brasil. Que todo professor da universidade é livre para ter sua forma de pensar e atuar dentro da universidade.
Eu cumpria todas as minhas funções de acordo com a regulamentação institucional de professor. Doutor, 40 horas, dedicação exclusiva. Disse que o trabalho que eu fazia não se afastava da extensão.
A extensão, pesquisa e o ensino estavam junto dentro da atuação do povo Mura. Não havia conflito. Eu não recebo dinheiro com essa atuação.
Amazônia Real – A Ufam decidiu arquivar o processo. Como você pretende encaminhar o assunto?
Caroline – Hoje (dia 18) recebi a informação de que o processo teria sido arquivado. Ainda não li com detalhes o parecer. Mas foi anexado e o reitor da universidade fez o despacho. Ele ratificou que não iria dar prosseguimento para a denúncia feita.
O que mais me deixou confusa é que o parecer dado pelo corregedor era uma sindicância. Foi um parecer óbvio. Que mostra a obviedade que não estou atuando de forma irregular. É algo que poderia ser feito de ofício, de imediato, porque não tem demonstração de irregularidade.
Pelo contrário. A denúncia só mostra um trabalho de compromisso social da universidade. Poderia ser respondido imediatamente sem causar nenhum tipo de constrangimento ao servidor.
O que me deixa mais triste é ver que a Ufam tenha acatado ou dado importância à denúncia que é claramente um tipo de perseguição política. Preciso de apoio jurídico-político de outros parceiros, colegas. De fato, juridicamente ainda estou consultando e avaliando.
Amazônia Real – Você acha que foi uma tentativa de intimidar ou pressionar você?
Caroline – Foi uma espécie de pressão para que não houvesse mais uma movimentação do nosso trabalho na defesa dos Mura. Mas há uma possibilidade remota de ser erro técnico. Mas foi uma surpresa.
Você teve sua rede social investigada. As pessoas que fizeram essa denúncia, a intenção era essa: intimidação, provocar medo. Há uma tentativa de me enquadrar em ilícitos e irregularidades quando elas não existem. E é uma prática de pessoas interessadas em grandes empreendimentos.
Os defensores de direitos sempre acabam passando por processos como esse. São denúncias que causam tumulto, desgaste. Você fica numa situação que não sabe o que esperar. Se vai sair de casa e se vai estar tudo bem ou não. Se você vai ser abordada ou fotografada por alguém. Você perde a sua liberdade. Os familiares ficam preocupados.
É uma situação que todo defensor de direitos humanos passa. Seja dentro de uma área técnica, ou sejam os indígenas, ou as comunidades tradicionais, que passam por situações de ameaças muito pior do que a nossa.
Amazônia Real – Como você avalia o fato de ter sido feito de forma anônima?
Caroline – O Fala Brasil é uma conquista democrática. Onde as pessoas podem falar. É um canal que preserva a identidade das pessoas. Mas infelizmente ele tem sido utilizado para fazer assédios entre os servidores públicos, especialmente com quem trabalha em defesa de direitos humanos. Em promover ameaças, pressões e coação.
Amazônia Real – Essa foi a primeira vez que você sofreu esse tipo de acusação?
Caroline – Tem uma denúncia dentro do processo do caso da Potássio, tanto no ambiente da segunda instância (TRF1) quanto na 1ª Vara da Justiça Federal.
Isso foi suscitado também pelas partes contrárias. Especificamente pela empresa e pelo Conselho Indígena Mura, com quem nunca consegui ter espaço algum para dialogar. Não tive nenhum contato com eles.
O CIM fala que nós estamos colocando os indígenas contra a empresa. Que deveríamos atuar conforme o protocolo de intenções da Ufam. Como se nós não tivéssemos liberdade.
A empresa e o CIM pediram a inelegibilidade da nossa atuação. Dizem que só o CIM pode falar pelas aldeias indígenas de Autazes e que todas as provas que enviamos nos nossos processos devem ser invalidadas.
Mas todas as nossas reuniões foram provocadas por aldeias Mura tanto de Autazes quanto de Careiro da Várzea para realização de oficinas sobre direitos territoriais, sobre consulta prévia e consentimento.
Para oficinas sobre impactos ambientais, conflitos de grandes empreendimentos. Eles [indígenas] nos perguntam muito. Dizem que não houve consulta, não houve esclarecimento.
Amazônia Real – Como você avalia uma universidade pública na Amazônia apoiar um empreendimento de mineração, atividade considerada de alto impacto no meio ambiente?
Caroline – Eu acho incomum. A Ufam precisava se posicionar mais nas questões socioambientais, questões climáticas, às invasões de terra. Abraçar a agenda socioambiental do nosso estado. Abraçar a luta contra a violência nas comunidades, contra os povos indígenas. A Ufam precisa ter mais pro-atividade nessas ações. Poderia ter mais incentivo de pesquisa para essa atuação.
Eu mesma no Direito quando comecei do Observatório, era uma das poucas pessoas que trabalhava essa temática dentro da minha unidade.
Não que todas as pessoas sejam obrigadas a estudar esses temas. Mas que são temas relevantes que devem ser incentivados pela universidade, comunidade acadêmica, discente. Porque são questões urgentes que vivenciamos todos os dias.
Amazônia Real – Essa situação é bem recente. Mas o que você tira como experiência desse fato?
Caroline – A gente sabe que, dentro da liberdade de cátedra, tem os que aceitam o acordo com projetos minerários, com desenvolvimento econômico a partir de crescimento de alguns grupos.
Não é uma preocupação com justiça social para as comunidades atingidas, preocupação ambiental mais concreta com o bioma amazônica. A gente sabe que existem interesses de todas as ordens dentro de todos os setores públicos.
Respeito o interesse de todas essas pessoas, mas eu estou atuando dentro das minhas atribuições constitucionais, funcionais, cumprindo um dos papeis mais importantes que a universidade pode exercer, que é o funcionamento de uma universidade pública em prol de grupos vulnerabilizados, de campos excluídos, grupos que não têm tanto direito à voz, aos processos deliberativos democráticos.
Amazônia Real – Você acha que o fato de ser mulher teve alguma influência nessa tentativa de intimidação?
Caroline – Poderia te dizer que sim, de maneira genérica. Porque os dados mais amplos mostram que mulheres são alvos mais certeiros para esses processos de assédios. Nós somos descredibilizadas em relação ao nosso currículo, à nossa formação, à nossa saúde mental. A nossa capacidade cognitiva de lidar com pressões de toda ordem.
Eu não saberia dizer quantas mulheres são notificadas e pressionadas dentro das suas atuações na Ufam ou dentro de qualquer outra universidade pública, mas em geral temos pesquisadores que dizem que mulheres são as mais afetadas, principalmente por terem sua credibilidade atingida. Sua moralidade atingida.
Mas eu entendo que sendo uma mulher branca, ainda tenho alguns lugares de maior privilégio do que se eu fosse negra ou indígena, racializada. Com certeza eu sofreria mais descredibilização.
Amazônia Real – Como funciona a atuação do Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia?
Caroline – Todos os advogados, assistentes, todos os alunos de graduação assinam termos de confidencialidade. Não temos nenhum tipo de financiamento. É um trabalho pro-bono, voluntário. Inclusive os honorários. Essa é a função da universidade. Não posso cobrar por um trabalho que é feito institucionalmente.
Eu não posso advogar, sou servidora pública. Mas coordeno o grupo de pesquisa e sou coordenadora acadêmica. Eu cuido dessa parte. Somos seis advogados, cinco alunos de graduação, eu e mais duas colegas que coordenam e cuidam da parte de estratégica jurídica.
Fui agregando os colegas para dar atenção à assessoria popular. Tenho diálogo com vários setores da universidade. Nada do que fazemos é obscuro.
Esse ano tentei recursos para nossas incidências. A Fapeam [Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas] aprovou o projeto, mas ele não entrou na cota de valores disponíveis no edital. A gente ficou sem financiamento. Mais uma vez a gente atua com as nossas verbas ou quando conseguimos carona.
Amazônia Real – Como começou o trabalho de vocês junto aos Mura?
Caroline – A organização OLIMCV nos procurou depois que saiu o relatório do CIM dizendo que ela não fazia mais parte do protocolo de consulta, e que eles [Mura] já eram favoráveis ao empreendimento.
Eu estranhei: ‘Já teve processo de consulta?’ ‘E como foi realizado’?
Os Mura do Lago do Soares também nos procuraram e outras lideranças. Eu disse que faria o possível com os membros do meu grupo de pesquisa. Eles perguntaram se iríamos cobrar, mas eu disse que era uma atividade pro-bono e voluntária.
Fiz uma seleção, abri um edital dentro do grupo de pesquisa. Fiz prova de seleção para entender quais os conhecimentos daqueles advogados sobre consulta prévia, sobre direitos territoriais indígenas e sobre questões processuais.
As primeiras atuações foram em outubro do ano passado. São muitos documentos, vídeos, provas para serem analisadas. A gente começou a atuar de maneira intensa.
Amazônia Real – Qual foi a primeira ação processual que vocês fizeram?
Caroline – Fizemos as manifestações do Lago do Soares e do Careiro, que era a inexistência de consulta, da informação sobre o empreendimento, sobre os impactos.
Muitos não sabiam o que é uma mineração subterrânea. O que é esse potássio, o que é silvinita, o rejeito de sal. Não sabiam o que era o Estudo de Componente Indígena, que é obrigatório para o licenciamento de obras que atingem direta e indiretamente terra indígena.
Porque o empreendimento desconsidera a existência da comunidade indígena Lago do Soares, que vai ser a mais atingida, porque é dentro dela que o empreendimento quer se instalar.
Enfim, e aí nós fizemos a defesa deles, dos Mura do Soares. Tivemos muitas reuniões com eles. Online ou presencial. Nem todas as vezes a gente consegue ir na comunidade por não termos financiamento algum. Mas damos um jeito de fazer online.
Amazônia Real – Vocês realizam outras atividades com os indígenas?
Caroline – Fazemos oficinas dentro das atividades de extensão. Eles querem saber sobre marco temporal, sobre como funciona demarcação. Quais são os direitos, os direitos educacionais, de saúde, previdenciários. Há um desconhecimento muito grande sobre o empreendimento.
O que dizem as entidades mencionadas nesta reportagem
Após a publicação desta reportagem, a assessoria de comunicação da Ufam enviou nota afirmando que a “a Administração Superior da Ufam já prestou as devidas informações ao MPF, que deverá proceder aos trâmites”.
Segundo a assessoria, o “termo de cooperação com a Potássio do Brasil permanece vigente e atendeu a critérios técnicos e métricas científicas, refletindo o trabalho consultivo igualmente dado a outros empreendimentos para os quais a expertise de pesquisadores da Universidade foi requerida.”
A assessoria afirma também que a “instrução a qual a professora foi acionada a partir de denúncia anônima e que gerou procedimento administrativo, foi arquivado no último dia 18 de setembro.”
À Amazônia Real, a assessoria de comunicação da Potássio do Brasil confirmou o acordo com a Ufam, assinado em março de 2023, com o objetivo de “estabelecer e formalizar o interesse entre as Partes em realizar as ações necessárias para a adequada implementação e gestão do Programa Autazes Sustentável”.
A assessoria disse que o empreendimento recebeu recentemente nove licenças ambientais únicas e sete licenças de instalação, que se juntam “a várias outras recebidas no passado e que cumpriram seu papel dentro do sistema trifásico de licenciamento ambiental”.
De acordo com a assessoria, a Licença de Operação é a última etapa do processo de licenciamento.
“A LO é a última etapa do processo de licenciamento ambiental, concedida apenas quando o órgão competente (IPAAM) confirma que todas as condicionantes impostas nas fases anteriores, como a Licença Prévia (LP) e a Licença de Instalação (LI), foram atendidas.”
Procurado na última quarta-feira, o advogado Ivan Queiroz respondeu hoje (20) que só poderia responder após conversar com os Mura, via CIM. Ele também se prontificou a conversar com as lideranças para eles darem entrevista após a consulta.
A Amazônia Real também procurou o presidente do CIM, Kleber Mura, através de Whatsapp, informando sobre a matéria, mas ele não deu retorno.
O Ipaam foi procurado para dar informações sobre licenças ambientais liberadas para a Potássio do Brasil. Como tem sido frequente, o órgão não respondeu.
O MPF respondeu que “aguarda decisão da JF/AM, sobre o pedido cautelar feito em maio deste ano, e que o pedido ainda não foi julgado”.
*Matéria atualizada em 21/09/2024 para inclusão de resposta da Ufam.
* Elaíze Farias é cofundadora da Agência Amazônia Real e editora de conteúdo. É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
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